É claro que a notícia da espionagem norte-americana contra a presidenta Dilma Rousseff repercutiu no mundo inteiro, da Al Jazeera ao The Guardian, do El País ao Le Monde e por aí afora. Aqui na Alemanha, na terça-feira de manhã era a principal notícia nas rádios (aqui, como no Brasil, se escuta muito o rádio). Também se destacou a espionagem dirigida contra o presidente mexicano, Enrique Peña Nieto, embora o caso brasileiro tenha ganhado realce devido à reação mais veemente do governo de Brasília.

O assunto é delicado – inclusive porque eleitoralmente ele é importante por aqui, devido ao tema do direito à privacidade.

No domingo à noite houve o único debate da eleição alemã, entre a chanceler Ângela Merkel e o candidato da oposição social democrata, Peer Steinbrück. O debate foi meio morno, apesar de Steinbrück ter se esforçado  para –  e em certa medida conseguido –  sublinhar algumas diferenças em relação a Merkel.

Por exemplo: defendeu um salário mínimo nacional de 8,50 euros por hora, coisa com que Merkel não concorda. Criticou a posição alemã frente ao sul da Europa, dizendo que o arrocho fiscal demasiado e apressado está afundando mais os países. Pediu mais apoio para os idosos, enfim, fez uma defesa de uma ampliação de medidas sociais. Além disso, criticou a política de Merkel como ineficiente no caso da energia, por não promover a queda de preços.

Mas a tudo Merkel respondeu com placidez – seguindo uma linha que vem adotando na propaganda, que é a de ignorar seu adversário.  Disse que um salário mínimo é perigoso, pois pode contribuir para aumentar o desemprego, repetindo o argumento neoliberal; falou da relativa prosperidade alemã em meio à crise europeia, e assim por diante. Imperturbável.

O único momento em que se mostrou perturbada, acuada, foi quando um dos jornalistas presentes – Stefan Raab – perguntou sobe a espionagem norte-americana, se ela não violava as leis alemãs sobre direito à privacidade. Merkel foi forçada a responder que não, mas isto, evidentemente, não corresponde ao espírito da lei, muito menos ao espírito da maioria da opinião pública alemã. Steinbrück aproveitou para atacá-la neste particular, apesar de não ter sido ele quem formulou a pergunta (o que muitos analistas apontaram como uma falha sua).

Uma parte da mídia alemã tem a tendência de nivelar os contendores, apontando mais as semelhanças do que as diferenças. Assim mesmo, as diferenças sublinhadas por Steinbrück ganharam algum realce. Depende dele agora aproveitar a brecha aberta por Raab no debate e aprofundada pelo “caso Dilma Rousseff” no que diz respeito à espionagem norte-americana.

Afinal, se os Estados Unidos espionaram tão despudoradamente aquela que é descrita como “a segunda mulher mais poderosa do mundo”, poderão muito bem fazer o mesmo com a primeira, se é que já não o fizeram. Além de terem mentido para a presidenta Dilma, quando asseguraram a ela que não havia tal tipo de espionagem. Isto também trouxe mais descrédito para Angela Merkel, que vive assegurando que não há o que temer nas escutas porque o governo norte-americano lhe deu garantias de que não há.

Publicado em Rede Brasil Atual