Uruguai e Brasil apresentaram na OEA uma proposta de resolução à favor da Argentina. Seguido pelos demais países da América Latina, o texto foi aprovado em reunião de chanceleres da Organização, ocorrida na semana passada. A condenação dos fundos abutres, decidida na ocasião, também exorta à negociação da dívida soberana argentina, o que fortalece politicamente o país diante deste ataque imoral perpetrado pelos especuladores internacionais.

O Canadá se absteve na votação e os EUA manifestaram ressalvas. É fácil entender por que. O primeiro, há muito tempo, deixou de lutar por uma política externa independente, digna desse nome. Foi assim desde a criação do Nafta, em janeiro de 1994. O segundo, cuja Corte Suprema já se manifestou à favor dos fundos abutres, é um dos maiores adversários da integração regional. Foi assim desde sempre.

Adversários da integração regional latino-americana, bem entendido, porque da deles eles nunca abdicaram. Além disso, para conter a trajetória de potência decadente, os EUA não se cansam de patrocinar acordos de livre comércio mundo afora. Na Ásia, na Europa e mesmo aqui, na América Latina, continente que eles (ainda?!) consideram uma extensão de seu território nacional.

É natural, portanto, que o Canadá e os EUA tenham a mesma posição diante da resolução aprovada na OEA. O que é incomum, e deve ser sublinhado e comemorado, é que todos os países latino-americanos tenham se apresentado unidos, num foro internacional, sustentando a mesma posição à favor de um dos membros do Mercosul. Nem sempre foi assim.

Essa inflexão somente se tornou possível depois que os governos progressistas imprimiram novos rumos à sua política externa, priorizando as políticas de integração regional. No passado recente não era assim. Apenas para mencionar o exemplo do Brasil, quem não se recorda de um certo chanceler tirando os sapatos para entrar nos EUA? Ou das negociações para aprovação da ALCA? Ou da presença do FMI monitorando nossas contas públicas a cada ano? Trata-se, portanto, de uma mudança substantiva de rumos.

O lance na OEA confirma este novo estágio da América Latina, muito mais consciente da sua importância geopolítica no cenário regional e internacional. No atual contexto de afirmação de uma política integracionista (e de Copa do Mundo) pode-se dizer que a jogada resultou num verdadeiro gol de placa do Mercosul. Jogada digna de um Messi, de um  Neymar ou de um Luizito Soares. Com a diferença de que, nesta oportunidade, os três estavam jogando no mesmo time.

Que a mídia nacional pouco tenha comentado o golaço é mais do que compreensível. É assim com tudo o que se refere à integração de nossos povos. O Mercosul, por exemplo, somente é notícia quando o assunto é comercial e resulta em contenciosos localizados. Nunca mencionam os avanços da integração da infra-estrutura, como a conclusão das obras de transmissão elétrica no Paraguai, feitas com recursos do Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul, ou os esforços em favor da integração da cadeia produtiva, como no setor automotivo ou do petróleo.

Se o assunto é a integração das políticas públicas em saúde, educação ou previdência social, que já permite aos trabalhadores do bloco computar o tempo de serviço no país vizinho para efeito de aposentadoria, aí então é que o silêncio é total. Mas o que chama a atenção no caso da resolução da OEA não é apenas o silêncio da mídia, mas o da diplomacia e dos defensores da integração regional em geral.  Feitos como esses deveriam ser divulgados, politizados e comemorados a pleno pulmões. Com hinos a capella, como tem feito a galera no início de cada jogo.

Não foi isso o que se viu. Faltou vibração. A diplomacia marcou um golaço e não se justifica o silêncio geral. Os adversários da integração têm dito publicamente que acabarão com o Mercosul em caso de eventual vitória eleitoral da oposição. É hora portanto de afirmação das políticas integracionistas, cuja expressão mais consistente e duradoura é o próprio Mercosul. A decisão histórica da OEA em favor de um de seus membros, com o apoio dos demais países latino-americanos, deve ser devidamente dimensionada e comemorada.

Afinal, são os coxinhas que não sabem torcer, nem festejar.

(*) José Renato Vieira Martins é professor de Sociologia da UNILA, vice-presidente do FOMERCO e corintiano desde sempre.

Publicado em Carta Maior