O cenário atual dá destaque primordial para a o mundo online e seus variados aplicativos, elementos que vêm ganhando, gradativamente, espaços que, outrora, eram dominados por formas tradicionais de leitura, discussão e compreensão dos gêneros literários. Observa-se a eclosão de blogs, fóruns virtuais, sítios especializados, o aumento significativo de usuários do Facebook e do Twitter como formas novas de contato com o mundo dos livros.

Há muita gente, diante desse cenário, que aposta, inclusive, na morte do livro físico, só para se ter uma ideia. Ainda devemos levar em consideração a miscelânea de fatores sociais que entra em jogo, interagindo com linguagens oriundas das mais diversas matizes culturais que estão em contado direto com esses suportes. Fato que torna a compreensão do leitor contemporâneo de Jorge Amado um processo ainda mais desafiador. Não sendo objetivo deste pequeno ensaio discutir detidamente todos esses aspectos, gostaríamos de construir o nosso recorte teórico/metodológico tendo como enfoque as novas gerações de leitores que estão inseridas, em sua grande maioria, no contexto social exposto anteriormente.

Em nosso entendimento, algumas questões devem ser colocadas no sentido de problematizar temas que julgamos essenciais para que a leitura crítica do legado de Jorge Amado não seja ofuscada por interpretações pós-modernas reducionistas. Dois fatores primordiais devem, então, ser debatidos. O primeiro, diz respeito, em grande medida, ao desafio de lidar criticamente com as novas tecnologias sem perder de vista a riqueza cultural presente nas obras do escritor baiano. Uma riqueza histórica, cultural e, sobretudo, política, tão essenciais ao esclarecimento e ao despertar de consciências dos seus leitores em relação às desigualdades sociais do passado, do presente e do futuro.

O segundo fator que gostaríamos de destacar no presente ensaio versa sobe a necessidade urgente de criarmos formas de ação, em especial nos campos da política, da cultura e da educação, com o objetivo precípuo de garantir que o legado Amadiano não caia no processo de “coisificação” e de “instrumentalização” que tanto empobrecem a leitura e a interpretação das suas obras.

São dois desafios que devem caminhar juntos se a nossa meta é a de lutar pela formação de leitores críticos que pensam a obra de Jorge Amado em sua plenitude, para muito além de se prepararem para exames de admissão em universidades, por exemplo. Infelizmente, muitos leitores das novas gerações têm sido obrigados a “engolir” clássicos literários com o único objetivo de serem aprovados em exames pré-vestibulares. Trata-se, sem dúvida, de um processo de instrumentalização reducionista e empobrecedor, pois, em grande parte dos casos, o processo crítico de leitura é substituído por uma prática dolorosa que tem como único objetivo a aprovação em um exame de admissão.

Os ensaios presentes no suplemento literário da revisa Princípios deste bimestre deixam claro que a obra de Jorge Amado é composta por uma riqueza política, cultural e simbólica imensuráveis e que podem ser melhor trabalhadas no sentido de preservar, entender e modificar o mundo desigual no qual vivemos.

O ritmo frenético das ditas sociedades pós-modernas, sua flagrante monetarização (“Time is Money”) surgem como forças hegemônicas que estão modificando os nossos comportamentos. Dos nossos íntimos desejos inconscientes ao nosso mecanizado cotidiano, a onda de mercantilização segue sua sanha de transformar tudo o que pode em mercadoria. E a formação da identidade dos novos leitores parece não escapar a esta lógica consumista. Aliás, as suas próprias identidades são entendidas como potenciais mercadorias a serem exploradas, de preferência, o mais rápido possível, “tempo é dinheiro”.

Infelizmente, as novas tecnologias têm servido mais a este fim do que propriamente à formação de uma geração leitora crítica, consciente do seu papel na superação dos preconceitos de classe e da exploração de classes, temas tão candentes nas obras de Jorge Amado. Esta problemática emerge, no nosso entendimento, como um grande desafio a ser enfrentado. Professores, alunos, ativistas culturais, intelectuais e a sociedade civil como um todo devem estar juntos no enfrentamento dessas questões.

Nesse sentido, as novas tecnologias, mais do que instigar uma leitura superficial, fast food, acrítica dos nossos grandes escritores, deve, ao contrário, incentivar o contato com novas linguagens e processos sócio-cognitivos que enriqueçam a leitura, aliando-se a padrões éticos que entendam o livro e o próprio processo de leitura não como meras mercadorias ou como “instrumentos” dirigidos a fins específicos de aprovação, mas, sim, como recursos simbólicos essenciais ao desenvolvimento pleno e humanista dos seus leitores. Afinal de contas, não é esse o principal objetivo de Jorge Amado e da chamada Literatura Engajada?

*Fábio Wolf é doutorando no Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada e Estudos de Linguagem, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)

**Texto apresentado por ocasião da homenagem ao centenário de Jorge Amado, em São Paulo, dia 06/12/2012, na Fundação Maurício Grabois.