O Partido Comunista do Brasil foi fundado em 25 de março de 1922 por um punhado de dirigentes proletários, que representavam 73 militantes de associações políticas de trabalhadores: Astrojildo Pereira (jornalista), Cristiano Cordeiro (advogado), Joaquim Barbosa (alfaiate), Manuel Cendón (alfaiate), João da Costa Pimenta (gráfico), Luís Pérez (vassoureiro), Hemogêneo Fernandes da Silva (eletricista), Abílio Nequete (barbeiro) e José Elias da Silva (pedreiro). Eles vinham do Distrito Federal, e dos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

Era um grupo pequeno que, apesar da clandestinidade, fundou naquele I Congresso comunista, realizado em Niterói (RJ), o primeiro partido político brasileiro que rompia com os estreitos limites estaduais e tinha âmbito nacional, e que teria também a mais longa vida no Brasil. Não era apenas mais um partido político, mas sim a organização revolucionária e de vanguarda do proletariado brasileiro – o Partido Comunista do Brasil, que alternou, em sua história, longos períodos de ilegalidade e outros, menos frequentes, de atuação aberta e pública. E que, agora, completa 93 anos de existência contínua.
Seu aparecimento no cenário político brasileiro não se deu por acaso, como cogumelos que nascem depois da chuva. Nem pelo arbitrário capricho de um punhado de iluminados.
Ele foi fruto do relativo amadurecimento da classe operária, da influência da revolução russa de 1917, e da incapacidade da liderança até então hegemônica (predominantemente anarco-sindicalista) de responder às imposições políticas da luta operária.
A classe operária brasileira nasceu nas entranhas do modo de produção escravista colonial e teve forte atuação na luta pela abolição do escravismo. Ela deu seus primeiros passos organizativos e contestatórios já na segunda metade do século XIX, com a organização dos primeiros agrupamentos operários, entre eles a associação dos tipógrafos fluminenses (a mais antiga organização profissional brasileira, criada em 1853) que, em 1858, promoveu a primeira greve operária do país documentada, a dos gráficos de Niterói.
Era uma classe operária ainda embrionária. Ela cresceu depois do fim do escravismo, em 1888, e da proclamação da República, em 1889, mas continuou muito pequena, mais artesã que propriamente operária, frágil ideológica e politicamente, caudatária de lideranças pequeno-burguesas e de setores burgueses radicalizados.
O Brasil era então um país agrário, em transição do escravismo para o capitalismo. Ao final do Império tinha 14 milhões de habitantes, número que aumentou para 30 milhões em 1920. A população rural correspondia a três quartos desse total. A classe operária, nesse conjunto, era pequena e esparsa – eram 60 mil operários industriais no final do Império, espalhados por 17 estados, do Pará ao Rio Grande do Sul. Em 1920, o número de operários da indústria cresceu para cerca de 275 mil – aumento que, embora significativo, ainda indicava uma classe operária muito pequena.
O corpo principal dos trabalhadores brasileiros era, então, formado pelos trabalhadores rurais que ainda não formavam propriamente um proletariado rural assalariado mas que viviam num regime híbrido, cuja remuneração era formada, em parte, pelo pagamento que recebiam, anualmente, por seu trabalho (remuneração que não cobria todas as necessidade de sobrevivência destes trabalhadores) e por outra parte constituída pelo próprio trabalho desses produtores, pelo direito que tinham de cultivar, em certas áreas das grandes fazendas, gêneros necessários para si e suas famílias.
Formaram-se grupos de estudo e debate em várias cidades, onde surgiram, entre 1918 e 1921, inúmeros grupos ou ligas comunistas (muitas vezes chamados de maximalistas, que era então a tradução usada para o termo bolchevique), com destaque para Santana do Livramento (RS); Porto Alegre; Rio de Janeiro; Niterói; São Paulo, Cruzeiro e Santos (SP); Recife; Juiz de Fora (MG).
Contra as calúnias anti-revolucionárias da imprensa da burguesia, esses grupos avançados procuravam fontes confiáveis de informação. O nome de Lênin e outros líderes revolucionários estavam na boca e no coração das lideranças operárias brasileiras que, depois da fundação da III Internacional Comunista, em 1919, e sob sua influência, fundaram o Partido Comunista do Brasil.
Além destes fatores – o amadurecimento relativo da classe operária e a influência da Revolução Russa de 1917 – outro acontecimento teve papel decisivo na criação do Partido Comunista do Brasil. Desde o final da greve de 1917, um grupo de líderes operários procurava superar o obstáculo representado pela recusa anarquista à luta política e à organização do proletariado em um partido de classe. Os anarco-sindicalistas enfatizavam a luta econômica e a única organização que admitiam era a formação de sindicatos, que podiam se unir em federações e confederações, mas sempre orientados para a luta econômica.
Houve, naqueles anos, ainda sob influência anarquista, tentativas para romper o impasse. Uma delas foi o levante operário no Rio de Janeiro, em 1918 cujo objetivo era repetir, na capital federal, o êxito bolchevique de 1917. Os líderes da insurreição esperavam baseá-Ia numa greve de massas e na mobilização popular, para tomar o poder. Mas o movimento foi delatado. Apesar de ter ocorrido combates nas ruas do Rio de Janeiro, com mortos e feridos, a polícia pode antecipar-se e massacrá-Io.
Outra tentativa de sair do impasse foi a iniciativa de fundação, em 1919, de um partido comunista anarquista, sob direção de militantes libertários como Edgard Leuenroth e José Oiticica. Foi, na verdade, uma organização tipicamente anarquista, cujo nome revela o grande prestígio que os revolucionários russos tinham entre o proletariado brasileiro.
A busca de alternativas envolveu o debate entre importantes líderes libertários que tomavam consciência das limitações da doutrina anarco-sindicalista. Inspirados pelo exemplo do Partido Bolchevique, Edgard Leuenroth, principal dirigente da greve de 1917, Astrojildo Pereira, que viria a ser o principal fundador do Partido Comunista do Brasil, e outros importantes líderes proletários enfrentavam a questão que se impunha, a necessidade de organizar um partido de classe do proletariado brasileiro.
