"Ele é, sem dúvida, o homem mais forte do governo", diz o ex-ministro Delfim Netto, um interlocutor frequente tanto da presidente quanto de Mantega. "Ele mudou de patamar", atesta um colega de ministério.

Essa mudança tem relação direta com a correção de rumo promovida pelo governo, há cerca de um mês, na política econômica. Por causa do recrudescimento da crise financeira nas economias centrais, a presidente Dilma decidiu mudar o mix dessa política. A estratégia passou a ser aumentar o esforço fiscal e, assim, criar condições para o Banco Central (BC) reduzir a taxa de juros, ainda a maior do planeta.

Nesse modelo, em que o governo é obrigado a conter a evolução dos gastos públicos, contra a vontade dos outros Poderes, do funcionalismo público e dos partidos que apoiam a presidente no Congresso, não há espaço para ministro da Fazenda fraco. É por isso que hoje, quando Guido Mantega fala, todos sabem que ele o faz em nome de Dilma.

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Atual prestígio lhe dá o direito de exigir que reuniões, até com ministros palacianos, sejam em seu gabinete

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Na nova fase, o ministro teve que mudar sua política de comunicação. No governo de Luiz Inácio Lula da Silva, gostava, por exemplo, de dar entrevistas e fazer pronunciamentos na portaria do edifício-sede do Ministério da Fazenda, em Brasília. Expressava opiniões pessoais e, muitas vezes, era logo desautorizado pelo Palácio do Planalto. Com Dilma, submeteu-se a um novo ritual.

A presidente tem pavor de improvisos. E não tolera divergências públicas. Mantega é considerado agora, não sem alguma ironia, um "grande comunicador". Não diz nada que não tenha sido acertado antes com Dilma. Definitivamente, não verbaliza o que pensa, mas antes o que combinou com a presidente.

O novo papel inflou o ministro. Ele goza de tanto prestígio que já se dá o direito a dois tipos de capricho: exigir a realização de reuniões sempre em seu gabinete, em vez de no Palácio do Planalto, mesmo com ministros que trabalham na Presidência da República; e não participar de certas solenidades, como a parada cívica do 7 de setembro.

Pessoas próximas dizem que Mantega faz isso não por vaidade, mas para impor respeito e obediência a uma hierarquia criada, na prática, pela presidente Dilma, que optou por consagrá-lo como o principal ministro do governo. A diferença entre essa explicação e a vaidade implícita do gesto de não se "submeter" a reuniões em outros gabinetes que não o seu ainda está para ser identificada.

"Ele é muito cioso da própria autoridade", diz uma fonte. No governo anterior, compartilhou o poder na área econômica em meio a altercações com os dirigentes do Banco Central. Lamentava-se do fato de não influir diretamente em dois dos três pilares da economia – as políticas monetária e cambial, ambas a cargo do BC.

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Paciência foi a chave para a construção de uma agenda que lhe deu prestígio junto a Lula e Dilma

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Na gestão Dilma, deixou claro que não gosta de ver outros ministros falando publicamente sobre economia nem se intrometendo em sua área, o que, aparentemente, vem sendo respeitado. Acertou também que o então ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, não participaria da gestão econômica, no que foi prontamente atendido pela presidente. E estabeleceu com o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, uma convivência pacífica, embora não sem percalços.

Mantega procura preservar o espaço que possui. Em fevereiro, o Valor publicou perfil de Tombini, mostrando sua proximidade da presidente nos dois primeiros meses de governo. O ministro da Fazenda não gostou. Atribuiu a reportagem a uma iniciativa de Tombini e comentou com amigos que Dilma não teria gostado de ver o "excesso de exposição" do presidente do BC na imprensa. O próprio Tombini ficou assustado com a reação de Mantega.

Apesar do episódio, os dois têm boa relação, a ponto de coordenarem ações de governo, como na recente decisão do Ministério da Fazenda de elevar o superávit primário das contas públicas em 2011 e, ato contínuo, o BC reduzir a taxa de juros. Mantega se sente tão à vontade que, em abril, chegou a indicar o economista de um banco privado (Nilto Calixto, do Credit Suisse) para ocupar uma diretoria do BC – Calixto declinou da oferta.

Tombini, segundo fontes bem-informadas, compartilha algumas opiniões com Mantega. Acha, por exemplo, que ele está certo quando diz que os fortes fluxos de capitais recebidos pelo Brasil, provocados em grande medida por políticas monetárias expansionistas de economias avançadas, exercem pressão inflacionária no Brasil.

O presidente do BC concordaria, também, com outra tese de Mantega – a de que a realização de um ajuste fiscal não resolve o problema da apreciação da taxa de câmbio. No curto prazo, sustenta o ministro da Fazenda, a melhora das contas públicas até agrava o problema cambial, à medida que torna o país mais sólido e, portanto, atraente para investidores estrangeiros.

Apoiada por Tombini, essa visão era rejeitada por seu antecessor no Banco Central, Henrique Meirelles. Com este, o ministro da Fazenda travou batalhas ferozes. Em mais de uma oportunidade, foi ao presidente Lula sugerir a demissão do colega de ministério.

Mantega não foi sempre forte. Ironicamente, tornou-se ministro pela primeira vez por obra do acaso. Em dezembro de 2002, recém-eleito, Lula negociava com setores do PMDB a adesão do partido ao governo. Um dos ministérios oferecidos foi o do Planejamento. Na ocasião, Palocci, já escolhido para comandar a Fazenda, chegou a dizer a Mantega que, se Lula não o nomeasse ministro, ele teria um cargo em seu ministério. Durante aquela transição de poder, por não ser político, o hoje ministro da Fazenda teve participação modesta.

