O polêmico Projeto de Lei 4330/2004, que supostamente trata da regulamentação da terceirização no país, após 11 anos de (não) debate no Parlamento, teve seu texto-base aprovado pela Câmara dos Deputados e seguirá ao Senado, após votação dos destaques.
Não é de se estranhar que a sociedade brasileira esteja pouco ou nada informada acerca das consequências de sua aprovação. Colocado em pauta em regime de urgência, desprezando indispensável discussão com a sociedade e com os trabalhadores, a partir de seus organismos de representação, o PL 4330 dá vários passos rumo à precarização do trabalho no país e pode mudar por completo as bases da legislação que garante os direitos trabalhistas no Brasil, retrocedendo aos anos que antecederam à criação da CLT, em 1943. O projeto altera a regulação da terceirização, até então restrita aos serviços secundários de uma empresa, não permitindo essa modalidade na atividade fim do negócio. Ou seja, admite terceirização plena, na qual empresas podem terceirizar os serviços em toda e qualquer função.
Não se releva a necessidade de uma regulamentação da terceirização, uma realidade que atinge a cerca de 12 milhões de brasileiros. Ao contrário. É justamente tal realidade que invoca os malefícios que as letras do PL 4330 tramam contra a classe trabalhadora e, é certo, até mesmo contra o empresariado que, numa visão míope e imediatista, percorre os corredores do Congresso em busca da aprovação definitiva do projeto por qual clamam há anos. Entretanto, tal regulamentação deveria buscar a igualdade de direitos, minimizando os problemas enfrentados pelos que hoje são vítimas dessa prática.
Relatório do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) mostra que os salários praticados entre os terceirizados são cerca de 25% menores em relação aos dos trabalhadores contratados pela empresa que terceiriza seus serviços, embora tenham, em média, uma jornada semanal de três horas a mais. Se essas horas a mais não existissem, haveria um reflexo na criação de 880 mil postos de trabalho. O estudo aponta também rotatividade maior entre terceirizados. Em média, ficam no emprego por 2,6 anos, contra os 5,6 anos dos contratados diretamente. A consequência dessa rotatividade maior, além do claro prejuízo para a estabilidade no emprego e para a formação do trabalhador, é a geração de um custo maior para o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) e maiores gastos com o seguro-desemprego.
É fato também que a terceirização trouxe problemas de segurança no trabalho. No setor elétrico, o índice de acidentes entre terceirizados é 3,6% maior. Esse é um dos setores que mais adotou a terceirização, desde a década de 90, quando se iniciou a privatização das estatais – em 1994, eram 183 mil trabalhadores contratados diretamente pelas empresas, contra 94 mil em 2005.
Entre 2005 e 2013, 80% dos empregados mortos em trabalho eram de empresas terceirizadas (num universo de menos de 25% do total de trabalhadores brasileiros), onde condições de segurança são piores, assim como as condições de vigilância dos sindicatos, pois o projeto prevê que os terceirizados somente serão representados pelo sindicato da empresa dos funcionários da contratante quando a terceirização for entre empresas com a mesma atividade econômica.
Soma-se a esses índices um outro ainda mais revelador da precarização do trabalho.
Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, dos dez maiores flagrantes de trabalho escravo entre 2010 e 2014, 90% dos trabalhadores resgatados estavam ligados a empresas terceirizadas. O PL põe em risco a responsabilização da empresa contratante em casos como esses ou que decorram do não cumprimento da legislação trabalhista pelas terceirizadas. Nesse aspecto, é quase uma legalização do chamado “gato”, figura aliciadora, interposta entre o trabalhador e o empregador.
Uma outra preocupação é de ordem tributária: a iminente perda de arrecadação, sobretudo pela redução da massa salarial, com menor incidência sobre os recolhimentos à Previdência, e pela comprovada maior sonegação pelas empresas de mão-de-obra. Sabe-se que terceirizadas são menores e pagam menos impostos.
A perspectiva de encolhimento da economia nacional, se pensada no sentido macro, é real, e essa a maior preocupação do ponto de vista econômico. Vista pelo empresariado como vantagem, a terceirização terá reflexo na renda dos trabalhadores e, consequentemente, no nível de consumo. Grande contingente poderá ser demitido, para que as empresas possam contratar via terceirização a custos (salários) menores. Várias dessas questões foram apontadas como graves problemas da terceirização pelo Tribunal Superior do Trabalho. Documento subscrito por 19 dos 26 ministros do TST alerta: “A diretriz acolhida pelo PL 4330/2004, ao permitir a generalização da terceirização para toda a economia e sociedade, certamente provocará gravíssima lesão social de direitos sociais, trabalhistas e previdenciários no país, com a potencialidade de provocar a migração massiva de milhões de trabalhadores hoje enquadrados como efetivos da empresas e instituições tomadoras de serviços em direção a um novo enquadramento, como trabalhadores terceirizados, deflagrando impressionante redução de valores, direitos e garantias trabalhistas e sociais. Neste sentido, o projeto de lei esvazia o conceito constitucional e legal de categoria, permitindo transformar a grande maioria de trabalhadores simplesmente em ́prestadores de serviços’”.
Além disso, sob a ótica judicial, assistiremos ao provável aumento nas demandas Judiciais, fruto da maior rotatividade, precarização e busca de responsabilidade acessória das contratantes, sobrecarregando ainda mais os tribunais do Trabalho.
Em defesa do PL 4330, muitos dizem que no mundo todo a terceirização é uma realidade e que aumenta a competitividade. Dados do Institute of Electrical and Electronics Engineers, entidade norte-americana com mais de 225 mil trabalhadores membros, apontam outra consequência da terceirização: a “transferência de empregos dos Estados Unidos, principalmente para a Índia e a China, tem levado a índices de desemprego nunca vistos antes entre os profissionais. Desde 2001, o desemprego entre os programadores atingiu 9,5% do total na categoria”.
Por fim, o argumento mais importante contra o previsto no PL: o trabalho deve ser elemento de dignidade humana, não de degradação. Como podemos construir uma sociedade na qual empresas se constituam não para produzir e agregar valor aos seus Membros, mas somente para gerar lucros, via redução de custos com salários? Não teremos mais empresas produtoras, apenas contratantes de prestadores de serviços e fornecedoras de mão-de-obra, cujos trabalhadores estabelecerão sua relação jurídica, seu treinamento, com um terceiro alheio ao produto e ao negócio.
Em pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), 91% das empresas que terceirizam parte de seus processos têm como principal motivação a “redução de custo”; apenas 2%, a “especialização técnica”. Não há mágica econômica possível: se a terceirização propicia redução de custos, certamente essa redução se dá às custas não do lucro empresarial, mas de seu componente vital, a mão-de-obra.

Conselho Regional de Economia de Minas Gerais e Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro