Tradução da equipe Vila Vudu
13/3/2013, Asia Times Online
http://www.atimes.com/atimes/China/CHIN-02-130313.html

Há dois aspectos profundos e de longo prazo nas reformas administrativas anunciadas ao final da primeira sessão plenária do Parlamento chinês, o Congresso Nacional do Povo [ing. National People’s Congress (NPC)]:[1] primeiro, a tradição imperial de concentrar poder no centro, alimentando forças centrípetas que tantos problemas já causaram (…) e sobre as quais já falamos (Asia Times Online, 7/1/2011): muitas panelas no fogo, ao mesmo tempo, na política externa.

Para conseguir manter-se assim, o Partido Comunista Chinês abraça o segundo aspecto: uma grande reforma liberal. De fato, a reforma dos ministérios que emana da atual reunião do Congresso Nacional do Povo não é simples questão de números, mas grande e profunda reestruturação da filosofia e das funções relacionadas ao trabalho dos próprios ministérios.

O vice-primeiro ministro encarregado da reforma, Ma Kai, explicou que o propósito da reestruturação é dar poder aos mercados e à sociedade; reduzir a intervenção do governo em assuntos menores, para aumentar a habilidade do governo para administrar questões macroeconômicas e supervisionar.

Nesse espírito, o número de ministros foi reduzido a quase a metade: de 44 para 25. Os dois números têm profundo significado político. Significa que a nova liderança de Xi Jinping – evidentemente apoiado pelo líder que está de saída, Hu Jintao, o qual, até o final dessa sessão do Parlamento, que será encerrada dia 17/3, ainda é o presidente do Estado – conseguiu afirmar o próprio projeto e impôs-se sobre os milhares de interesses conflitantes da poderosa burocracia.

E há mais, como se vê nos comunicados oficiais. Wang Qishan, que preside a poderosa Comissão de Disciplina do Partido e influencia as finanças chinesas, insistiu que o povo chinês leia Tocqueville e sua crítica ao ancien regime. O pensador francês, que exaltou as virtudes do sistema norte-americano, já é, portanto, bestseller. De fato, as atuais reformas parecem inspiradas por Tocqueville. O Partido Comunista Chinês quer tornar-se mais liberal e mais ‘norte-americano’, e mais conforme àquele sistema.

A primeira grande vitória foi obtida na disputa pelo Ministério das Estradas de Ferro, o qual, contra qualquer lógica, conseguiu resistir às reformas de 1998 e era o último ministério que ainda administrava diretamente as próprias finanças – na operação dos trens. Hoje, como todos os demais ministérios, as funções administrativas do Ministério das Estradas de Ferro serão separadas das funções econômicas e entregues a empresas estatais. Mais: passará a ser operado pelo Ministério dos Transportes. Persiste o mistério sobre o que acontecerá à polícia e aos tribunais que agiam sob o poder direto do Ministério das Estradas de Ferro.

Além da abolição de vários ministérios, estão sendo criadas novas entidades. Haverá a partir de agora um Administrador Nacional de Energia, responsável por coordenar atividades que, antes, estavam distribuídas entre grupos que supervisionavam a eletricidade, o petróleo, a mineração de carvão, etc.

Serão necessários meses para que essas reformas sejam digeridas, pelo aparelho do Estado. Mas depois das reformas de 1998, em menos de um ano a natureza de todo o sistema já estava modificada. O centro teve de dar mais poder econômico às empresas estatais, liberando-as de obrigações administrativas e sociais. Aquelas reformas foram tão bem-sucedidas que, passada já uma década, as empresas estatais dominam a economia chinesa, criando monopólios e não deixando qualquer espaço a empresas privadas.

Agora, então, a urgência real é dar espaço ao mercado. Esse é objetivo perfeitamente claro para Xi Jinping.

Em 2010, em encontro de portas fechadas entre o futuro presidente Xi e o então ministro da Economia da Itália, Giulio Tremonti, o italiano, provavelmente para mostrar cordialidade, elogiou o papel da intervenção do estado chinês na economia, que impedira que a crise das finanças dos EUA contaminasse a China. Mas Xi não pareceu muito entusiasmado com o elogio. Respondeu que tão logo a crise estivesse ultrapassada, o Estado deveria afastar-se do mercado e deixar que opere livremente, por regras de mercado.

Além das medidas de economia doméstica, a reforma administrativa inclui uma medida muito importante para a política externa: cria uma única administração para as áreas marinhas. A entidade será encarregada de todas as áreas costeiras, inclusive dos arquipélagos contestados do Mar do Sul da China e as Ilhas Diaoyu, ou Senkaku, que o Japão reivindica. A nova administração foi criada oficialmente, de modo que os chineses podem defender o domínio dessas áreas, o que está irritando os vizinhos. O Japão já começou a protestar.

Por outro lado, cria uma ordem no caso de fricções futuras, atacando diretamente o problema do qual tratei em 2011. Em várias ocasiões no passado, o governo central viu-se obrigado a dar cobertura, ou conter, no último momento, alguma iniciativa independente de algum capitão de barco pesqueiro ou algum raro oficial naval rebelde.

As novas funções que se esperam do mercado devem assegurar a plataforma de lançamento para um plano de urbanização de 40 trilhões de yuan (US$6,4 trilhões), que deve atrair para as cidades milhões de chineses nos próximos dez anos.