Além dos aspectos políticos e jurídicos envolvidos, há também questões ideológicas – ou filosóficas, se preferir – que fundamentam as visões antagônicas. Elas dizem respeito ao papel do sindicato, sua natureza, e a natureza de suas relações com o Estado, com a categoria que representa, e com os patrões aos quais, em tese, se contrapõem.

Aqueles que defendem a pluralidade sindical, o fazem em nome de uma liberdade teórica, cara ao liberalismo burguês, que permitiria ao trabalhador “escolher” o sindicato de sua preferência, de acordo com sua própria orientação política e ideológica. Formalmente, um trabalhador católico se filiaria a um sindicato católico; um comunista, a um sindicato comunista; o eleitor de Lula seguiria um sindicato que o apoiasse, ao contrário de um eleitor do PSDB que preferiria um sindicato tucano. E assim por diante.

A questão do financiamento do sindicato e da central seguiria uma lógica semelhante, derivada da opção individual por uma entidade que prestasse os melhores serviços para o trabalhador. Isto é, o trabalhador ficaria livre para pagar o sindicato, como é livre para pagar mensalidades de um clube ou de uma academia de ginástica, subordinando sua decisão à qualidade dos serviços prestados em troca do dinheiro com o qual pagou pela mensalidade.

O ponto de vista ideológico, neste caso, diz respeito à opção individualista ou coletiva (classista) de encarar a organização sindical.

A opção individualista está ancorada, desde a época da Revolução Francesa (quando os sindicatos começaram a ser organizados), na ênfase de uma relação contratual, na qual patrão e empregado seriam atores movidos apenas por sua vontade individual soberana e pela defesa de interesses particulares.

A ação sindical vista assim, deixa de ser um direito e transforma-se num serviço. E o trabalhador, nessa relação, perde a cidadania e veste a máscara do consumidor. Esta maneira de ver reduz a relação patrão-empregado ao confronto de duas vontades individuais, disfarçando, ou mesmo eliminando, a contradição de classe que permeia a troca entre patrão e empregado (em que o trabalhador vende sua força de trabalho pelo salário pago pelo patrão).

Desta forma, a relações sociais nos locais de trabalho, de compra e venda de mercadoria e mesmo de convivência entre as pessoas se reduz aos azares de relações pessoais.

A opção contrária, coletiva (classista), enfatiza, por sua vez, os interesses dos trabalhadores e o conflito fundamental entre o capital e a força de trabalho. Esta concepção considera os trabalhadores em seu conjunto. Neste sentido, a tradição operária aponta para a busca e para a construção da unidade de ação – e para a unicidade, e não pluralidade, sindical. A defesa e manutenção dos sindicatos é, nesta forma de ver, uma tarefa da classe trabalhadora em prol de seus interesses.

Feito este preâmbulo, consideramos agora a organização sindical brasileira.

Uma de suas bases é a universalização da representação – a organização sindical por categoria. Este modelo seria quebrado se passar a prevalecer a ideia de que os sindicatos representam apenas seus filiados. Está em jogo, nesta questão, a sustentação dos sindicatos. A ideia de flexibilizar a contribuição sindical, subordinando-a ao princípio da adesão ou decisão pessoal é, na verdade, uma forma de rachar a unidade e fragmentar o movimento. Por isso a contribuição dos trabalhadores para o custeio dos sindicatos precisa ser universalizada.

Cabe ressaltar que o verdadeiro papel dos sindicatos vai além da defesa dos interesses imediatos dos trabalhadores (salários, condições de trabalho, duração da jornada de trabalho, etc benefícios que derivam de sua luta e se estendem ao conjunto da classe). Seu compromisso extrapola os sindicatos e trabalhadores filiados. Os sindicatos, sobretudo, servem para formar cidadãos e estabelecer a coesão dos trabalhadores em defesa de seus interesses. Servem para garantir a regulação da ação do capital, o estabelecimento de leis de proteção contra a ganância do lucro máximo e, no limite, o despertar dos trabalhadores para novas formas de sociabilidade que superem as limitações do grosseiro economicismo vigente na sociedade capitalista.

Estas contradições comparecem com força ao debate contemporâneo. A resistência contra o pluralismo sindical é antiga. Já no início da década de 1950, Evaristo de Moraes Filho alertava para os riscos do pluralismo, em seu clássico O problema do sindicato único no Brasil: “Com a pluralidade fomentaríamos a criação de pequenos sindicatóides oriundos de desavenças doutrinárias, ideológicas, políticas, confessionais, ou de interesses talvez desonestos de uma minoria de trabalhadores ou mesmo de parte do patronato”. O risco apontado por ele é inequívoco: a divisão, a fragmentação e o enfraquecimento da luta dos trabalhadores numa circunstância em que, convivendo com múltiplas representações sindicais, entrariam inevitavelmente em concorrência dentro da própria classe, dentro da mesma categoria profissional.

