O evento analisou os desafios impostos à construção de uma agenda de caráter nacional e desenvolvimentista, a partir de mudanças econômicas e geopolíticas no mundo.  Em um debate animado, os palestrantes discutiram os impactos do imperialismo e da globalização financeira sobre a questão nacional.

Primeiro a falar, o membro do Comitê Central do PCdoB, Dilermando Toni, classificou como “enganoso” o discurso neoliberal de que os Estados nacionais se tornaram “estorvos” e que o caminho é eliminar barreiras. Na sua avaliação, a experiência do movimento revolucionário mostra que não é possível obter sucesso na construção de uma sociedade socialista sem dar ênfase à questão nacional.

Ele apontou que o imperialismo, como fase mais avançada do capitalismo, levou a uma unificação internacional econômica, fazendo com que o componente externo assumisse papel importante na análise da questão nacional. As transformações nas relações internacionais e a chegada da Primeira Guerra Mundial fez com que Lênin colocasse a questão nacional dentro deste novo contexto, ressaltou.

“Qual foi o novo conteúdo que a questão nacional adotou? É de que o movimento nacional que se dava nas colônias, nos países dependentes, podia ser uma parte da luta do proletariado internacional, podia compor com o movimento do proletariado internacional. A luta nacional pode ser uma parte integrante da revolução proletária mundial. Essa foi a conclusão a que Lênin chegou. Quando se deve apoiar ou não o movimento nacional? Quando ele se coloca contra ou a favor do imperialismo”, disse.

De acordo com ele, os problemas da dominação de uma nação sobre outra, assim como a resistência a essa dominação, mudam com o passar dos tempos.  “Com os avanços econômicos do próprio capitalismo, com as mudanças na correlação de forças entre os países, com os avanços do movimento revolucionário e com a constituição dos países socialistas, a questão nacional vai mudando de forma e conteúdo. Em termos de perspectiva histórica, de longo prazo, a questão nacional tende a desaparecer”, afirmou.

Ele destacou que, nos países socialistas, a questão nacional sempre teve importância fundamental. “A Rússia, logo após a revolução, enfrentou a intervenção de um pool de países, teve que ceder parte de seu território à Alemanha durante um espaço de tempo.  Mais tarde, enfrentou a invasão nazista. Como se chamou a resistência russa? Grande Guerra Patriótica. Então estava ali a defesa da pátria, em função da questão nacional da Rússia”, exemplificou.

Em vários lugares do mundo, geralmente em países invadidos pelo imperialismo ou sob ocupação colonial, a resistência à opressão e à dominação tomou a forma de resistência armada, apontou. Com o fim dos impérios coloniais, contudo, a importância da questão nacional não diminuiu. Ganhou espaço o neocolonialismo, dando nova feição ao assunto.

“O neocolonialismo é uma dominação indireta. Vários países dominados e explorados, foram passando por significativas transformações econômicas e sociais. Desenvolveram-se, criaram parques industriais, se organizaram e passaram a ter proletariado numeroso. São países que, no fundamental, mantêm independência política. Como é que essas modificações se refletiram na esfera política e jurídica? Isso é o que tem de novidade, não tinha na época de Lênin e de Stálin. Isso cabe a nós resolver”, provocou.

Segundo o economista, no Brasil, como em outros países, essas transformações se refletiram no desenvolvimento dos aparatos de Estado, que cresceram e se sofisticaram, por vezes com características próprias no sistema partidário e eleitoral, com sistemas de leis amplos, regidos por constituições nacionais, com sistema judiciário. A mídia também passou a desfrutar de todos os avanços tecnológicos, passando a ter espectro de influência muito maior.

Captura do arsenal político e jurídico

Dilermando Toni sublinhou que, embora o imperialismo não tenha posto de lado o uso das armas, a captura de todo esse arsenal político e jurídico, por vezes, pode ser uma estratégia de dominação menos traumática.

