Um deles: a crise política – evidente dos dois lados do Atlântico Norte. Outro problema, este não tão novo: o declínio relativo dos EUA e da Europa. O cenário, por um lado, é de vácuo de liderança política nas velhas potências, com rejeição da maioria dos governos pela população. Por outro, EUA e Europa não conseguem exercer como antes a hegemonia no plano mundial. O mundo parece caminhar para uma multipolaridade fragmentada e instável.

O declínio é mais nítido na Europa, às voltas com uma crise tremenda na área do euro que, no limite, coloca em risco todo o projeto de integração europeu. A crise atual deixou evidentes as fissuras da institucionalidade europeia.

Por exemplo: a dificuldade de manter uma união monetária, em tempos de crise, sem união fiscal e, sobretudo, união política. Quando os ventos sopravam a favor, era possível manter na sombra as incoerências do projeto de integração econômica e monetária. Desde 2010, entretanto, multiplicam-se os sinais de que a área do euro não dá conta das tensões desencadeadas pela crise. Os problemas acumulados ou disfarçados durante a fase de bonança estão estourando todos mais ou menos ao mesmo tempo.

Os abutres do mercado financeiro, que ajudaram a financiar muita irresponsabilidade nos bons tempos, agora sobrevoam as ovelhas vulneráveis do rebanho europeu. Não só Grécia, Irlanda e Portugal, que já caíram nas garras da crise, mas até mesmo as economias muito maiores de Espanha e Itália.

Nos EUA, o quadro é de crescente fragilidade política. O processo tortuoso que levou à aprovação, na undécima hora, do aumento no limite de endividamento do Tesouro, provocou enorme desgaste da credibilidade dos EUA, já abalada pelos desmandos financeiros que levaram à derrocada em 2008.

A isso se soma a acumulação de evidências de que a economia dos EUA não está mesmo em recuperação. O nível de atividade cresce pouco, o desemprego permanece alto. Nesse ambiente, a solução dos problemas fiscais fica muito mais difícil. A crise política solapa a confiança e atrasa ainda mais a normalização da economia.

Quais as consequências disso tudo no plano internacional? O espaço só permite tratar de uma delas: a inevitável redistribuição do poder, não só econômico, mas também político. O primeiro movimento, o econômico, estava em curso mesmo antes da crise de 2008-2009. China, Índia, Brasil e outros emergentes vinham aumentando a sua participação na economia mundial. Com a crise, essa tendência se acelerou. O segundo movimento, o político, é mais lento. EUA e Europa resistem, não raro com certa ferocidade, a ceder espaço nas instituições internacionais.

No que se refere ao plano financeiro internacional, posso dar o meu testemunho pessoal: em 2011, com o recrudescimento da crise econômica, especialmente na Europa, as potências tradicionais se agarram a seus privilégios, mostrando-se ainda mais resistentes a compartilhar decisões com meros "emergentes". A China, pelo seu tamanho e – não esquecer – poder militar, não pode ser inteiramente ignorada. Mas os demais emergentes, mesmo os outros Brics, tendem a ser deixados mais ou menos de lado no curto prazo.

Espero estar errado, mas tudo indica que a economia mundial e as relações internacionais passarão por um período extremamente difícil e que esse período de dificuldades não terá vida curta. A primeira metade do século XXI poderá se revelar tão turbulenta e violenta quanto a primeira do século XX.

Escrevi este artigo ao lado da minha primeira e até agora única neta: a fofíssima Helena. Que o avô se mostre um profeta fracassado e os problemas acima discutidos não atrapalhem a geração dela!

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Fonte: O Globo