Artigo publicado na edição 109 da revista Teoria e Debate

No dia 11 de fevereiro o anúncio do papa Bento XVI de que abdicará do cargo no próximo dia 28 tomou a opinião pública de absoluta surpresa. Várias especulações sobre os motivos dessa decisão foram levantadas, pois a última renúncia papal foi a de Gregório XII, em 1415, na tentativa de evitar o aprofundamento do cisma entre a Igreja Católica Romana e a Igreja Ortodoxa, que mesmo assim acabou ocorrendo.

A justificativa apresentada por Bento XVI para sua abdicação foi “incapacidade física e espiritual” para levar suas responsabilidades adiante. Todavia, na homilia que fez durante missa no dia seguinte, criticou divisões na Igreja e condenou “hipocrisias”, ampliando assim as especulações sobre os reais motivos da renúncia. Estas incluiriam a idade avançada e problemas de saúde, que o estariam impedindo de viajar, seu interesse em dedicar-se apenas à Teologia, o cansaço com os “venenos da corte” e a interferência da política italiana nos assuntos do Vaticano, o recente vazamento de documentos confidenciais pelo mordomo papal, sua incapacidade de promover reformas na cúpula da Igreja, entre outras. No entanto, a imprensa conservadora no Brasil gerou a esdrúxula tese de que o papa renunciou e se sacrificou para “salvar a Igreja”, ao denunciar a existência de um setor dirigido pelo secretário de Estado do Vaticano que o estaria impedindo de promover as “reformas necessárias”.

Se formos analisar pelo viés da “teoria da conspiração”, é pouco convincente que alguém como o então cardeal Joseph Ratzinger, um dos mais importantes assessores do papa João Paulo II por 25 anos, chefe da poderosa Congregação para a Doutrina da Fé (antiga Inquisição) que logrou se eleger sumo pontífice e ocupar o cargo por oito anos, seja afetado espiritualmente pelas maledicências e “armações” de seus pares. Quanto às reformas, as únicas que promoveu durante seu melancólico mandato papal foi restaurar rituais anacrônicos já abolidos pelo Concílio Vaticano II e tentar promover o retorno de setores religiosos de ultradireita à Igreja Católica.

Isso tudo, no entanto, não descarta a hipótese de que sua renúncia seja um movimento no tabuleiro da disputa intestina no Vaticano e que a pretensão de Bento XVI foi constranger e enfraquecer seus adversários nas negociações para sua sucessão, bem como manter influência mesmo fora do cargo, já que continuará vivendo no Vaticano e, além disso, sempre poderá insinuar que irá contar o que sabe.

Independentemente do motivo real da abdicação, há confluência entre muitos analistas políticos quanto à mediocridade e hipocrisia de seu mandato, pois foi confrontado com os escândalos de pedofilia que ajudara a “abafar”, quando chefe da Congregação para a Doutrina da Fé, durante o mandato de seu antecessor, e nada fez para solucionar o problema. Somente rompeu o silêncio sobre a pedofilia e as denúncias de irregularidades do Instituto para Obras Religiosas, mais conhecido como Banco do Vaticano, quando a cobrança da opinião pública se tornou insustentável. Além disso, não conseguiu deter o declínio da Igreja Católica no mundo desenvolvido, particularmente na Europa. Os católicos representam atualmente 17,4% da população mundial, contra 19,4% que se declaram muçulmanos. Isso sem falar das diversas gafes cometidas na relação com outras religiões, como seus comentários sobre o islamismo e o judaísmo, além de um conjunto de posturas conservadoras que desagradaram os fiéis mais progressistas, como a afirmação de que o uso de preservativos faria aumentar o número de aidéticos na África.

Há rumores de que quando eleito, há oito anos, teria havido um acordo na cúpula dos cardeais para manter uma continuidade ao legado conservador de João Paulo II antes de uma mudança de caráter mais realista que permitisse à Igreja Católica lidar de forma diferente com os temas da atualidade, que a levam inclusive a perder fiéis, como suas posições sobre planejamento familiar, pesquisas com células-tronco, aids, homossexualidade, entre outros, e agora seria o momento de fazê-la. Todavia, não parece haver muito eco para uma mudança dessa monta, mas, se porventura ocorrer, não será fruto da disputa entre cardeais conservadores e progressistas, pois estes foram quase aniquilados com a ajuda do abdicante quando ainda era cardeal.

A renúncia também pode ser simplesmente um pedido de aposentadoria de alguém que está cansado de trabalhar e quer passar o tempo que lhe resta dedicando-se à reflexão teológica. É aguardar para ver os desdobramentos, uma vez que a intenção do Vaticano é eleger seu sucessor antes da Páscoa.

Kjeld Jakobsen é consultor em Relações Internacionais