“O imperialismo emprega uma combinação ampla de ações novas e antigas, abertas ou camufladas, pressões políticas, diplomáticas, ações bélicas, com os mesmos objetivos de antes. A ideia é dominar e conter o desenvolvimento independente de outros países, para impedir que surjam novos polos de poder que possam questionar sua hegemonia.  E também para garantir o suprimento de energia, fontes de matérias primas, mercados para seus produtos, lucros para seus capitais, força de trabalho barato para suas empresas. É o que o neocolonialismo moderno coloca hoje”, resumiu.

Ele citou que a dominação de uma nação pode se dar pela dependência externa ou pela submissão. “A dependência pode se manifestar na necessidade de aportes na esfera financeira ou dependência tecnológica; a submissão se manifesta quando as classes internas dominantes adotam a política externa pró-Estados Unidos, nas questões militares e nucleares, do petróleo e gás, na submissão ideológica”. 

Ao enumerar aspectos dessa nova estratégia, Dilermando Toni terminou desenhando um cenário que em muito representa o Brasil do golpe contra a presidenta Dilma Rousseff: “Captura do parlamento, de alguns partidos políticos, do sistema judiciário, da grande mídia monopolizada, além de partes cuidadosamente selecionadas e estimuladas da população civil. Do ponto de vista ideológico, a pregação da obsolescência dos Estados, a necessidade de um Estado mínimo, fraco, é que o Estado passou a ser o alvo central para a dominação semicolonial”, detalhou.

Conflitos e tensões

 

Na avaliação de Dilermando Toni, os principais protagonistas de conflitos e tensões hoje são os Estados Unidos, que se colocam contra países que de alguma forma ameaçam sua hegemonia, em particular China e Rússia.

“Como a questão nacional se manifesta hoje no mundo? É a ação do imperialismo voltada para a Rússia e para a China. São as tensões no mar da China. É o cinturão de foguetes com poder nuclear que vão colocando em torno da Rússia”, afirmou.

O economista citou nove áreas sensíveis de atuação do imperialismo. Para ele, a luta pela questão nacional se dá na confrontação a esses aspectos. No terreno da economia, Dilermando Toni declarou que o neoliberalismo serve ao neocolonialismo. “Não existe neoliberalismo só para explorar trabalhador e tirar direitos”. 

A primeira questão que ele mencionou como importante na polarização com imperialismo foi o controle do petróleo e gás. “Os países que tentaram resolver esse problema criaram empresas estatais de petróleo e gás, não foi só o Brasil. Os Estados Unidos consomem muito mais petróleo do que produzem, eles têm uma dependência forte, então têm que dominar essa área E lutam não só para ter sua fonte de matéria-prima, mas para os outros não terem”, opinou. De acordo com ele, a autonomia em torno da questão da produção de energia é algo fundamental para o desenvolvimento soberano. 

Um segundo aspecto citado pelo economista foi a liberalização dos fluxos de capital, sobretudo, capitais fictícios. “Para eles, tem que abrir a conta de capitais para esse capital obter lucro garantido e rápido. Quem organiza isso? FMI, Banco Mundial, Banco Central Europeu. A dominância financeira propriamente dita é um novo aspecto da exportação de capitais”,  disse.

Ele referiu-se ainda ao controle da política macroeconômica e ao boicote econômico, como formas de atuação do imperialismo nas quais se colocam a questão nacional. 

No terreno das ideias, indicou que o controle ideológico, cultural e de informação tem sido fundamental. “Tudo para divulgar o american way of life”, detalhou.

Já na esfera política e militar, ele fez menção ao controle das armas nucleares. “País que não tem força nuclear não tem verdadeira independência, essa é a moral da história”,  declarou, lembrando que os EUA não mantém mais o monopólio e a hegemonia nessa área. Ela avaliou que há certo equilíbrio nesse campo, uma vez que a Rússia tem 1910 ogivas; os EUA, 1800; a França e a China, 300 cada uma; Grã Bretanha, Índia e Paquistão, 120 cada; Israel, 80; e a Coreia do Norte também possui ogivas.

