Publicado no jornal O Globo de 13/03/13

Por Jandira Feghali* e Luiz Felippe Monteiro Dias*

O estrondo que soou por trás da porta que leva às escadarias do oitavo andar do prédio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RJ), no Centro do Rio, quinta-feira última, trouxe à tona uma sombra do passado, até então latente dentro de todos nós e nos livros de história. A afronta aos direitos de expressão retornou na forma de uma bomba caseira quase inofensiva, que, no entanto, ganhou contornos maiores pelo simbolismo de uma ligação telefônica feita ao Disque-Denúncia. Recebida pela OAB/RJ, através do presidente Felipe Santa Cruz, descobriu-se que a explosão de três singelos ‘cabeção de nego’ – bomba de festa junina, de brincadeira de rua – era, na verdade, um aviso nefasto vindo de tempos sombrios contra a
democracia.

Não é de se estranhar que a intimidação, feita ou influenciada por gatunos da ditadura que ainda sobrevivem, tenha sido alvo o ex-presidente da OAB/RJ, Wadih Damous, que irá presidir a Comissão da Verdade, a ser instalada oficialmente nesta semana. De alguma forma, os agentes da repressão de um passado recente, já se amedrontam em ter seus perfis e biografias vergonhosas reveladas para toda a sociedade. A liberdade de investigação de nossas autoridades tem um gosto terrível para este “passado” e ele já começou a provar desse sabor.

É claro que a explosão no oitavo andar do prédio da OAB nos remete a um crime terrível contra a senhora Lyda Monteiro da Silva, ocorrido há 32 anos e exatamente no mesmo local da explosão desta semana. Secretária na época, Lyda faleceu após abrir uma carta bomba direcionada ao então diretor do Conselho Federal da Ordem, Eduardo Seabra Fagundes. O terrorismo da ditadura havia criado uma ruptura muito grave na família de Lyda e na mente de todos nós, defensores e militantes da liberdade.

A apuração dos autores do atentado, já amparada pela Polícia Federal, pelos olhos atentos do Governo Federal, em Brasília, já é pauta da Comissão da Verdade do Rio. A sociedade que se formou na década de 90 e que evolui nos anos 2000 não teve o contato direto com os históricos e vergonhosos anos de chumbo, vividos na pele por muitos de nós. Não são só políticos ou familiares de vítimas da ditadura, mas advogados, jornalistas, diversos militantes de forças e opiniões, professores, médicos e tantos outros cidadãos brasileiros que tiveram cravado no espírito a necessidade de consolidar, de uma vez por todas, a liberdade e passar a limpo o período criminoso e repressivo da ditadura militar.

O barulho soou no oitavo andar em pleno ano de 2013. Afugentou a sociedade novamente, obrigando advogados e cidadãos que circulavam pela OAB/RJ a fugirem pelos corredores e saídas de emergência. Contudo, o barulho que soou não pode se repetir. Acima de tudo, é o nosso barulho que deverá se tornar ensurdecedor. Seu volume tem que incomodar todos aqueles que ainda pleiteiam o medo, o obscurantismo e a repressão. Já fomos apenas cem mil nas ruas, mas hoje somos quase 200 milhões defensores da democracia. Encaramos esse episódio como estertores de alguns desesperados, saudosos de um período que temos certeza que não mais voltará.

¹ Jandira Feghali é médica e deputada federal pelo PCdoB/RJ

² Luiz Felippe Monteiro Dias é advogado, professor da Universidade Cândido Mendes e filho de
Lyda Monteiro da Silva