O mote midiático é demonstrar que a República Democrática e Popular da Coreia é uma anomalia internacional. Uma verdadeira entidade “maléfica”, pronta a invadir o seu vizinho do Sul e se possível se aliar e promover o terrorismo internacional. È apresentada como uma ameaça real à paz mundial. Um país que literalmente está matando seu povo de fome. Algo abominável cujo destino deveria ser o mesmo da Líbia de Kadhafi e do Iraque de Saddam Hussein. Um regime de “loucos”, agora prontos a explodir uma bomba nuclear no momento e na hora que acharem necessário. Esta história já conhecemos: é a mesma cantilena amplificada pelo imperialismo desde que em 1786 lançou-se em suas aventuras guerreiras externas. Ao desprover de história um país de 25 milhões de habitantes, busca-se condições objetivas ao fim de dominação. Mas a Coreia do Norte não é a Líbia ou o Iraque.

Aquele mesmo país que propugna os “direitos humanos” e a “democracia” foi capaz de destruir cada pilastra em pé da capital norte-coreana, Pyongyang, durante uma das mais brutais guerras do século XX. Além da Guerra do Vietnã, a chamada Guerra da Coréia (1951-1953) terminou com um armísticio em que a face da derrota não esteve com os coreanos do norte. Foi a primeira guerra em que os Estados Unidos, desde sua independência, tiveram de assinar um cessar fogo sem os louros da vitória. Evidente que dentro de uma subjetividade guerreira, assassina e suja, este mesmo regime que fez o imperialismo sentir o gosto da derrota, deveria ser derrotado e se possível ter sua terra salgada conforme feito pelos romanos em Cartago.

Essa condição de quase vitoriosa numa guerra com o mais brutal poder militar da história humana fez a Coreia do Norte desde então lutar diariamente pela sua sobrevivência como país. Fundada no bojo da ação de guerrilhas camponesas lideradas na década de 1930 por Kim Il Sung contra o nada democrático ocupante japonês, chegou ao poder em 1945 no embalo da vitória dos aliados na Segunda Guerra Mundial. Membro da chamada Comunidade Socialista, desde o princípio buscou construir sua independência diante de seus próprios aliados. Forjou uma subjetividade de “autodeterminação” (Juche), constituiu sua própria base industrial e ainda no final da década de 1970 estava entre os 25 países mais industrializados do mundo, à frente da própria Coreia do Sul. Sempre fustigada pela presença do inimigo do outro lado da fronteira (30 mil soldados e ogivas nucleares acantonados no sul da península) tem passado por uma verdadeira prova de fogo desde o fim do bloco socialista no início da década de 1990, momento em que 78% de seu comércio externo desapareceu da noite para o dia.

Em 1994, morre Kim Il Sung o fundador do país, figura tida pelo ex-presidente Jimmy Carter como um dos “maiores estadistas do século XX”. As ameaças do imperialismo recrudescem a ponto de se impor um mortífero bloqueio econômico e financeiro. Algo de maior alcance que o imposto à Cuba e ao Iraque em seu tempo. A verdade é que a Coréia do Norte passou a ser a nação do mundo mais bloqueada, ameada e difamada desde o início da era dos Estados Nacionais formados na Europa no final da primeira metade do século XIX. Sua soberania é mantida a um grande custo financeiro que teve ápice há alguns anos atrás. A solução nuclear foi um imperativo diante de mais de 100 ogivas nucleares apontadas para o seu território e de ameaças cotidianas por todas as vias possíveis. O objetivo estratégico de reunificação com o sul da península tem sido solapado dia após dia pela própria presença do imperialismo na região. A solução pacífica do dilema da unificação coreana é algo cada vez mais distante diante de um imperialismo capaz de responder com mais violência diante de sua própria decadência.

É tarefa de todos os progressistas do mundo conhecer a real dimensão das opções norte-coreanas sob um verdadeiro cerco e aniquilamento imposto externamente. A defesa do direito à existência da Coreia do Norte se confunde com o próprio direito humano à vida. É algo de muito maior alcance do que nós próprios imaginamos.