“O outro instrumento é a OTAN, em expansão, com bases militares no estrangeiro, frotas navais, que fazem agressões bélicas  e provocação e agressão por todo o mundo”, criticou, enumerando também a investida, por parte do imperialismo, no sentido de controlar a ciência e tecnologia e os recursos da biodiversidade.

Exemplos exitosos

O membro do Comitê Central do PCdoB falou ainda sobre os exemplos da Índia e da Rússia, que ele avaliou como casos de sucessos no terreno da construção nacional.

“Na Índia, a população possui armas nucleares, um grande exército. É considerada o quarto poder militar. Tem uma indústria diversificada e avançada, ocupa lugar de destaque na periferia, é uma potência de âmbito regional, que chama a atenção pelo desempenho econômico: cresce há mais de 20 anos a uma média de 7%. E, depois da crise, a Índia aumentou seu crescimento médio, que passou de 7% pata 7,5%. O índice mais baixo que a o país teve, no auge da crise, foi  3,9%. No Brasil, quando atingimos 3,9%, todo mundo levanta as mãos para o céu”, comparou. 

O economista sublinhou o papel decisivo , na Índia, do Estado nacional no desenvolvimento e no planejamento. “Os bancos jogam papel importante, têm metas de crescimento – os planos quinquenais vêm desde fim dos anos 50 -, eles têm extensa rede bancária e uma política macroeconômica do crescimento”, explicou.

Por outro lado, a Rússia,  que de 1991 a 1999, perdeu 50% de seu PIB, conseguiu se reerguer e reconstruir seu complexo industrial e militar, desafiando o imperialismo. “Se a Índia se impõe pelo desenvolvimento econômico, a Rússia se impõem como potência que recompôs seu potencial militar”, afirmou. 

Ele encerrou sua fala reconhecendo que há, portanto, países que têm obtido êxito no desenvolvimento soberano, contrapondo-se ao hegemonismo dos EUA. “A emergência de novos polos mundiais de poder é uma realidade”, vaticinou.

E fez com uma ponderação: “Devemos ter muito cuidado para não ‘absolutizar’ a luta pelos interesses nacionais. Para os comunistas, a luta nacional tem grande importância, mas ela não é um fim em si mesma, não é autônoma e se coloca em função da luta pela construção de uma nação soberana, democrática, próspera e de bem-estar e pela construção do socialismo”.

Dimensões internas e externas 

 

O professor de Economia Política da UFRJ, Eduardo Costa Pinto, que falou em seguida, abordou a questão nacional, analisando suas dimensões interna e externa. Do lado externo, ele avaliou como o Estado nacional se insere ou se estrutura diante de outros Estados nacionais, dentro de um sistema internacional, observando qual o grau de autonomia de cada um nesse processo. 

Já pela dimensão interna, ele apontou a necessidade de pensar o Estado nacional a partir de um olhar sobre as forças produtivas, o processo de acumulação interno, as frações de classe, investigando como elas se relacionam com o Estado nacional, para, em seguida, analisar a capacidade desse Estado nacional de se impor diante de outros Estados nacionais. 

“Muitas vezes, olhamos o Estado e não olhamos como ele é estruturado por dentro. Existem sempre tensões e contradições, porque esse Estado Nação é a expressão dos interesses particulares das frações capitalistas. Claro que, em algum momento, você tem unidade e um projeto nacional de desenvolvimento que incorpora parte da população nesse projeto, mas ele é um projeto capitalista”, colocou. 

Segundo ele, em nenhum lugar do mundo a burguesia construiu um projeto nacional, se ele não lhe rendesse lucro. “Em todas as tensões e revoluções burguesas, antes de um projeto nacional, você tinha as dificuldades de lucro, a tensão com outras frações. Então eu desloco determinado setor e vou buscar o lucro”, narrou.

