Quando no dia 27 de julho de 2012, a chama olímpica for acesa, terão início, oficialmente, os Jogos Olímpicos de Londres, que receberá os Jogos pela terceira vez. As duas edições anteriores foram em 1908 e 1948. Essa será a 30ª edição do maior evento do esporte mundial. O ritual do fogo, que acompanha os Jogos desde a Era da Antiguidade, em Olímpia, na Grécia, talvez seja o símbolo mais autêntico que tenta manter o caráter ritualístico relacionado aos Jogos Olímpicos e a celebração da história da civilização.

A Inglaterra foi o centro do maior império da história da humanidade. Os quatro continentes, representados pelos quatro Anéis Olímpicos fizeram parte do Império Britânico. Curiosamente, foi na Inglaterra que nasceu o esporte moderno e o movimento esportivo a partir da organização dos conceitos envolvidos na esportivização da sociedade inglesa, tão bem descrito por Norbert Elias, no livro O Processo Civilizador; e Eric Hobsbawm e Edward Thompson quando traçam em seus estudos a história da classe operária e dos elementos simbólicos da modernidade, especialmente na Inglaterra, onde está o esporte.

Neste contexto, é interessante observar o significado dos mascotes dos Jogos Olímpicos em 2012. Wenlock e Mandeville fazem jus à Era do Fogo e à Revolução Industrial, presentes na história e na cultura da Grã Bretanha. Wenlock e Mandeville representam duas gotas de aço da fundição de Bolton, cidade de 140 mil habitantes e potência industrial inglesa desde os primórdios da Revolução Industrial surgida com força região metropolitana de Manchester, berço da industrialização mundial.

A mascote Wenlock foi batizada em homenagem a cidade de Munch Wenlock onde, desde 1850, ocorrem pequenas disputas olímpicas entre os habitantes, evento que também ajudou a inspirar a primeira Olimpíada da era moderna em Atenas, 1896.

Já Mendeville levou seu nome inspirado na vila de Stoke Mandeville, no condado de Buckinghamshire, região considerada o berço dos Jogos Paraolímpicos pelo fato de ter realizado uma competição paralela só para portadores de deficiência, em sua maioria mutilados de guerra, no mesmo dia da abertura dos Jogos Olímpicos de Londres em 1948.

Vale lembrar que Londres sediou os primeiros jogos do pós – Guerra.  A capital inglesa havia sido um dos núcleos de resistência à ofensiva da Alemanha de Adolf Hitler e, pagou um alto preço por isto. Muitos edifícios ainda estavam em ruínas, a população vivia um racionamento alimentar e qualquer libra esterlina, a moeda local, valia uma fortuna.

O orçamento total dos Jogos de 1948 foi de 732 mil libras, um acinte para uma época de penúria. Para se ter uma idéia, nenhuma instalação nova foi construída para a edição de 1948, o inverso da Olimpíada 2012, novamente em Londres, que ostentará arenas novas em folha após gastos bilionários com infraestrutura. A Câmara dos Comuns anunciou em 2007, um orçamento de 5,3 bilhões de libras esterlinas para a construção do estádio e das infraestruturas necessárias para os Jogos, ao mesmo tempo  anunciou a reforma urbana do Lower Lea Valley, com um orçamento de 1,7 bilhão  de libras.

Participarão dos Jogos Olímpicos de Londres, 204 Comitês Olímpicos Nacionais, contra 59 países participantes em 1948.

Carruagens de Fogo

O desenvolvimento do movimento esportivo a partir da Inglaterra se espalhando pela Europa, estimulou o surgimento do movimento olímpico liderado pelo Barão de Coubertin (1863-1937), que é o titulo nobiliárquico do pedagogo e historiador francês Pierre de Frédy. Filho de aristocratas franceses, ele levou adiante o espírito impresso pela aristocracia inglesa e reproduzido em escala pela aristocracia européia e posteriormente, a sulamericana, a oriental e da Oceania.

Os valores aristocráticos traduziam na prática esportiva os ideais morais, de força e vigor físico necessários para liderar o desenvolvimento econômico e militar das nações do capitalismo e estimulava a superação os desafios impostos ao novo homem, o homem moderno e burguês.

No filme Carruagens de Fogo (Chariots of Fire, 1981) Eric Liddell (Ian Charleson) e Harold Abrahams (Ben Cross) pretendem disputá-la, mas seguem caminhos bem diferentes. Liddell é um missionário escocês que corre em devoção a Deus. Já Abrahams é filho de um judeu que enriqueceu recentemente e deseja provar sua capacidade para a sociedade de Cambridge. Liddell corre usando seu talento natural, enquanto que Abrahams resolve contratar um treinador pessoal. Ambos seguem as eliminatórias sem problemas, até que uma das classificatórias de Liddell é marcada para domingo. Ele se recusa a competir, por ser este um dia santo. Percebendo a situação, um nobre oferece a Liddell sua vaga na disputa dos 400 metros. Ele aceita e vence a corrida, assim como Abrahams. A partir de então, os dois integram a equipe do Reino Unido para as Olimpíadas.

O filme ilustra de forma brilhante a dualidade que marcou o esporte durante todo o século 20: o profissionalismo, que busca na ascensão social seu maior resultado versus o amadorismo, ancorado nos valores aristocráticos de superação, o fairplay, que era a razão dos Jogos Olímpicos da Grécia antiga, onde a capacidade de superação humana era celebrada nos jogos e rituais de reverência aos deuses do Olimpo.

Os jogos da atualidade tentam manter alguns elementos que afirmam o caráter amadorístico e de superação dos jogos, como a coroa de louros e a medalha, mas já corrompidos pelo grande negócio que se transformou o esporte atual e a busca implacável e muitas vezes a qualquer custo, inclusive com o doping, dos primeiros lugares.

Tal dualidade persistirá nos Jogos de Londres 2012. Dos mais de 11 mil atletas esperados nos jogos, a maioria é composta por profissionais que recebem financiamento para suas rotinas de treinamento e competições oriundas de patrocinadores diversos em forma de salários, muitas vezes altíssimos, coisa impensável na primeira edição dos jogos da era moderna, em 1896, na Grécia.

A delegação brasileira, por exemplo, dos 259 atletas que estarão em Londres, 111 fazem parte do programa Bolsa Atleta, um subsídio que o Governo dá a atletas, inclusive a campeões mundiais.

Os  EUA, uma das grandes potências mundiais do esporte, oferece um prêmio de US$ 25 mil (R$ 50 mil) a cada campeão olímpico. Aqueles que conquistarem uma prata terão a premiação de US$ 15 mil (R$ 30 mil), enquanto o bronze valerá US$ 10 mil (R$ 20 mil). O sonho de Coubertin virou mera utopia.

Já o Reino Unido, anfitrião dos Jogos, confirmou que não dará sequer uma libra para quem conquistar medalhas. O incentivo está no que poderão conseguir a curto ou médio prazo, na captação de patrocinadores.

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