Saber a priori onde um movimento espontaneísta pode parar é habilidade apenas para os manipuladores das forças ocultas. Infelizmente, as ciências sociais ainda não incluíram tais disciplinas em suas grades curriculares. Contudo, podemos tentar seguir um outro caminho menos prognóstico e mais perspético para intuitivamente imaginarmos mundos possíveis. Assim, num primeiro momento poderíamos vislumbrar 4 cenários possíveis:

1 – O prefeito voltar atrás no aumento das passagens nos ônibus e as manifestações esmorecerem, perderem força após a vitória conquistada;

2 – O prefeito voltar atrás no aumento das passagens nos ônibus e as manifestações empolgadas com a vitória ganharem força para se manter nas ruas em busca de novos direitos;

3 – O prefeito não voltar atrás no aumento e as manifestações se enfraquecerem, se desgastarem com o tempo;

4 – O prefeito não voltar atrás no aumento e as manifestações ganharem cada vez mais corpo nas ruas, com maior radicalização.

Por óbvio, a simpatia maior de quem possui um olhar jovial por sobre as manifestações é pelo segundo cenário. Ignoro aqui os cenários 1 e 3, pois caso realizem-se, transformarão o fenômeno dos últimos dias em objeto de laboratório a ser estudado sem maiores urgências. No entanto, a maior preocupação do momento não é com um objeto do passado que precisa ser melhor compreendido, mas sim em saber quais os riscos das possíveis aventuras que estão sendo preparadas agora, no calor do fogo.

Imaginando a possibilidade dos cenários 2 ou 4, surgem novas perguntas, abrem-se portas para novos caminhos. Como a principal característica do movimento que hoje ocupa as ruas das principais capitais do país é o seu espontaneísmo, torna-se impossível dizer com absoluta convicção quais serão suas novas reivindicações. No Rio de Janeiro, por exemplo, pode-se ouvir palavras de ordem como “Fora Cabral”, “Fora Paes”, “Fora Partidos” e “Fora Dilma”. Todavia, bandeiras propositivas também surgem, como “queremos saúde, educação e passe livre”.

Assim, com o crescimento dos movimentos nas ruas três caminhos parecem ser possíveis de serem vislumbrados:

1 – O movimento caminhar apenas para uma politização de cunho eleitoral, apresentando revés para prefeitos, governadores e mesmo para a presidenta da república;

2 – O movimento caminhar para uma politização em torno dos direitos sociais e humanos, buscando vitórias concretas para a qualidade de vida;

3 – O movimento caminhar para uma politização (ou despolitização?) em torno do próprio conteúdo da democracia representativa, apresentando seu descrédito com os partidos políticos.

Ressalte-se aqui que os caminhos não são necessariamente puros e isolados, podendo se mesclarem. Também se faz necessário afirmar que todos os três caminhos são legítimos dentro de uma democracia, embora alguns possam apresentar mais problemas que outros.

O caminho 1, por exemplo, é o que há de mais tradicional na disputa política. Passeatas pedindo a saída de governantes são habituais instrumentos de conflito legal. Entretanto, tal caminho corre o risco de enfraquecer o movimento, na medida em que seu caráter estritamente partidário não permita uma aglutinação de forças. Em outras palavras, se o movimento pede “Fora Dilma”, grande parte dos manifestantes deixarão de ir para as ruas. O mesmo vale para prefeitos e governadores. Ou seja, o caráter negativo do caminho 1 está na sua impossibilidade intrínseca de agregar amplas forças em sua volta. A consequência do caminho 1 é o seu enfraquecimento.

O caminho 2 é o que trata da politização temática. Tal politização não ataca governantes diretamente, mas sim suas ideias. A redução da passagem é uma vitória a ser conquistada, mas outras podem surgir no portfólio das demandas, como mais investimentos em saúde, educação ou mesmo reformas institucionais como as apresentadas pelos abaixo-assinados da reforma política ou da democratização da comunicação. Encontrar e sustentar bandeiras que sejam universais talvez seja o caminho mais plausível para a manutenção e crescimento do movimento nas ruas, além de possibilitar efetivamente vitórias que empolguem os jovens.

A mais perigosa das aventuras é a apresentada pelo caminho 3. Diz um velho professor que a mediocridade – entendida como média das opiniões – é a melhor característica de um parlamento. Afinal de contas, se de um lado tivermos alguém achando que o parlamento é plenamente satisfatório para suas demandas, teremos de outro alguém que está completamente insatisfeito. Assim, a média seria um bom local para a democracia. Claro, exagero no exemplo para realçar o argumento. Não discordo que a democracia representativa possua problemas de assimetria, sendo o principal deles o financiamento privado das campanhas. Contudo, a solução jamais poderá passar pelo fim dos partidos políticos, sob o risco de voltarmos atrás em tempos que ainda estão marcados tristemente na memória do país. O movimento será o mais rico possível na exata medida em que mantiver sua pluralidade aceitando todos, dos partidários aos apartidários.

Enfim, o argumento que sustento é o de que a força do movimento é inversamente proporcional à sua especificidade. Enquanto as bandeiras possuírem um caráter universal, em busca de direitos sociais, políticos e econômicos – em outras palavras, direitos humanos – o movimento terá a capacidade de aglutinar amplos setores. Por outro lado, sua partidarização ou especificidade temática terá como fim seu enfraquecimento. De qualquer modo, o maior risco no momento será sua apropriação indevida por parte daqueles que visam deslegitimar os principais instrumentos de uma democracia, quais sejam, os partidos políticos.

Theófilo Rodrigues, Mestre em Ciência Política (UFF), Doutorando em Ciências Sociais (PUC-Rio).