Rodrigo Morales está chegando aos 30 anos. Não viveu diretamente o horror da ditadura, mas conheceu gente que transmitiu sua dura experiência. Desde suas vivências, seu amplo percurso por bibliotecas, sua bagagem intelectual e sua juventude, ele fornece uma visão direta do que pensam os filhos de uma geração catalogada como perdida e que fornece hoje novos líderes que trazem ar fresco à desprestigiada classe política chilena.

“O golpe de Estado no Chile mudou para sempre as condições de vida do país. Não só porque interrompeu o projeto da Unidade Popular, mas porque levantou outro mundo, outro imaginário, outra língua. O Chile de Salvador Allende tinha conseguido devolver a dignidade aos trabalhadores, aos estudantes e o golpe de Estado – esse choque provocado pela classe dominante – se encarregou de retirá-la. Não é possível pensar no Chile de hoje sem pensar na ditadura, em suas diagramações, na maneira como edificou o país.

A ditadura executou uma matança bestial. Morreram milhares de pessoas, outras tantas foram torturadas e exiladas. A ditadura, por meio do massacre de um projeto e de seus integrantes, edificou um sistema mercantil, baseado na oferta e na demanda, nas leias da especulação, e levantou uma sociedade submissa amparada no controle do mercado e nas imagens publicitárias.

O golpe de estado operou como vetor “modernizante” e tratou que seu passado fosse esquecido. Pinochet nunca foi julgado, morreu em sua casa; seus parentes próximos foram canonizados e seus aliados políticos, cúmplices de matanças, delitos e saques, ocupam assentos no Parlamento ou são ministros ou fazem parte da direção de empresas que eram do Estado. Essa situação, que é de conhecimento público, faz com que o modelo simbólico e político se encontre em uma profunda crise.

Na democracia, tivemos que conviver com torturadores e assassinos enquanto o acesso ao crédito era o espaço mediante o qual o Chile se modernizava inclusivamente. O resultado disso foi uma sociedade edificada no medo e na convivência com aqueles que instalaram o modelo através da força, da violência, sem lei. Enquanto se importavam objetos de última tecnologia, se construía uma prisão cinco estrelas para torturadores e assassinos. Talvez essa seja a chave para entender a sociedade chilena dos últimos trinta anos. Por meio da modernização tecnológica e da abertura aos ritmos da globalização, exibiu-se as cifras macroeconômicas com as quais o país se apresentava ante seus pares. Por outro lado, em função dos objetivos da ditadura da direita e dos militares, as condições trabalhistas, educacionais, culturais, habitacionais, etc. foram precarizadas.

Todas as condições que se encontra no Chile hoje, nós as devemos ao golpe militar. Ele foi um choque pensado para uma modernização neoliberal que aumentou o poder da classe dominante. Durante os anos noventa se administrou o modelo herdado de Pinochet e se aprofundou uma crise escondida pela ilusão midiática que as cifras de crescimento alimentavam.

Na minha opinião, a elite, com o golpe de Estado de 1973, instalou um modelo em benefício próprio através da matança e da tortura e provocou uma grande transformação, mudando as categorias da linguagem, gerando uma obsessão por objetos e pela propriedade privada, substituindo dignidade por tecnologia, nobreza por humilhação.

Após o golpe, essa elite negociou com forças políticas “democráticas” e foram se aprofundando as brechas sociais entre as classes. Não temos acesso a uma saúde digna – substituída pelo sistema de isapres (instituições privadas de saúde preventiva), de lucros obscenos -, não existe educação de qualidade e gratuita, o sistema de habitações sociais é paupérrimo, o sistema financeiro domina nosso cotidiano, as leis trabalhistas são insuficientes, suas condições humilhantes. Nos últimos trinta anos se criaram guetos de pobreza estereotipados pela violência e pela criminalização. Não se garantem as condições mínimas de existência para um grande número de habitantes.

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Fonte: Carta Maior

Tradução: Katarina Peixoto