Estado e acumulação capitalista

Costa Pinto fez um resgate histórico, partindo da transição do feudalismo para o capitalismo – “um processo que vai unificando territórios e o processo de acumulação vai acontecendo internamente, ao passo que você unifica e cria um mercado nacional e um Estado nacional forte, com capacidade de atuar para fora. É o velho dilema entre o nacional e o internacional”, afirmou.

Para ele, a ideia de que é possível criar uma confederação de Estados nacionais e de que essa tensão poderia ser encerrada pelo processo de globalização e homogeneização dos espaços tem limites estruturais dentro da ordem capitalista.

O economista apontou que boa parte da esquerda analisa, equivocadamente, o Estado nação de forma exógena ao processo de acumulação capitalista. “O Estado é o elemento central do processo de acumulação, porque ele regula o preço da força de trabalho. Nem estou falando de política econômica. Mas, na hora que ele define taxa de juros, ele define ganhadores e perdedores; na hora que regula determinado setor, muda o marco do pré-sal, ele define ganhadores internos e externos”.

Nesse sentido, o professor defendeu que o Estado é elemento intrínseco da acumulação e da dominação. “Então o Estado é sempre o comitê da burguesia?”, indagou-se. “É, em um nível de abstração alto. Mas, no nível do concreto, da realidade, o Estado, em determinada conjuntura, tem uma autonomia relativa e está em disputa. Há, sim, espaço nessa dinâmica”, concluiu. 

Ele fez referência à nova fase do imperialismo, ante a financeirização do capitalismo contemporâneo. “Tem uma discussão, que é o conceito de capital financeiro, que acho que é fundamental, mas datado. Tem que ser olhado com uma certa ressignificação”, defendeu. Para o economista, há certa confusão sobre os conceitos de capital financeiro, capital fictício e uma fração bancária e financeira, operando em determinado território.

“Boa parte hoje acumula capital fictício, independentemente de ser capitalista ou não. Tem gente que tem investimento e título da dívida pública, tem gente que tem investimento e ações, títulos CDB no banco. Isso é forma de acumulação fictícia. Será que algum de vocês que tenha isso é um capitalista, uma fração bancária e financeira? Está longe disso”, colocou.

Cooperação antagônica

Na sua avaliação, para pensar a questão nacional, um marco é a revolução de 1917. “August Thalheimer, um alemão, vai cunhar um termo chamado cooperação antagônica, que trata de como, na ordem capitalista, os que são supostamente concorrentes operam de forma cooperativa. São os Estados Unidos, mesmo mantendo o imperialismo, dando condições de certo desenvolvimento, porque tinha o perigo comunista. É o imperialismo concedendo determinadas condições, claro que sob seu jugo, mas permitindo, por exemplo, que Alemanha ou Japão crescessem ao ponto de, no final dos anos 1970, desafiá-lo”, disse.   

A tema foi apontado por Costa Pinto como fundamental para entender a questão nacional pós-1945, o desenvolvimento europeu pós-guerra e um certo desenvolvimentismo na periferia capitalista. 

“Pós-1964, você tem abertura do financiamento via FMI e Banco Mundial, mudança de política interna a depender de cada governo. Você tem uma concertação entre capital e trabalho. Você cria a lógica capital–trabalho–Estado. E reduz o poder sindical no sentido revolucionário. Isso só é possível não apenas pela questão ideológica, mas também pelo bolso. Porque você tem uma combinação keynesiano-fordista: de um lado, o ganho brutal de produtividade pela produção fordista; do outro, a incorporação de parte desses ganhos de produtividade com aumento salarial”, prosseguiu. 

A tentativa de legitimar essa concertação capital-trabalho, que no centro se deu pela via do consentimento, na periferia ocorreu pela coerção, disse o professor. “Não é à toa que os regimes militares vão assumir papel fundamental”, associou.

De acordo com ele, a crise que se prolonga tem a ver justamente como  aumento da contradição entre capital e trabalho, materializada na questão salário versus lucro. “E isso acontece num momento em que esse mesmo germe do imperialismo, que dá capacidade para o Japão, por exemplo, avançar, [abre brecha para ele] se tornar concorrente”.