O acordo com o PMDB fracassou e Mantega assumiu o Planejamento. Dois anos depois, foi nomeado para a presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e, menos de um ano e meio depois, chegou à Fazenda, que comanda desde março de 2006. Curiosamente, nas transições de governo de 2006 e 2010, seu nome esteve fora das bolsas de aposta. No início deste ano, dentro e fora do governo foi dito que ele ficaria apenas mais seis meses no cargo.

"O Mantega é uma das pessoas mais subestimadas que já passaram pelo poder", define um profundo conhecedor de Brasília.

Quando assumiu a Fazenda, o ministro sabia que a gestão Palocci tinha sido bem sucedida e que o desafio de substituí-lo era imenso. Desde então, Palocci se tornou, para ele, um rival, mais do que isso, uma espécie de fantasma. Aos poucos, Mantega começou a convencer o então presidente Lula a fazer uma inflexão na política econômica, considerada por ele extremamente ortodoxa. Teve, desde o início, o apoio de ninguém menos que Dilma Rousseff, então ministra da Casa Civil.

Mantega construiu, pacientemente, uma agenda que lhe deu prestígio junto a Lula e Dilma, sem falar no PT. O centro dessa agenda é a ênfase no crescimento econômico, o que explica a forma como ele liderou a primeira grande batalha no governo – a definição, em junho de 2007, da meta de inflação de 2009.

O BC queria reduzi-la para 4,25% ou 4%, mas Mantega impediu que isso ocorresse. A meta foi mantida em 4,5%, percentual que vem se repetindo há sete anos e que prevalecerá pelo menos até 2013, o que faz do Brasil um país com uma das maiores metas de inflação do mundo em desenvolvimento. Naquele episódio, Mantega mostrou o que queria: crescimento econômico mais rápido, mesmo que às custas de um pouco mais de inflação.

A partir daquele momento, não só o ideário da política econômica começou a mudar, mas também a composição do governo, que, sob a influência do ministro da Fazenda, passou a contar com presença cada vez maior de economistas de corte "desenvolvimentista", em sua maioria formada pela Universidade de Campinas (Unicamp), a Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP).

Mantega passou a liderar uma agenda de temas politicamente favoráveis ao governo, dentre os quais, a acumulação de reservas cambiais (iniciada três anos antes pelo BC, mas capitalizada politicamente pelo ministro); a quitação do empréstimo do Brasil com o FMI (medida de grande valor simbólico, apesar das críticas feitas por especialistas na ocasião); a adoção de medidas anticíclicas na crise de 2008; a criação de um megaprograma de habitação popular (Minha Casa, Minha Vida); e o aumento da oferta de crédito liderado por bancos estatais ligados ao Ministério da Fazenda, como o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal.

"Ele percebeu que, em Brasília, as mudanças têm que ser feitas aos poucos", diz um interlocutor privilegiado do ministro da Fazenda. Mantega, diz esse observador, é muito seguro de si, embora isso não o impeça de, ao anunciar uma medida, reconhecer que ela possa mudar. "Ele costuma dizer nos anúncios que a medida precisa de 'fine tuning' (sintonia fina)."

Mantega nunca antagoniza com a presidente, nem reservadamente. Dá suas opiniões, discorda, mas, quando a decisão é tomada, passa a defendê-la como sendo de sua autoria. "Ele é 'low profile', tem baixa propensão à vaidade excessiva. Isso dá muito equilíbrio a ele, que não tem apego exagerado ao poder", elogia o professor Luiz Gonzaga Belluzzo, da Unicamp.

Por causa desse temperamento, Mantega já sofreu reveses. Perdeu, por exemplo, batalhas na área fiscal durante o governo Lula. Um ex-ministro daquele governo assegura que ele "sempre teve clareza na questão fiscal", embora sua imagem no mercado seja a de gastador. Em 2008, ele teve dificuldade para convencer o presidente Lula a aumentar, em 0,5 ponto percentual do PIB, o superávit primário. No fim, acabou conseguindo. Graças a Mantega, portanto, o setor público gerou, naquele ano, o maior superávit desde 1998 (3,9% do PIB).

Contribui para a longevidade de Mantega no poder o fato de ele não ter projeto político próprio, ao contrário, por exemplo, de Palocci e de Meirelles. Ele atua como se fosse um funcionário público de carreira, que devota lealdade canina ao chefe. Costuma dizer que, quando deixar o governo, voltará a dar aulas.

O ministro da Fazenda é uma pessoa reservada. Promove segregação absoluta entre a vida pública e privada. Avisa a todos que conhece que não aceita convites para jantar. Não se trata de charme nem de antipatia, mas de disciplina. Como sai tarde do ministério, em geral por volta das 22h, prefere ir para casa dormir e, assim, acordar cedo para se exercitar fisicamente.

Mantega vive sozinho em Brasília de segunda à sexta-feira, na residência oficial dos ministros da Fazenda, localizada na Península dos Ministros, no Lago Sul, bairro nobre da capital. Nos fins de semana, vai para São Paulo, onde tem residência fixa. Sua vida social na capital do poder é inexistente. E mesmo na capital paulista, prefere dedicar-se à família.

O ministro é um apreciador de artes plásticas. Não perde a oportunidade de visitar museus e galerias nem mesmo durante as viagens a trabalho que faz ao exterior. Gosta também de cinema. Amigos e mesmo desafetos o definem como uma pessoa suave, amável, de fácil convívio. Ele é brincalhão, bem-humorado, mas, assim como a presidente Dilma, impõe uma distância regulamentar aos subordinados. Seus amigos o tratam com zelo, de maneira a preservá-lo como figura principal. "Eu sou o 'sparring' dele", diz Belluzzo, numa referência ao pugilista que ajuda no treinamento do lutador principal.

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Fonte: Valor Econômico