Embora efêmeros, esses movimentos – o levante de 1918 e o partido de 1919 – ilustram a efervescência existente entre os operários brasileiros, e que foi o principal sintoma da insatisfação generalizada que, na década de 1920, explodiria na mais profunda época revolucionária da história contemporânea do Brasil.
Com a autoridade de quem viu os acontecimentos de perto e teve parte ativa neles, Astrojildo Pereira conta que o debate entre aquelas lideranças operárias se acentuou a partir da segunda metade de 1921, “sob a forma de acaloradas discussões nos sindicatos operários”, levando “diretamente à organização dos primeiros grupos comunistas, que se constituíram como passo inicial para a formação do Partido Comunista”.
A Internacional Comunista, fundada em 1919, influenciou a criação de partidos comunistas em todos os países e no Brasil não foi diferente. Houve contatos entre a Internacional Comunista e líderes proletários brasileiros. A IC mandou uma saudação aos delegados que, no Congresso de 1922, davam início à criação do Partido Comunista do Brasil. O portador dessa saudação foi Abilio Nequete, líder do Grupo Comunista de Porto Alegre e que, no congresso de fundação do Partido Comunista do Brasil, representou também a Internacional Comunista e Partido Comunista do Uruguai.
Este é o quadro, em traços sumários, em que foi fundado o Partido Comunista do Brasil. Seu surgimento decorre de uma necessidade histórica, e corresponde ao nível de desenvolvimento alcançado pelo proletariado brasileiro, que impunha a união de sua vanguarda em uma organização coesa que fosse superior em relação às tentativas organizativas anteriores, e que fosse dotada de um programa político de classe capaz de unificar a luta do proletariado e de ser contraposto como alternativa concreta e viável ao domínio da oligarquia, da burguesia e do imperialismo. Refletia também a capacidade do proletariado brasileiro e de suas principais lideranças, de aprender com a experiência do proletariado de outras nações, onde a luta era mais avançada, principalmente a Rússia.
A junção desses dois movimentos – o interno, representado pelo desenvolvimento relativo do proletariado; e o externo, representado pelas conquistas revolucionárias alcançadas.
A fundação do Partido Comunista do Brasil foi um dos principais sinais da profundidade da crise revolucionária da década de 1920. Através dele o proletariado e sua vanguarda organizada apresentavam-se aos trabalhadores do campo e da cidade e aos elementos progressistas e avançados com um programa próprio de reestruturação da sociedade brasileira.
Ele nasce, nesse contexto, com sua marca de classe característica, e que o distinguiria em sua longa história: a marca do programa revolucionário, marxista-leninista, da recusa à harmonia e colaboração entre o capital e o trabalho, e da compreensão de que esta contradição só pode ser superada pela revolução proletária e pelo início da construção de uma sociedade nova e avançada.
O Partido Comunista do Brasil foi, desde então, a organização revolucionária do proletariado que luta pelo socialismo e jamais arriou sua bandeira de combate. Lutou, ao longo dos anos, pela democracia, pela independência nacional e pelo socialismo. Com erros e acertos, procurou adotar uma orientação política adequada à realidade concreta. Fiel ao marxismo-leninismo. Combateu o revisionismo e aprofundou os conhecimentos teóricos e a compreensão da dialética da luta de classes; entendeu o mecanismo de vinculação da tática à estratégia, “a tática enquanto atuação preparatória dos momentos decisivos, e a estratégia como realização, em condições amadurecidas, do objetivo maior visado”, escreveu João Amazonas. Soube, disse também o dirigente comunista, interpretar, “em diferentes momentos, o sentimento das grandes massas da população, traduzindo em termos políticos o que pensava a maioria do povo”, conseguindo formular palavras de ordem que, correspondendo a situações concretas, facilitaram a mobilização popular contra a ditadura do Estado Novo (1937/1945) e, mais tarde, contra os generais fascistas de 1964.
Em sua longa trajetória histórica o Partido Comunista do Brasil não fugiu aos problemas espinhosos do curso da vida política, nem ficou a reboque dos acontecimentos. “Detectou sempre, no exame da realidade, os elementos suscetíveis de impulsionar a luta, golpear o adversário e elevar a consciência política das massas”. (Amazonas: 1990)
Reorganizado em 1962, superou – do ponto de vista da orientação geral – “o longo período em que o Partido, sem dominar os princípios fundamentais do marxismo-leninismo, inclinava-se ora pela direita, ora para a esquerda, sem rumo seguro”. Soube combater o sectarismo, a estreiteza pretensamente revolucionária, o exclusivismo autossuficiente, ampliando sua atuação e influência, e aprimorando sua ligação com os trabalhadores e as demais camadas sociais. “Organismo vivo, o Partido somente se fortalece e cumpre sua missão se se mantém permanentemente em luta nos mais diversos níveis, de acordo com a situação e o meio em que se realiza, de mãos dadas com todos os que almejam as transformações sociais”. (Amazonas: 1990)
O Partido Comunista do Brasil nasceu para atender a uma necessidade histórica e cumprir uma tarefa grandiosa de transformação social- a tarefa de dirigir a revolução proletária no Brasil e promover a luta por uma sociedade nova, que descortine horizontes avançados para os brasileiros e para a humanidade. Em busca desse objetivo, já pagou pesado preço, perdendo na luta quadros valiosos e insubstituíveis, cujo nome está gravado com fogo e sangue na história de nosso povo. Mas jamais arrefeceu e, se a bandeira do socialismo e do futuro cai de uma mão, ela é sustentada por inúmeras outras, num movimento que se fortalece na luta e na adversidade, cresce, aprende coletivamente e tem papel destacado no cenário político brasileiro dos séculos XX e XXI, os séculos da luta pelo socialismo.