O cenário passa a ser de pressão competitiva das manufaturas na ordem capitalista, com dificuldades de redução de salários, associado ainda à crise do petróleo. O resultado: “crise orgânica, crise de acumulação”, apontou.

Crise e neoliberalismo

 

O economista defendeu que é preciso entender o neoliberalismo não só como ideologia, mas como novo tipo de governança das relações entre capital e trabalho, sociedade e Estado e entre Estados nacionais.

“Tem que pensar na dimensão da globalização financeira e da reestruturação produtiva a partir de um Estado nacional de crise, que é a crise de hegemonia norte-americana. E aí você dá um contragolpe. Ou seja, é o encontro de Washington com Wall Street, de determinado poder do Estado nacional norte-americano com suas frações financeiras. E, claro, isso conectado com uma teoria que tem como eixo a redução do papel do Estado, liberalização do mercado”.

Dissemina-se então a ideia de que a crise é fruto de um Estado grande – que gasta demais e limita a liberdade do indivíduo – e de um poder sindical maior – que reduz o lucro e, por conseguinte, faz cair o investimento. Tudo para justificar a reconfiguração dessa estrutura. E isso acontece não só pela coerção, mas pela capacidade de influência na arena das instituições, pela atuação dos Estados Unidos em organismos como Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional, além da via cultural-ideológica.

As frações de classe que mais se beneficiam nesse processo são as bancário-financeiras, que ganham papel central. “É o que a gente chama de financeirização do processo de acumulação. E isso vem junto com reestruturação produtiva. Porque você precisa atacar e reduzir cursos da força de trabalho. Com o avanço da telemática, da gestão do sistema de informação, da informática, você tem uma fragmentação do processo produtivo, com centralização controle. Isso vai gerar uma perda enorme das lutas trabalhistas sindicais”, indicou Costa Pinto. 

Nesse sentido, não à toa, nos anos 1990, há um domínio do processo de financeirização, ao mesmo tempo em que aumenta a desigualdade. “Só que, nos anos 2000, esse mesmo processo de fragmentação vai colocar no cenário um novo ator, que é a China. Cria-se temporariamente, entre China, Estados Unidos e periferia, um momento de convergência”, explicou.

Os Estados Unidos e a Europa passaram a ser grades consumidores de produtos industriais, e a China se tornou grande eixo da produção industrial do mundo, demandando recursos naturais da América Latina e da África. 

“É um tipo de crescimento que coordenou todo mundo e permitiu, inclusive, que fizéssemos avanços sem mudar a correlação de classes e de poder no Brasil. Foi possível fazer política de demanda efetiva, distributiva, sem fazer rupturas nem de classe nem industrial. Esse cenário não existe mais”, afirmou.

O novo cenário

Segundo Costa Pinto, o pós-crise se desenrolou em um ambiente no qual caminharam juntas a globalização financeira e uma brutal industrialização. O professor contou que, apesar de muito se falar em desindustrialização no mundo, dados da OCDE mostram um processo inverso. 

Essa industrialização, contudo, é puxada quase exclusivamente pela China. Trata-se, também, de uma indústria reconfigurada, que não tem apenas capital chinês, mas participação de bancos de capitais europeus e norte-americanos. Isso dificulta a compreensão do atual quadro, especialmente se somada à fragmentação do processo produtivo.

“A Apple hoje praticamente não tem fábrica. Você não precisa mais controlar a produção. O controle está na marca, na patente. Só que isso gera dificuldades maiores para enxergar as frações”, exemplificou.

A questão nacional também é afetada por estas mudanças. “Você tem projetos nacionais, mas tem blocos de capitais nesse espaço nacional, que não necessariamente precisam estar localizados fisicamente”, afirmou.

