Os procuradores do Pará, Rio Grande do Sul e de São Paulo merecem o apoio da consciência nacional do país tupiniquim porque, ao ajuizarem processo judicial contra uma das figuras mais emblemáticas da ditadura militar brasileira, estão absolutamente antenados ao pleno desenvolvimento de nossa dimensão democrática.

Acontece que Sebastião Curió, além de ter cometido os crimes ora denunciados por nossos corajosos procuradores federais, certamente realizou muitos outros e dentre eles está no fato de ter liderado, no curso dos anos que se seguiram ao contencioso, as famigeradas operações de limpeza a todo e qualquer vestígio aos acontecimentos insurgentes das matas do Pará.

A ordem era apagar tudo, violar túmulos nas selvas, incendiar corpos ou jogá-los nos caudalosos rios Araguaia ou Tocantins.

Os pouco afeitos ao tema devem perguntar: o que foram as operações de limpeza?
  
Com a débâcle do movimento guerrilheiro, toda a região do Araguaia fora esquadrinhada por agentes repressivos que atuaram para recolher os restos mortais daqueles que lutaram nas selvas amazônicas, sempre em condições desiguais, e destinaram os despojos de dezenas de brasileiros à condição de “eternos” desaparecidos políticos.

A primeira operação deste tipo, em 1976, contou até com a presença do General Euclides Figueiredo que à época chefiava a 8ª Região Militar com sede na cidade de Belém. O general citado acima era irmão de outro general, o João Baptista, que logo depois seria o último militar a ocupar a presidência do país.

Isso vai sempre nos sugerir que tais ações sempre contaram com a orientação e apoio das mais altas esferas do poder de então, ocupada à época por estreludos generais. É fundamental asseverar que a própria ordem de eliminação dos combatentes fora dada pelos presidentes Garrastazu Médici e Ernesto Geisel. O agora denunciado Sebastião Curió revelou em 2009 aos jornalistas Leonencio Nossa e Dida Sampaio de “O Estado de São Paulo” que 41 guerrilheiros do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) foram presos vivos e depois sumariamente executados, tudo de forma fria e covarde.     

No curso das pesquisas realizadas nos últimos anos revelam que várias operações de limpeza foram realizadas na região conflagrada do Araguaia e é possível que até 2004 tenham ocorrido ações deste tipo.

Eu e Diva Santana, irmã da desaparecida política Dinaelza Santana Coqueiro, escutamos de um ex-militar, ainda no período dos trabalhos do Grupo de Trabalho Tocantins (GTT) do Ministério da Defesa que, naquele ano, uma operação de limpeza fora realizada na “Base de Selva Cabo Rosa”, sediada nas cercanias da cidade de Marabá, sul do Pará. Naquele episódio tal ex-militar teria visto Sebastião Curió no 52º Batalhão de Infantaria de Selva (Bis), primeiro dos cinco quartéis construídos na Transamazônica para combater as Forças Guerrilheiras do Araguaia.

É bom que se diga que em 2004 o governo de Lula instituiu uma comissão interministerial para atuar na questão dos desaparecidos políticos do Araguaia e tal comissão esteve na “Base de Selva Cabo Rosa” apartir de uma denúncia de outro ex-militar que anonimamente indicava um local de inumação de combatentes araguaianos. Tal comissão de Brasília não logrou êxito nas buscas realizadas naquela base do Exército brasileiro.

Neste caso há uma flagrante quebra de hierarquia porque é o Presidente da República o principal comandante de nossas forças armadas.

Não tenho dúvidas de que o Coronel Sebastião Curió continua bastante ativo, sempre no sentido de pôr para baixo do tapete da memória nacional os crimes cometidos pela ditadura militar, onde o mesmo foi um dos seus principais protagonistas.

No caso brasileiro não há torturadores ou generais brutamontes de pijamas. Todos aqueles que têm sangue nas mãos e assassinatos sobre os ombros continuam operando para que nunca saibamos de seus intentos criminosos. O caso de antigos agentes do DOI-Codi encastelados na Agência Brasileira de Inteligência, no Pará, é bastante emblemático.

Nos dois últimos anos Curió tem sido denunciado por promover ameaças, intimidações e até assassinatos contra antigos colaboradores (como é o caso de Raimundo Clarindo do Nascimento, o “Cacaúba”, morto em junho de 2011 na Serra Pelada, município de Curionópolis-Pa) e ex-militares que resolveram falar sobre tais operações de limpeza.

Cabe ressaltar que os ex-soldados foram os primeiros a confirmar que de fato ocorreram as canhestras operações de limpeza no Araguaia e, inclusive, realizaram extensos depoimentos à Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos da Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República no final do primeiro semestre de 2011.

A prisão imediata do Coronel Curió é uma necessidade histórica para que o país conceda aos familiares dos desaparecidos políticos na guerrilha do Araguaia o secular direito de promover a última e digna morada para aqueles brasileiros, os verdadeiros heróis, como muitos outros, de nossas liberdades públicas. 

Enquanto não esclarecermos os violentos acontecimentos do período ditatorial brasileiro (1964-1985) e punirmos severamente seus autores e beneficiários estaremos sempre um passo atrás na conquista de amplos direitos para a imensa maioria de nosso povo. A plena realização do direito à memória e à verdade é uma exigência para o futuro de progresso social e conforto espiritual que haveremos de construir no país brasileiro.

Fonte: blog do autor