O conjunto de ações administrativas, incentivos e subsídios carimbado pelo marketing do governo como programa “Brasil Maior” parece abrigar outra preocupação. Em língua de rua, o que parece se pretender é “segurar as pontas” dos danos causados pela valorização do real e da guerra comercial em que as economias, especialmente aquelas de massa, como a brasileira, estão envolvidos.

Salta aos olhos, nesse aspecto, a lista de providências na área da defesa comercial. Não há mais a menor dúvida de que a guerra por mercados, na qual a China é o protagonista mais agressivo, faz tempo fez com que regras e normas do comércio internacional organizado fossem jogadas no lixo.

Falsificações de origem, triangulação de exportadores (por exemplo: produtos chineses chegam pela Argentina, aproveitando as vantagens dos acordos entre os vizinhos) e outras ilegalidades do tipo, vitaminadas pelo real valorizado, promovem concorrência desleal que agora promete ser atacada com mais eficiência pelo governo.

O fato é que já deveria ter sido atacado com método e rigor muito antes. Mas chamar tais ações de defesa comercial de “política industrial” talvez seja um pouco forte demais. Detalhe: classificá-las como “protecionismo” é, do mesmo modo, forte demais. Trata-se de proteção legítima, pois, por mais competitivo que possa ser, nenhum empreendimento é capaz de enfrentar piratarias e outras contravenções.

Existem, de qualquer modo, aspectos de política industrial estrita e genuína no pacote que forma o “Brasil Maior”, mas, eles aparecem apenas como pequenos capítulos de um todo com objetivos diversos.

Um deles é a desoneração dos custos das contribuições patronais para o INSS na folha de salários de alguns setores intensivos de mão de obra e duramente afetados pela taxa de câmbio valorizada. Mas a medida, além de provisória, valendo, em princípio, só até 2012, não abarca nem um quinto da produção nacional. A timidez do seu alcance é reveladora das dificuldades de promover uma verdadeira política industrial ao mesmo tempo em que se é obrigado a apertar a política fiscal.

Providência clássica de política industrial, a decisão de estimular compras governamentais de produtos fabricados no País está sendo criticada porque define um teto – de até 25% acima do preço dos concorrentes importados – considerado alto e, por isso, estimulador de ineficiências, pelos críticos para assegurar a preferência do produto “made in Brazil” nas licitações públicas. A crítica parece meio rasa porque essa preferência pode promover justamente o contrário, caso permita que o fabricante nacional ganhe escala e reduza o preço unitário.

Em meio a tanto trigo e tanto joio a ser separado depois que o programa estiver efetivamente em marcha, merece menção a oferta de novas linhas de financiamento à inovação. A ver se o volume de crédito específico, que não é muito, ao lado das desburocratizações previstas no registro de patentes, terá o condão de pelo menos incentivar a formação de um ambiente mais propício à inovação.

Uma surpresa, desta vez positiva, foi a ausência daquelas reações pavlovianas a mais uma versão de “política industrial” no Brasil. Pouco se ouviu daquele discurso convencional das “escolhas tecnocráticas de campeões” e do impasse – obviamente falso – entre políticas horizontais e verticais de competitividade.

Não há, é claro, política industrial que substitua o enfrentamento do “custo Brasil”, um compêndio de problemas macro e microeconômicos tão bem conhecido quanto difícil de eliminar. Mas uma política industrial ativa e eficiente, como demonstra a história das economias mais bem sucedidas, sempre será necessária e desejável.

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Fonte: O Estado de S. Paulo