Tornou-se lugar comum mencionarmos o cientista político argentino Ernesto Laclau como principal referencial teórico dos movimentos políticos de esquerda que crescem em todo o mundo nos últimos quinze anos.

Seja na Europa com a Grécia do Syriza, a Espanha do Podemos ou a Itália de Beppe Grillo, seja na América do Sul com a Argentina de Kirchner, a Bolívia de Morales, o Equador de Corrêa ou a Venezuela de Chavez, sempre haverá quem lembre de Laclau como o intérprete mais preciso.

Ao lado da cientista política belga Chantal Mouffe, Laclau ressignificou o conceito de populismo através de uma chave positiva. Sob a perspectiva dos dois teóricos o populismo pressupõe um antagonismo entre nós – o povo – e eles, onde o povo é um amálgama de movimentos e propostas emergentes e heterogêneas que ainda não encontraram seu devido espaço nas instituições políticas.

Note-se que para essa teoria populista o fundamental não é a aliança entre classes sociais e frações de classe como convencionou a teoria marxista, mas sim a agregação de diversos movimentos sociais distintos em suas agendas.

Esses movimentos unificam-se em torno de um programa comum e nomeiam claramente quem são os inimigos a serem combatidos – empresas de comunicação, corporações financeiras, organismos internacionais etc. Assim parece ocorrer em todos os países descritos acima.

Contudo, o Brasil muito dificilmente encaixar-se-ia nessa conceituação populista. A tradição dos dois principais partidos que polarizam a política no país – PSDB e PT – sempre foi a de combate ao populismo. Aliás, os dois partidos nasceram em São Paulo e isso não é pouco.

O Brasil dos governos do PT entre 2003 e 2014 assemelhou-se muito mais à social democracia uruguaia – Frente Ampla – ou chilena – Concertación – onde a conciliação entre os mais diversos setores sociais e econômicos vem sustentando a aliança governamental sem que haja grandes rupturas.

Basta dizer que no ministério de Dilma há uma ministra da agricultura que veio da CNA – burguesia agrária – um ministro do desenvolvimento industrial que veio da CNI – burguesia industrial – e um ministro da fazenda oriundo do Bradesco – burguesia financeira –, bem como ministros que tiveram suas trajetórias políticas ligadas à CUT ou ao movimento estudantil. Conciliação de classes pura, não? O que não significa que tenha ocorrido uma conciliação social plena.

Com efeito, essa caracterização conciliatória está em crise e parece não ter sobrevivido ao primeiro carnaval do segundo governo de Dilma. Mais precisamente, sobreviveu até o dia 15 de março de 2015 quando milhões de brasileiros insuflados pelos partidos oposicionistas e por alguns meios de comunicação ocuparam as ruas para reivindicar o impeachment de Dilma em todo o país.

Como Dilma comportar-se-á ao balde de água gelada que recebeu das ruas? Dois cenários distintos são possíveis: o da aposta no populismo ou o da renovação da conciliação.

No cenário populista Dilma nomeia publicamente seus inimigos – burguesia midiática e burguesia financeira – e mobiliza amplos setores subalternos – do MST ao MTST, das centrais sindicais aos estudantes, dos movimentos de gênero e LGBT aos da questão racial – em torno de uma agenda política e econômica de conflito para enfrentá-los. Dessa agenda conflitiva clamada pelos movimentos subalternos consta o fim dos repasses de verbas de publicidade oficial para as empresas de comunicação, a taxação de heranças e de grandes fortunas, o fim do fator previdenciário, a revisão do índice de propriedade das terras e o corte na taxa Selic de juros entre tantas outras pautas.

No cenário de conciliação Dilma amplia o espaço do PMDB em seu ministério – provavelmente com a entrada de Henrique Eduardo Alves – e mantém a agenda econômica de Joaquim Levy com seus ajustes fiscais, apontando para um futuro crescimento do PIB a partir de meados de 2016. Desse cenário de conciliação pode constar algum elemento da agenda conflitiva como, por exemplo, a taxação de heranças e algum mecanismo de redução do fator previdenciário como forma de minimizar as críticas dos setores subalternos.

Qualquer que seja o cenário escolhido pela presidenta, o conflito social não será abolido. Tudo indica que a radicalização da oposição que votou em Aécio Neves (PSDB) no segundo turno de 2014 veio para ficar e será permanente ainda que com altos e baixos até a eleição de 2018.

Em que pese sua falta de apoio nos setores subalternos organizados, talvez seja a própria oposição que esteja apostando numa prática populista a partir de um discurso hegemônico contra a corrupção que agregue diversos setores sociais e um inimigo único bem definido, o PT.

De qual maneira a presidenta Dilma Rousseff estará disposta a enfrentar os próximos quatro anos é o grande enigma. De qualquer modo, Laclau certamente passou a figurar entre os intérpretes que podem auxiliar nossa tentativa de compreender o conflito social no Brasil.

Theófilo Rodrigues é cientista político.

Publicado no blog Democracia e Conjuntura.