Ao cancelar a visita de Estado que faria em 23 de outubro a Washington, insatisfeita com as respostas dadas pelo Governo norte-americano às interpelações brasileiras relativas ao episódio da espionagem da NSA (Agência de Segurança Nacional, em inglês), revelada por documentos vazados por Edward Snowden, a altas autoridades nacionais, inclusive à própria presidenta, e à Petrobras, a presidenta Dilma Rousseff teve um comportamento altivo, à altura de um governo comprometido com a soberania nacional e que aspira a ser respeitado na comunidade internacional. Um país como o Brasil, com sua enorme extensão territorial e suas expressivas realidades e potencialidades econômicas, sociais, culturais e geopolíticas não merecia menos da sua condutora maior. Dilma, que não se acovardou ante as torturas da ditadura militar, não se intimidou ante o acinte e a arrogância da superpotência imperialista.

A oposição ao governo, cuja marca tem sido, desde que foi apeada do poder central, a falta de um projeto publicável de nação (sua agenda neoliberal não pode ser informada para não sofrer rejeição popular), resolveu aproveitar a ocasião para, botando um pouco as unhas de fora, contestar a postura da presidente. Capitaneada pelo pretendente a candidato à Presidência da República, senador Aécio Neves (PSDB/MG), acusou Dilma de agir de forma eleitoreira, de realizar uma jogada de marketing e de não preservar os “interesses econômicos” do País. O líder do DEM na Câmara Federal, deputado Ronaldo Caiado (GO), empresário do agribusiness, afirmou que a decisão da presidenta tem caráter “ideológico”.

Vejamos o que transpira da reação oposicionista. Primeiro, ao acusar a presidenta Dilma de conduta eleitoreira e utilização de efeito de marketing, os opositores reconhecem, sem se dar conta da tolice que cometem, que a decisão conta com aprovação popular (pois dá votos!). Sim, na nossa democracia o povo pode apreciar o comportamento dos seus governantes e, julgando-o acorde com os interesses nacionais, permitir-se brindar-lhes com o prêmio do voto. A oposição devia, então, esclarecer o porquê de optar pela alternativa impopular.

Segundo, o que quer dizer a oposição com “não preservar os interesses econômicos do País”? Antes de mais nada, precisamos entender o que ela considera como estes interesses. A defesa da Petrobrás parece não estar incluída neles, pois a maior empresa do pais e uma das maiores petroleiras do mundo não merece uma resposta dura a quem a espionou?! Para quem conhece o quadro econômico nacional, aqui fica claro que estamos falando dos grandes interesses empresariais de exportação, notadamente do agronegócio, interessados no mercado norte-americano, não dos que dizem respeito ao cidadão comum, ao trabalhador urbano ou rural, ao pequeno e médio empresários, nem mesmo aos setores empresariais industriais voltados para o mercado interno. Estamos nos referindo àquele setor da economia que historicamente, nos séculos passados, nos constituiu na situação de desconexa economia periférica e dependente das economias dominantes no sistema capitalista, até que as políticas industrializantes pós-1930 nos levassem a uma realidade de maior autonomia: a agricultura de exportação.

Terceiro, a oposição, ao refutar a opção “ideológica” da decisão da presidenta, busca na verdade naturalizar na condição de política nacional a opção de defesa de estreitos interesses de alguns setores de negócios, como se esta não fosse também fundamentalmente ideológica. Dilma havia que escolher entre a dignidade nacional, vilipendiada pela bisbilhotagem ianque, a respeitabilidade do Estado brasileiro e a defesa dos reais interesses pátrios, de um lado, e a sabujice covarde de reles mercadores ávidos por tostões mesmo que ao custo da renúncia a qualquer honradez, de outro. Não há alternativa natural possível neste caso, apenas uma escolha ideológica! E esta deve ser feita consoante com os interesses das grandes maiorias do povo brasileiro, aqui também incluídos seus interesses econômicos.

Aliás, a postura da nossa oposição de subserviência ante a superpotência norte-americana em prol de mesquinhos interesses econômicos de setores sociais privilegiados não é um apanágio apenas dela, filia-se à tradição geral das oposições aos governos progressistas, patrióticos e avançadamente democráticos que atualmente se espalham pela América Latina. Por exemplo: entre as principais causas do golpe que derrubou o presidente eleito de Honduras, Manoel Zelaya, em 2009 estava a defesa encarniçada pelas oligarquias locais da continuidade da venda/exportação de mão-de-obra barata para as “maquiadoras” ianques ancoradas naquele país, ameaçada por uma elevação substancial do valor do salário-mínimo nacional decretada pelo governo de Zelaya.

Hugo Cortez é sociólogo

Artigo publicado em América Latina em Movimento.