Um resultado da última pesquisa nacional do Instituto Vox Populi, concluída em dezembro de 2015, surpreende quem estuda a percepção da população a respeito da mídia.

Ela mostra que, depois de anos de imagem predominantemente apartidária e neutra, os“grandes” veículos de comunicaçãopassaram a ter uma nítida identidade político-partidária. Apenas a parcela menos interessada e menos informada da opinião pública ainda a vê como equidistante dos partidos.

Da década de 1960 para cá, em razão de seu controle sobre a formulação de narrativas, os grandes grupos de comunicação realizaram a proeza de estar sempre por cima: enriqueceram na ditadura e continuaram a lucrar na redemocratização.

Refestelaram-se após o golpe de 1964, em pagamento por sua participação nas articulações para derrubar João Goulart e do apoio que nunca negaram aos ditadores.
Só se bandearam para a oposição quando o regime envelheceu e se revelou disfuncional a seus interesses. Ganharam de novo. Conseguiram se reposicionar, encobriram seu passado e se apresentaram como se sempre estivessem ao lado da democracia.

As pesquisas de opinião, feitas desde o fim dos anos 1980 até recentemente, mostraram que essa estratégia havia sido bem-sucedida. Existia um quase consenso na opinião pública sobre a “neutralidade da imprensa”, em que pese o ativismo nitidamente partidário de seus principais veículos.

Quem não se lembra da sucessão de manobras do Sistema Globo contra Leonel Brizola? Quem se esqueceu da edição que a TV Globo veiculou do debate entre Fernando Collor e Lula no segundo turno da eleição de 1989?

A mitologia da neutralidade, curiosamente, sobreviveu até mesmo à confissão de que ela não existia. Há cinco anos, ninguém menos que a presidenta da Associação Nacional dos Jornais admitiu candidamente que, ao contrário do estabelecido no mito, “(…) os meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste País, já que a oposição está profundamente fragilizada”. Era verdade e permaneceu verdadeiro desde então.

Demorou até um número crescente de brasileiros dar-se conta de que a mídia nada tem de apartidária, nem hoje nem nunca. A lenda da neutralidade resistiu além do razoável, sustentada em estereó­tipos diariamente reforçados e na desatenção do público consumidor.

Na pesquisa Vox Populi de dezembro, foi perguntado aos entrevistados se achavam que “os meios de comunicação atacam muito o PT, Lula e Dilma e protegem o PSDB, Fernando Henrique e Aécio”, se supunham o contrário (que atacam os tucanos e protegem os petistas) ou se “os meios de comunicação não atacam nem protegem ninguém e tratam todos da mesma maneira”.

Antipetismo

Para uma mídia que finge ser neutra, o desejável seria que a grande maioria optasse pela terceira resposta. Não é, porém, o que acontece: menos da metade, 47% dos entrevistados, a escolheu. O que significa dizer que 53% dos entrevistados não consideram que a “grande” mídia trate os partidos de forma equitativa, dos quais 26% acham que ela ataca o PT, 11% o PSDB e 16% não têm opinião.

Mais reveladores são os resultados para os grandes segmentos político-partidários em que a população pode ser dividida, petistas, antipetistas e aqueles que nem aprovam nem desaprovam o PT. Quando essas diferenciações são consideradas, os números ficam mais nítidos.

Apenas 37% dos simpatizantes do PT acham que a mídia “trata todos os partidos da mesma maneira”, o que, inversamente, quer dizer que quase dois terços não a avaliam como imparcial. Entre os neutros em relação ao partido, a proporção daqueles que imaginam ser ela equidistante é também menor que no conjunto dos entrevistados.

A maioria dos que consideram que a mídia é “apartidária” é formada por antipetistas. É apenas nesse grupo que a taxa daqueles que acreditam na neutralidade ultrapassa a metade: quase 60% afirmam que os meios de comunicação “tratam todos da mesma maneira”. Apenas por se identificarem com o antipetismo que nela percebem.

Este é o resultado da investida dos grandes grupos de comunicação contra o PT e suas principais lideranças. Ao escancarar que têm lado, jogaram para o alto o investimento de anos para se apresentarem como equilibrados e apolíticos. Mas não é a primeira vez que seus proprietários escolhem esse caminho. Já haviam tomado rumo semelhante em 1964.

Lá, a aposta no golpe deu certo. Agora, contudo, nada assegura seu sucesso. Disso, o que vai restar, muito provavelmente, é uma mídia com imagem indelevelmente marcada pela rotulação partidária.

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Fonte: CartaCapital