“Juros em níveis civilizados é o nosso Plano Real”, sintetizou uma fonte do Palácio do Planalto, dando a dimensão do que o assunto significa para o governo. Na quarta-feira, quando retornou da viagem aos Estados Unidos, a presidente esteve por mais de uma hora com Mantega.
No encontro, o ministro relatou as conversas da terça-feira com os representantes dos bancos privados e a postura da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), de passar a “bola” para a Fazenda, ao listar duas dezenas de propostas de medidas como precondição para reduzir o custo do dinheiro.

Mantega reagiu à Febraban após reunião com Dilma

Dilma considerou a reação dos bancos privados inadequada e recomendou ao ministro endurecer o jogo. Na noite da quarta-feira, sua assessoria avisou aos jornalistas que o ministro falaria ontem pela manhã sobre spread.

“O Murilo Portugal [presidente da Febraban], em vez de apresentar soluções, anunciando aumento de crédito, veio aqui fazer cobrança de novas medidas do governo”, disse Mantega. “Os bancos privados querem jogar a conta dos elevados custos do spread bancário nas costas do governo”, prosseguiu, e devolveu a “bola”, ao afirmar: “Os bancos têm margem para elevar o crédito no país sem que o governo tenha que mexer em nada”.

A Febraban apresentou um leque de sugestões para o governo, da redução dos impostos sobre a intermediação financeira à liberação de depósitos compulsórios, dentre outras medidas para melhorar as garantias dos bancos e o ambiente legal em casos de inadimplência. Cortar os impostos e aliviar o compulsório estão fora do radar do governo. As demais propostas podem ser analisadas, embora o clima entre o Palácio do Planalto e os bancos privados, que nunca foi de muita aproximação, tenha se azedado nesta semana.

Dois dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) reforçam os argumentos oficiais contra os altos spreads. Apenas o Zimbábue, numa lista de 137 países, tem essa margem maior do que a do Brasil. O spread médio naquele país é de 75 pontos percentuais e, aqui, está na casa dos 30 pontos percentuais, segundo estudo feito pelo FMI há dois anos e que retrata uma situação que não mudou muito de lá para cá.

De uma lista de dez países também selecionados em um trabalho do Fundo, feito no ano passado, os bancos no Brasil são os que têm a mais elevada taxa de retorno sobre o capital. Essa taxa é de 27,3% aqui, seguida de 23,4% no Canadá e de 20,6% na Austrália, dentre outros.

Dilma, desde a campanha eleitoral, está determinada a entregar o governo, em 2014, com juros reais na casa dos 2% ao ano, mais compatíveis com as taxas internacionais em tempos de normalidade. Esse é um objetivo que só faz sentido se reduzir o custo do capital para todos, consumidores e empresas.

No período em que a Selic caiu 2,75 pontos percentuais, de 12,50% em julho para 9,75% ao ano atualmente, no entanto o spread médio não teve nenhuma redução. Ao contrário, subiu de 27,4% em julho para 28,1%, segundo dados do Banco Central até fevereiro. Os dirigentes do setor privado alegam que essa margem cresceu por causa da inadimplência que, de fato, aumentou. Em entrevista durante a viagem aos Estados Unidos, Dilma considerou esse argumento uma mera “desculpa” ao comentar que a inadimplência na Europa hoje é elevadíssima e nem por isso os spreads cobrados pelos bancos europeus são os mais altos do mundo.

“Essa é uma briga de governo e a entrevista do ministro Mantega, hoje, não foi por acaso”, disse a fonte do Palácio do Planalto. Usar os bancos públicos – Banco do Brasil e Caixa – para liderar o processo de redução dos juros e dos spreads também “é uma política de governo”, completou, garantindo, ainda, que a presidente “tem uma estratégia”. Essa começa com a ação dos bancos públicos, cuja tática concorrencial é reduzir a margem, aumentar o volume de crédito e diminuir a inadimplência. Ao fim desse processo, acredita o governo, BB e Caixa sairão mais fortes e lucrativos. Mas haveria, também, outras armas que as fontes envolvidas nessa questão não antecipam.

A experiência da crise global de 2008/2009 foi emblemática para os bancos oficiais. Em dezembro de 2007 eles respondiam por 34,07% do crédito total e os privados, por 65,92% (sendo 43,82% dos nacionais e 22,1% dos estrangeiros). No auge da crise, o governo acionou suas instituições para ofertar crédito à economia, já que os bancos privados se retraíram e a recessão poderia ser mais profunda e duradoura. Hoje as instituições públicas detêm 43,78% do mercado de crédito e os bancos privados, 56,21% (38,99% dos nacionais e 17,21% dos estrangeiros), segundo dados do Banco Central de fevereiro.

Se o sistema privado não se mexer agora, pode perder mais mercado, avisou o ministro da Fazenda aos dirigentes dos bancos, na primeira reunião no fim de março.

A queda de braço entre governo e sistema financeiro em torno do spread é antiga, mas crises externas e internas sempre adiaram uma solução. Os bancos privados alegam que a margem bruta é elevada, mas há um oceano de custos envolvidos, parte deles impostos pelo governo, e o spread líquido (margem de lucro) obedece a padrões internacionais. A área econômica do governo rechaça essa tese e diz que já é hora de se discutir, no país, a produtividade e o lucro dos bancos.

Para o Planalto, a história está apenas começando. O que não está claro, no momento, é se o presidente da Febraban prosseguirá como o principal interlocutor do ministro da Fazenda.

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Fonte: Valor