Bibliografia

Amazonas, João. “Porque o Partido venceu?”. In Amazonas, João (et ai.). 30 anos de confronto ideológico marxismo e revisionismo, São Paulo, Editora Anita
Bandeira, Moniz; Melo, Clovis; e Andrade, A T.. O ano vermelho – a Revolução Russa e seus reflexos no Brasil. São Paulo, Editora Brasiliense, 1980.
Carone, Edgard. O PCB (1922-1943), VoI. I. São Paulo, Editora Difel, 1982.
Carone, Edgard. Os primórdios do movimento operário no Brasil (1820-1914), Caderno Especial, Debate Sindical/Principias, São Paulo, 1996.
Carrion, Raul. O Partido Comunista do Brasil no Rio Grande do Sul, 1922-1929. Porto Alegre, 1977 (mímeo).
Dias, Everardo. História dos lutas sociais no Brasil. São Paulo, Editora Alta Ômega, 1977.
Fausto, Bóris. Traba1ho urbano e conflito social (1890-1920). São Paulo, Editora Difel, 1977.
Foot, Francisco, e Leonardi, Victor,. História da indústria e do trabalho no Brasil. São Paulo, Editora Global, 1982.
Koval, Bóris. História do proletariado brasileiro, 1857 a 1967. São Paulo, Editora Alfa Ômega, 1982.
Linhares, Hermínio. Contribuição à história das lutas operárias no Brasil. São Paulo, Editora Alfa Ômega, 1977.
Pereira, Astrojildo. “A formação do PCB”. In Pereira, Astrojildo. Ensaios históricos e políticos. São Paulo, Editora Alfa Ômega, 1979.
Pinheiro, Paulo Sérgio. Estratégia da ilusão – a revolução mundial e o Brasil, 1922-1935. São Paulo, Cia das Letras, 1992.
Sodré, Nelson Werneck. Contribuição à história do PCB. São Paulo, Editora Global, 1984.
Zaidan Filho, Michel. O PCB e a Internacional Comunista (1922-1929). São Paulo, Editora Vértice, 1988.

Publicado originalmente em Princípios,  nº 60, 2001.
Revisado e atualizado em 23 de março de 2015

José Carlos Ruy é jornalista e membro do Comitê Central do PCdoB