O que acontece quando os empregos bons desaparecem? É uma pergunta que vem sendo feita há séculos.

Em 1786 os trabalhadores têxteis de Leeds, centro da indústria de lã no norte da Inglaterra, fizeram um protesto contra o uso crescente de máquinas que estavam desempenhando uma tarefa antes realizada por trabalhadores qualificados.

“Como esses homens, assim, destituídos de trabalho, vão sustentar suas famílias?” perguntaram os signatários da petição. “E a quem vão entregar seus filhos para serem aprendizes?”

Não eram perguntas tolas. Com o tempo –isto é, após duas ou três gerações– a mecanização acabou levando a uma melhora ampla nos padrões de vida britânicos.

Mas está longe de ser claro se os trabalhadores comuns se beneficiaram de alguma maneira nas primeiras etapas da Revolução Industrial; alguns deles foram claramente prejudicados. E, em muitos casos, os trabalhadores mais prejudicados foram aqueles que tinham conquistado qualificações valiosas, com esforço –apenas para verem essas habilidades perderem valor de uma hora para outra.

Será que estamos vivendo em outra era desse tipo? E, se sim, o que vamos fazer a esse respeito?

Até pouco tempo atrás, a visão predominante dos efeitos da tecnologia sobre os trabalhadores era reconfortante, de certo modo.

Era evidente que muitos trabalhadores não estavam compartilhando plenamente –ou não estavam compartilhando nada– os benefícios da produtividade crescente; em lugar disso, a maior parte dos benefícios chegava a uma minoria da força de trabalho.

Mas isso, dizia-se, era porque a tecnologia moderna estava elevando a demanda por profissionais altamente qualificados e reduzindo a demanda por trabalhadores menos instruídos. E a solução era mais educação.

Sempre houve problemas com essa história. Embora ela pudesse explicar o desnível salarial crescente entre profissionais com diplomas universitários e os não diplomados, não explicava por que um grupinho pequeno –o famoso “1%”– estava tendo ganhos muito maiores que os profissionais altamente qualificados, em geral. Mesmo assim, essa história pode ter tido alguma base factual, uma década atrás.

Hoje, porém, está vindo à tona uma visão muito mais tenebrosa dos efeitos da tecnologia sobre a força de trabalho.

Segundo esse quadro, os profissionais altamente qualificados têm tantas chances quanto os menos qualificados de se verem substituídos e desvalorizados, e pressionar por mais educação pode gerar tantos problemas quanto os que resolve.

Já observei antes que a natureza da desigualdade crescente nos Estados Unidos mudou por volta de 2000. Até então, era trabalhador versus trabalhador; a distribuição da renda entre a mão de obra e o capital –entre salários e lucros, por assim dizer– era estável havia décadas.

Desde então, contudo, a participação da mão de obra no bolo vem caindo de modo acentuado. E não se trata de um fenômeno exclusivamente americano, como ficamos sabendo.

Um novo relatório da Organização Internacional do Trabalho chama a atenção para o fato de que a mesma coisa vem acontecendo em muitos outros países, que é o que se poderia esperar se as tendências tecnológicas globais estivessem se voltando contra os trabalhadores. E algumas dessas viradas podem ser repentinas.

O McKinsey Global Institute lançou há pouco um estudo sobre uma dúzia de novas tecnologias importantes que, considera, provavelmente vão perturbar a organização atual de mercado e social.

Mesmo um olhar rápido para a lista contida no documento sugere que algumas das vítimas das mudanças serão profissionais hoje vistos como altamente qualificados e que investiram muito tempo e dinheiro na conquista dessas qualificações.

Por exemplo, o documento sugere que vamos ter muito “trabalho de conhecimento automatizado”, com softwares fazendo coisas que antes exigiam o trabalho de profissionais com formação universitária.

A robótica avançada pode reduzir mais ainda os empregos no setor manufatureiro, mas também pode tomar o lugar de alguns profissionais médicos.

Então será que os trabalhadores deveriam simplesmente ficar preparados para conquistar novas qualificações? Os trabalhadores têxteis do século 18 em Leeds trataram dessa questão em 1786: “Quem vai sustentar nossas famílias enquanto nós empreendemos a árdua tarefa” de aprender um ofício novo?

Além disso, perguntaram, o que acontecerá se também esse novo ofício acabar sendo desvalorizado por mais avanços tecnológicos?

E os equivalente modernos daqueles trabalhadores têxteis podem perguntar mais: o que acontecerá conosco se, como ocorre com tantos estudantes, nos endividarmos profundamente para adquirir as qualificações que nos dizem que vamos precisar, para depois descobrir que a economia não precisa mais dessas qualificações?

Logo, a educação não é mais a resposta à desigualdade crescente, se é que alguma vez foi (algo do qual duvido).

Qual é a resposta, então?

Se o quadro que tracei estiver correto, o único jeito para podermos ter qualquer coisa que se assemelhe a uma sociedade de classe média –uma sociedade em que cidadãos comuns tenham a certeza razoável de manterem uma vida decente, desde que trabalhem duro e obedeçam as regras– seria contar com uma rede social forte que garantisse não apenas a saúde, mas também uma renda mínima.

E, com uma parcela cada vez maior da renda ficando com o capital, e não com a força de trabalho, essa rede de segurança teria que ser paga, em larga medida, por impostos sobre os lucros e/ou sobre a renda de investimentos.

Já posso ouvir conservadores gritando sobre os males da “redistribuição”. Mas o que, exatamente, eles proporiam no lugar dela?

Tradução de Clara Allain para a Folha de S. Paulo.

Paul Krugman é prêmio Nobel de Economia (2008), colunista do jornal “The New York Times” e professor na Universidade Princeton (EUA). Um dos mais renomados economistas da atualidade, é autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados.