Dia 15 de setembro de 2008, quebrou o Lehman Brothers. O bancão estava carregado de ativos tóxicos, morreu de overdose. A crise financeira americana contaminou a sua economia real e espalhou efeitos pela Europa e pelos países em desenvolvimento. Relembrando a origem da crise: a economia americana estava crescendo por mais de 20 anos, com emprego e renda se elevando lentamente; mas, de forma contínua; os Estados Unidos tinham uma economia com baixas taxas de juros orientadas pelo Fed (o banco central americano) – o que proporcionava rendimentos inferiores aos desejados pelas instituições financeiras em suas operações tradicionais de crédito.

Em paralelo, durante esses anos, Margareth Thatcher e Ronald Reagan patrocinavam a desregulamentação financeira e a, consequente, globalização dos mercados especulativos. Diante desse cenário, o sistema financeiro inventou o subprime financeiro. Subprime (traduzindo: abaixo dos primeiros, dos melhores) seria aquele cidadão que, avaliado por critérios rigorosos, não teria condições de contrair um empréstimo para comprar um imóvel porque tinha um emprego precário, uma renda variável e perspectivas profissionais limitadas. Mas, milhares de cidadãos sub-prime contraíram empréstimos porque se dispunham a pagar juros mais elevados aos bancos que estavam ávidos por ativos de alto rendimento, embora também representassem alto risco.

Tudo ia muito bem… até que, em 2006, a economia americana desacelerou, o desemprego aumentou, os juros das prestações sub-prime se tornaram impagáveis e a inadimplência chegou para ficar. Não foram somente os cidadãos subprime que foram atingidos – tendo que entregar suas casas. O sistema financeiro também foi atingido. Os bancos emissores de empréstimos subprime tinham vendido títulos a outros bancos prometendo juros também elevados lastreados nos empréstimos arriscados concedidos aos cidadãos subprime. Aquelas instituições financeiras que concederam empréstimos não recebiam os pagamentos esperados – e, em consequência, não podiam honrar a rentabilidade dos títulos que tinham vendido. Aquelas que compraram títulos lastreados na rentabilidade de empréstimos do tipo subprime tentavam vender os títulos que se tornaram invendáveis – um conjunto de títulos que só possuíam vendedores… e nenhum comprador – foi classificado como lixo tóxico, coisa que ninguém quer, é substância que agride a saúde financeira de quem tem contato com a sua “radioatividade” (nada produzem de rendimento e nem é possível se livrar deles).

Os títulos lastreados nos empréstimos subprime cruzaram o Atlântico. A toxicomania chegou a Europa. Mas, quem poderia desconfiar da liquidez desses papéis? Afinal, eram vendidos pelos maiores bancos do mundo e recebiam a nota máxima de segurança dada pelas três maiores agências de rating do planeta. O Presidente Bush e sua equipe econômica deveriam ter socorrido os cidadãos subprime, pagando a prestação integral daqueles que ficaram desempregados e pagando, quando fosse o caso, os juros dos empréstimos para aqueles que não teriam condição de fazê-lo. Uma política dessa natureza teria cicatrizado a “ferida” inicial e impediria a “hemorragia” social, econômica e financeira que se espalhou pelo mundo. Entretanto, esta era uma tarefa impossível: socorrer o “andar de baixo” não está no DNA republicano e muito menos nos ensinamento dos cursos de economia americanos (e em muitos cursos brasileiros também). Os assessores de Bush eram acadêmicos conservadores e altos executivos do mercado financeiro.

A opção foi socorrer somente o “andar de cima”. Empréstimos, ajudas, capitalizações, doações e desonerações socorreram bancos e grandes corporações. Era preciso sim socorrer as grandes corporações; mas, a conta deveria ser paga também com o patrimônio de seus grandes proprietários, assim como dirigentes executivos milionários dos bancos deveriam ter sido afastados em definitivo e substituídos por interventores do setor público que teriam a obrigação de atingir metas de recuperação com prazos determinados. Ademais, os profissionais e/ou proprietários responsáveis pela crise deveriam ter sido proibidos de continuar atuando no ramo.

O resultado dessa política para o “andar de cima” foi, em primeiro lugar, que as grandes instituições financeiras e corporações foram recuperadas e, em segundo lugar, que seus grandes proprietários e dirigentes continuam ricos e atuando no ramo – esta também foi a estratégia de salvação adotada na Europa. Entretanto, o resultado para o “andar de baixo” foi trágico: trabalhadores e mutuários ficaram desamparados e perderam o que tinham, ou seja, seus empregos, suas casas e seus sonhos. Estados Unidos e Europa “saíram” da crise de 2008 com suas grandes empresas recuperadas, com exceção do Lehman Bros. Mas, suas economias estão com mercados domésticos enfraquecidos devido ao desemprego e a falta de crédito. Seus Governos estão sem capacidade de investir já que suas dívidas públicas cresceram demasiadamente devido ao socorro que prestaram. E, seus orçamentos estão fragilizados devido à queda de arrecadação de impostos – decorrência direta de economias com baixo crescimento.

O resultado da aplicação dessas políticas equivocadas nos Estados Unidos e, principalmente, na Europa, é que estão a um passo do precipício em 2011. E, se aproximam cada vez mais do abismo quando apontam como solução o corte de gastos públicos, a redução de direitos sociais, o corte de salários e a demissão de funcionários públicos. Se seguirem esse caminho, os países europeus vão enfraquecer ainda mais seus mercados domésticos, vão crescer menos, vão arrecadar menos, vão aumentar suas dívidas públicas… vão mergulhar no fundo da crise.

Só há uma saída para a Europa, fazer exatamente o contrário do que estão tentando fazer. Devem fazer o que Brasil fez em 2008/2009: socorrer o “andar de baixo”. Devem ampliar o gasto público em programas sociais, elevar salários, reduzir o imposto de renda daqueles que possuem renda mais baixa e ampliar o valor do seguro desemprego. Somente socorrer o “andar de cima”, comprando títulos da dívida pública é necessário, mas não será suficiente. Esta medida acalma o sistema financeiro, mas manterá o desemprego elevado em economias fragilizadas e congeladas em estado de semi-estagnação. A saída definitiva está na recriação de um forte mercado doméstico de consumo de massas para favorecer o “andar de baixo” e dinamizar a economia européia.

(*) Professor-Doutor do Instituto de Economia do Rio de Janeiro.