A luta dos trabalhadores brasileiros por sindicatos livres já é secular, mas foi apenas nas últimas décadas que ela se configurou em organizações autônomas e independentes da ação do Estado. Tem razão aqueles que acusam a legislação trabalhista e sindical de, no passado, submeter os trabalhadores e suas organizações ao controle do Estado. Desde a década de 1930 os sindicatos, para serem reconhecidos, eram obrigados a obter as famigeradas “cartas sindicais” atribuídas pelo Ministério do Trabalho e ficavam efetivamente submetidos a ele, quase como organismos da ação oficial entre os trabalhadores. O Ministério monitorava as eleições sindicais, impunha estatutos, estabelecia regras para a realização de assembleias e eleições, determinava a forma de empregar recursos financeiros dos sindicatos e assim por diante. Mas a estrutura criada por Getúlio Vargas, no ensejo de suas ambigüidades, apesar de autoritária, garantiu o sindicato único para categorias, condição essências para realização de grandes greves.

E este quadro de subordinação, mantido pela Constituição de 1946 e agravado durante a ditadura militar de 1964, com suas intervenções em sindicatos, deposições de diretorias, prisões e perseguições contra lideranças sindicais muitas das quais pagaram com a vida a ousadia de enfrentar o arbítrio, mudou radicalmente com a Constituição de 1988. A Constituição Cidadã, de 1988, que está em vigor, assegura a liberdade de organização sindical ou profissional e reconhece os sindicatos como representantes legítimos e soberanos dos trabalhadores. Ao assegurar a unicidade e indicar as formas de custeio da atividade sindical a Constituição criou condições para o fortalecimento da ação sindical. Um outro passo importante foi dado em 2007 com o reconhecimento, pelo governo federal, das centrais sindicais como legítimas representantes dos trabalhadores, o que assegurou o repasse de recursos para seu financiamento.

Não se pode confundir este reconhecimento, pelo Estado e pelo governo, das entidades sindicais e o respeito à sua autonomia, com a subordinação das entidades ao Estado e a criação de obstáculos para sua ação livre. Aliás, foram os próprios trabalhadores e dirigentes sindicais que encontraram a maneira avançada de assegurar a diversidade mantendo a unicidade. Ela se deu através das centrais sindicais que, filiadas a orientações políticas e ideológicas diversas, aceitam a filiação de sindicatos simpáticos a uma ou outra forma de pensar (eis aí a pluralidade, que se manifesta no âmbito das entidades gerais) mas garantem sua ação comum, unitária, no  nível mais elevado da atuação compartilhada das centrais em torno de programas unitários decididos de comum acordo entre elas.

O debate sobre a reforma sindical não deve focar-se na falsa controvérsia da unicidade versus pluralidade. É fato que o movimento sindical fortaleceu-se sobremaneira no Brasil com a democratização, a ponto de, dos seus quadros ter surgido um presidente da República. Cresceu a sindicalização, o poder de negociação, as centrais foram reconhecidas, os sindicatos são figura fundamental no arcabouço institucional do país, fato que vai contra a corrente que empurrou, em diversas regiões do planeta e especialmente nas economias centrais, o sindicato para um papel secundário e coadjuvante no movimento político.

Como explicar tal movimento à luz dos que consideram que a unicidade sindical é o mal de todos os males do movimento sindical brasileiro? É simples, esta não é a contradição e o problema central do movimento dos trabalhadores. Devemos lutar para reforçar os sindicatos, ampliar sua representatividade, democratizá-los. Muito se fez nos últimos anos e devemos fazer mais, pela via do reforço da unidade de ação entre as centrais e de seu programa comum já rascunhado nas Marchas dos Trabalhadores e na CONCLAT de 2010.

Há questões fundamentais de reforma sindical que devem ser abordados, como o direito à representação sindical por local de trabalho e a superação dos obstáculos à livre ação sindical impostos especialmente pelo Ministério Público do Trabalho.

Podemos avançar para estabelecer critérios comuns dentre as centrais sindicais visando democratizar as entidades, garantir eleições livres e justas, para que o pluralismo político da sociedade possa se manifestar claramente no interior de cada sindicato.

* Wagner Gomes é presidente da CTB; João Carlos Gonçalves (Juruna) é secretário-geral da Força Sindical