Costa Pinto citou como exemplo da complexidade das discussões atuais o fato de que há uma enorme produção de mais valia no espaço territorial chinês, que é distribuída ao longo de cadeia produtiva, no centro e na periferia. E parte dessa mais valia gerada na própria China é utilizada pelo partido para fazer o seu projeto nacional.

“Nessa nova reconfiguração do capitalismo, a China entra nesse processo, mas vai assumir um caráter autônomo. E aí a questão nacional tem a ver com como essas forças internas se inserem nesse sistema internacional marcado pela hierarquia”, opinou.

Limites

Para o economista os limites do neoliberalismo são políticos. Ele citou que os capitalistas norte-americanos e europeus nunca ganharam tanto dinheiro. “Só que eles não produzem trabalho no espaço territorial norte-americano e europeu, porque essa produção industrial não está mais no centro”.

O efeito disso é que o modo de vida norte-americano e europeu, construído como forma de legitimidade fundamental do sistema, rompeu-se. “O emprego industrial é uma baliza, um farol do salário médio de outros setores. Como esse salário mais alto cai, você tem dificuldade de garantir a sobrevivência. Você mata um dos mitos centrais dessa ordem: a meritocracia. O trabalhador não consegue mais com o esforço do trabalho ascender socialmente”, colocou.

Foi nesse contexto de quebra de legitimidade política que os Estados Unidos elegeram Donald Trump como presidente, representante de uma direita nacionalista. Para Costa Pinto, a esquerda mundial também precisa se conectar com essa discussão nacional.

“Arrisco dizer que estamos vivendo uma transição longa. Não sabemos para onde vamos, tem a ver com os limites políticos do neoliberalismo, as dificuldades políticas de acumulação e reconfigurações nacionais. Nossa crise não é só nossa, é um processo de crise internacional”, avaliou.

Brasil

Em relação ao Brasil, ele analisou que a reconfiguração produtiva, com financeirização da economia e abertura comercial, vai reduzir enormemente a capacidade da burguesia industrial nacional ter poder e contribuir para um projeto nacional.

Segundo ele, o governo Lula conseguiu criar uma coalizão temporária com empresários, que lucraram muito durante sua gestão. “Nunca se tirou tanta gente da miséria, mas nunca os capitalistas ganharam tanto dinheiro. Mesmo dentro dos marcos de determinada dimensão neoliberal, sem fazer controle de capital, sem enquadrar os bancos, foi possível incorporar todo mundo”, lembrou.

Para o economista, contudo, isso só foi possível graças às condições externas e à própria habilidade do petista, fatores que não irão mais se repetir. Com a crise, ele aponta, a burguesia fez o que lhe é de costume: “na hora que tem problema de acumulação, ela joga o custo em cima do trabalho”. 

Na sua opinião, o país vive um contexto de desgoverno. “Eles estão dando porrada contra a força de trabalho, fatiando o Estado e metendo a mão, mas ao mesmo tempo, uma parte da Abimaq [Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos], está pensando que vai se ferrar. Não é que eles vão se ferrar enquanto donos de capital, mas enquanto proprietários industriais”, diferenciou.

De acordo com o professor, contudo, é, sim, possível pensar um novo projeto nacional. “Há determinados segmentos específicos [que podem contribuir], mas é preciso ter claro que a força desses segmentos é pequena e vai ter que se repensar uma atuação estatal maior, que também incorpore os de baixo, que o nosso desenvolvimentismo não incorporou”, defendeu. 

Para ele, não é uma tarefa fácil, uma vez que o país passa por um momento em que há dificuldades de se pensar a própria democracia e que há, no Brasil, uma fração de classe da burguesia que é oligárquica e escravocrata.

“Claro que vai precisar de um Estado que cobre reforma tributária. Ou seja, vai ser difícil a conciliação. Enfim, não dá para pensar a questão nacional sem pensar o externo, a correlação interna e quais são os projetos para o futuro, dada as dimensões de crise de acumulação, da cena política e institucional no Brasil”, encerrou.