O futuro será melhor do que o presente?”, indagou o entrevistador ao filósofo italiano Giorgio Agambem. Ele respondeu: “Otimismo e pessimismo não são categorias úteis para pensar”.

Imagino que Agambem não tenha pensado nas alternâncias entre otimismo e pessimismo que marcam a vida dos negócios no capitalismo contemporâneo. Keynes desconfia de que as decisões dos proprietários de riqueza são tomadas em condições de incerteza radical. De nada adianta valer-se do conhecimento do passado ou das toadas do presente, projetando essas tendências para o futuro. Tampouco as decisões podem se amparar na atribuição de probabilidades numéricas às trajetórias imaginadas da economia.

Para vencer esse estado desconfortável de incerteza irredutível, cada um dos controladores da riqueza e do crédito tem de lançar mão de informações, avaliações e crenças a respeito das decisões dos demais. Incorporar nas próprias avaliações os julgamentos dos seus pares significa ser obrigado a decidir a despeito da mais profunda ignorância.

Os controladores da riqueza realizam seus cálculos prospectivos como um ritual de exorcismo para expulsar os demônios da ignorância e do medo. Frágeis e ariscas subjetividades, os escravos da imensa fábrica social montada para produzir riqueza abstrata agarram-se à utopia do mundo racional e calculável para fugir à realidade do imponderável.

A liberdade dos potentados do capitalismo os condena a realizar os desígnios da razão sistêmica: desejam sempre mais por temer ficar com menos, ou, pior, receiam o aniquilamento de seu poder-servidão.

Essa compulsão os afasta da utopia de Bentham e dos utilitaristas, cuja filosofia social está nas origens da teoria econômica. Os profetas do radicalismo burguês viam o metabolismo da nova sociedade mercantil-capitalista como o encontro do desejo com a sua satisfação, a realização da felicidade geral.

A felicidade sonhada pelos possuidores de riqueza está, no entanto, na liberdade de dispor da riqueza monetária, empreender e acumular mais riqueza sob a forma geral e abstrata do dinheiro. As almas torturadas pela sede insaciável de riqueza balançam entre os extremos fatais, o zênite da euforia compartilhada e o nadir do medo contagioso.

Os períodos de “normalidade”, esses são sustentados por arranjos sociais e formas institucionais que compõem um determinado “estado de crenças e convenções”. Nesse ambiente cognitivo e psicológico, o presente parece confirmar o passado e indicar os critérios para o futuro.

Desafortunadamente, no momento em que a cadeia de certezas e autocomplacência atinge o auge, irrompe a reversão e muitas vezes o colapso. Quando a maré sobe, não há prudência nem conselho capazes de resistir à liberação completa das forças da ambição. Estas se apresentam, aliás, como omniscientes e omnipotentes, sólidas e inexpugnáveis. Até o momento em que se desmancham nos ares do pessimismo.

No clássico A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, Weber procura desvendar os caminhos que levaram ao “desencantamento do mundo”. Da Reforma ao Iluminismo, o Ocidente buscou se desvencilhar do Império da Crença para se refugiar no Reino do Cálculo.

A concepção de ordem revelada foi progressivamente substituída pela ideia de ordem natural, cujos fundamentos estavam à mercê da análise racional. A sociedade, enquanto aglomerado de indivíduos, sedes da razão, estava submetida a leis de funcionamento semelhantes àquelas que presidiam o reino da natureza. O impulso de perseguir os próprios interesses expunha o indivíduo ao relacionamento com os demais, e o complexo dessas relações voluntárias constituía a sociedade global e ditava as normas de seu funcionamento.

A Reforma e a Ilustração construíram as novas subjetividades e, assim, rasgaram a cortina que enclausurava a visão dos homens nas crenças da Ordem Revelada e impuseram o calculo como único paradigma de avaliação e julgamento.

O espírito do capitalismo nascido da ética protestante, diz Bernard Stiegler, cedeu à tentação de dissolver o mundo da crença nos reagentes do cálculo racional.

As pretensões do mundo calculável naufragaram nas profundezas do tempo histórico. As decisões capitalistas estão não só obrigadas a especular sobre o futuro, mas condenadas a inventá-lo.  As decisões não têm bases firmes,  não há “fundamentos” racionais que possam livrá-las da incerteza. Apoiados em convenções e crenças precárias, os detentores de riqueza são compelidos a tomar decisões que podem dar origem a trajetórias eufóricas seguidas do colapso das expectativas e do mergulho nos abismos do pessimismo.

Publicado na Carta Capital