Integrada na rubrica «Observatório do Mundo», a TVI24 transmitiu na terça-feira da passada semana, com repetição na tarde de sábado, uma importante reportagem acerca da actualidade política nos Estados Unidos da América.

É sabido por quem de todo em todo não se recuse a sabê-lo que a democracia norte-americana é muito mais um cartaz e um estribilho publicitários que uma realidade, e isto não apenas na acção externa por esse mundo fora, onde desde o fim da Segunda Guerra Mundial já praticou ou patrocinou uma extensa lista de agressões, mas também na ordem interna.

Convém, porém, que instalados no conhecimento sumário da verdadeira natureza da realidade estadunidense não descuremos o acompanhamento das tendências e eventuais mutações que por lá se preparem porque, já se sabe, o que se passe do lado de lá do Atlântico Norte ainda é muito capaz de se reflectir nos mais diversos lugares do mundo. E, justamente, a reportagem transmitida pela TVI24 foi uma contribuição relevante para sabermos o que por lá vai acontecendo, para eventualmente ajustarmos o nosso olhar e nos apercebermos de que ventos ali se estão a levantar.

Há, felizmente, muita gente que não encara os Estados Unidos com a ingenuidade de quem acredita na estória da Branca de Neve qualquer que seja a cor da pele do suposto príncipe encantado.

Mas não basta, naturalmente, entender que Barack Obama não será o que de boa-fé ou não muitos continuam a querer sonhar que seja e que de qualquer modo ele manda muito menos que a Dona Hillary; é preciso não esquecermos o que está por detrás de um e de outro, lembrarmo-nos dos que mandam de facto, dos que decidem e dão as ordens que não ouvimos nem lemos mas vemos cumpridas no Médio Oriente e um pouco mais a Leste, na Europa e nas Honduras, em quase tudo quanto é sítio, sempre consubstanciadas em guerra, sangue e fome.

E é desses poderes ocultos mas terrivelmente sensíveis, mais das legiões de gente ignorante e manipulada que estão a ser mobilizadas de uma ponta a outra dos States, que nos falou esta reportagem quase preciosa porque não é frequente, longe disso, que a TV nos permita olhar para dentro dos Estados Unidos sem que o façamos através das lentes cor-de-rosa que o imperialismo mediático impõe aos seus súbditos e de que a televisão portuguesa é devotada utilizadora.

O que a reportagem transmitida no âmbito do «Observatório do Mundo» nos mostrou foram imagens e vozes da mobilização a que a direita norte-americana, incluindo a mais extrema, recorreu para retomar claramente o poder político e daí garantir a sobreprotecção aos seus interesses.

Trata-se, formalmente, do retorno à Casa Branca de quem, assumindo-se como um anti-Obama, afaste as ameaças que alguns projectos do actual presidente pareceram representar para o grande empresariado. Para isso se vem intensificando quase até ao paroxismo a actividade do Tea Party, secção radical do Partido Republicano, com vínculos praticamente assumidos a organizações de facto terroristas de extrema-direita e, saliente-se, ao serviço da qual está o Fox TV, a mais vista cadeia norte-americana de televisão.

Nas suas manifestações, de que vimos abundantes imagens, não apenas Obama é tratado correntemente de comunista como são rotina os cartazes de odienta rejeição do que por lá é designado por «comunismo» ou, em sinonímia radicada num sólido analfabetismo político, por «socialismo». Pelo que ali se viu e ouviu, está levedando na «Livre América» uma mistura de estupidez, ignorância e agressividade perigosa para os Estados Unidos a título imediato e para o mundo inteiro em fase seguinte.

E especialmente exacerbada porque de facto desencadeada pelo medo: a ditadura financeira e empresarial que tem dominado aquele país sabe que o poder económico norte-americano está a perder a liderança; que o seu domínio militar enfrenta desaires e se atasca em atoleiros paralisantes, que já não é o que era; que na sua frente emerge o fantasma da derrota final.

É um bicho ferido que se apercebe da gravidade das suas feridas e por isso se torna mais perigoso. Daquela gente manipulada pela TV e pelo verbo tosco mas eficaz de pregadores supostamente religiosos escorre uma mistura de medo e de ódio. São primários, e por isso mais ferozes. Podem ser a massa de onde pode emergir, para acção interna mas também para eventuais exportações, o nazifascismo do século XXI.

A reportagem mostrou, nós vimos, não vamos esquecer.

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Correia da Fonseca é amigo e colaborador de odiario.info.

Fonte: ODiario.info