Lessa avalia que a presidente Dilma Rousseff caminha na direção correta, porém com muita timidez. Na Assembléia Geral das Nações Unidas (ONU), Dilma criticou duramente as políticas de corte de gastos aplicadas em Estados Unidos e Europa, sob pretexto de combater a crise. No entanto, no Brasil as modestas quedas dos juros têm tido, como contrapartida, aumentos do superávit primário (desvio de recurso para pagar juros), que representam cortes nas verbas que poderiam garantir mais investimento público ou aplicadas na área social.

China

Outros analistas ouvidos pelo MM concordam que o governo devia ter uma estratégia mais ousada para aproveitar as oportunidades que a crise pode oferecer. A China é o exemplo mais citado como país de bom planejamento. Em 2000, os chineses respondiam por 6,6% do total do valor adicionado gerado pela indústria mundial, enquanto os EUA detinham 26,6%. Em 2009, os números modificaram-se para 15,6% e 18,9% e, respectivamente.

Adhemar Mineiro, do Dieese, ressalva que o setor produtivo dos EUA transferiu algumas atividades para a China: "Isso prejudicou um pouco o México das maquiladoras. Além da questão da complementaridade industrial, a China possui títulos públicos do Tesouro norte-americano, o que garante certa cumplicidade, mas existe também a estratégica chinesa de não ter relações exclusivas com os EUA, e, sim, se articular com a própria Ásia e outras regiões. Afinal, o país continua governado por um partido comunista e isso influi fortemente nas estratégias."

Oportunidades

Para Lessa, as oportunidades que naturalmente surgem nas crises se potencializam pelo fato de que os países ricos devem se manter estagnados por longo período: "Desde 2008, venho dizendo que a crise veio para ficar. Os bancos acumularam um endividamento colossal em euro – dívidas de países e pessoas – e (ao serem salvos) construíram enormes carteiras com base em dívidas soberanas de países que não comandam suas moedas. Por isso, já quebraram Irlanda, Islândia, Grécia e outros estão a caminho", destaca.

Lessa lembra que os bancos privados se retraem quando o risco aumenta: "Em 2008, o Brasil teve os bancos públicos a seu favor. Lula teve, inclusive, de demitir o presidente do Banco do Brasil, que não queria emprestar. Mas o país não insistiu nesse caminho nem construiu outro padrão. E abrimos mão de impor salvaguardas para nossa economia", critica, alertando que, historicamente, as crises fazem desaparecer uma "quantidade gigantesca de capitais, não ativos reais, mas direitos e obrigações". Isso, segundo Lessa, abre espaço para o investimento produtivo.

Halliburton subsidiada

Por sua vez, José Eduardo Cassiolato, coordenador da Rede de Pesquisa em Sistemas e Arranjos Produtivos e Inovativos Locais (Redesist, ligada à UFRJ), observa que o investimento estrangeiro, mesmo em pesquisa e desenvolvimento (P&D) deve ser visto com cautela: "As remessas de lucro estão explodindo e não é a toa que as montadoras transnacionais aqui instaladas estão preocupadas com os chineses", observa Cassiolato, que identifica falhas na política industrial recém lançada pelo governo:

"Parte da política industrial se baseia no incentivo ao ingresso de recursos para P&D. Nessa linha, estamos dando incentivos, por exemplo, para a petroleira Halliburton, que nos EUA, seu país de origem, é empresa de segurança nacional."

Para Cassiolato, mesmo a política industrial sinalizando para a troca de apoio pelo comprometimento com as estratégias de inovação, as multinacionais pouco se preocupam com subsídio.

"Elas preferem protecionismo para elas. Por isso, a estratégia do Brasil é um pouco ingênua, pois com o centro em crise, as grandes empresas buscam espaço de acumulação na periferia. Como a China, por exemplo, impõe restrições, países como o Brasil se tornam ainda mais atraentes."

Para o economista, o país precisa identificar áreas estratégicas para buscar inovação: "Uma política industrial que se diz estratégica e diz que todos os setores são importantes não está fazendo escolha e o país não tem como bancar tudo."

Coordenação tem limite

Por sua vez, Lauro Vieira de Faria avalia que o Brasil hoje está mais forte do que há dez anos, por causa das reservas internacionais. Ele considera que o país tem a possibilidade de baixar juros no longo prazo, mas deve se precaver, inclusive com cortes de gastos, contra a disparada do dólar.

"É falsa a idéia de que o país possa estar descolado do que acontece no resto do mundo, como foi apregoado no governo passado. Na incerteza, os investidores correm para o mais seguro, que ainda são os títulos dos EUA, os metais, como o ouro, ou as commodities.", frisa.

Para o economista, a cooperação no âmbito de fóruns como o G20 é necessária, mas deve ser acompanhada de políticas de médio e longo prazos:

"Alguns países acumularam reservas fantásticas e não aceitam valorizar suas moedas. É um desequilíbrio típico, que supõe mudança na política interna do país", disse, referindo-se à China.

"A crise é no centro do sistema. Será muito difícil escapar de uma recessão mundial. Comparado com os Brics, o Brasil está crescendo menos. Já em relação a América Latina, ficamos na média", lembra.

Educação

Luiz Carlos Prado, professor da UFRJ e presidente do Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento, concorda que há limites para a eficácia da coordenação entre as políticas econômicas: "Houve tentativas de coordenação, mas a eficácia é muito limitada. Num momento como o atual, a Europa tem sua própria agenda e os EUA também, até porque estão envolvidos em questões domésticas muito complicadas. Difícil encontrar um espaço de cooperação."

Prado não vê fundamentos no Brasil para a disparada do dólar além de movimentos especulativos. Para ele, a questão cambial será realmente equilibrada quando o país praticar juros alinhados com a média internacional.

Ele concorda que o país cuide da conjuntura, mas defende que olhe para o longo prazo, priorizando a Educação: "Há consenso neste sentido", afirma.

Prado reitera que a queda dos juros abre espaço para o investimento, mas alerta que a gestão macroeconômica deve evitar que esses recursos extras não sejam canalizados para outros fins. O economista discorda dos que vêem o país dependente da poupança externa para se desenvolver.

"Se os imóveis e outros ativos estão subindo, significa que existe poupança. Esses ativos podem ir para várias coisas, daí a importância da gestão macroeconômica. Mas a questão não é de poupança, mas de funding. Ou seja, abrindo oportunidade, o investimento aumenta", resume, acrescentando que o ideal é que o crescimento do consumo seja menor que o investimento.

"Na Ásia, investe-se 40% do PIB, mas numa sociedade democrática como a nossa, é muito difícil haver taxa dessa dimensão. No entanto, se voltarmos ao patamar histórico, de cerca de 25%, podemos crescer de maneira sustentável a um ritmo de pelo menos 4% ao ano."

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Fonte: Monitor Mercantil