É um mundo dividido. Está dividido, em parte, porque a doença – bolhas no preço dos ativos, alavancagem excessiva e irresponsabilidade do setor financeiro – afetou diretamente os países de alta renda, incluindo o maior de todos, os Estados Unidos. Também está dividido porque alguns dos remédios que os países de alta renda vêm tomando têm efeitos colaterais prejudiciais para o resto do mundo.

Fundamentalmente, no entanto, está dividido porque os países emergentes vêm mostrando ser capazes de gerar crescimento autossustentável, apesar das fragilidades dos países de alta renda.

É, portanto, um ambiente desafiador. Mas contém algumas boas notícias. De acordo com o informe "Perspectivas para a Economia Mundial" mais recente do Banco Mundial, a economia global cresceu 3,9% em 2010, após contração de 2,2% em 2009. O comércio mundial apresentou, particularmente, um grande salto: depois de encolher 11% em 2009 e crescer meros 3% em 2008, avançou 16% em 2010. Isso é encorajador.

A divergência entre o desempenho dos países de alta renda e o da maioria das economias emergentes é notável. Nos de alta renda, o desemprego é elevado, a produção está bem abaixo da tendência, a política monetária ainda é agressiva e os déficits fiscais são grandes. Mas em muitos países emergentes a capacidade ociosa foi reabsorvida e a inflação se tornou uma preocupação muito maior que a recessão.

Alguns dos remédios que os países de alta renda vêm tomando têm efeitos colaterais prejudiciais para o resto do mundo. Já os mercados emergentes vêm se mostrando capazes de gerar crescimento autossustentável, apesar das fragilidades.

Entre os motivos para o dinamismo dos países emergentes estão os efeitos secundários das políticas adotadas pelos países de alta renda afetados pela crise, particularmente os EUA.

Com as taxas de juros oficiais baixas e o apetite renovado dos investidores por risco, os fluxos de capitais em direção aos países emergentes tiveram forte recuperação, mesmo continuando bem abaixo dos níveis de 2007.

Esse aumento no capital cria um dilema indesejado para as autoridades monetárias nos países emergentes. Precisam escolher entre intervenção ou valorização: a primeira preserva a competitividade no curto prazo, mas traz o risco de inflação no longo prazo; a valorização, por sua vez, evita a inflação no longo prazo, mas ameaça a competitividade no curto prazo.

O crescimento dos fluxos de capitais para os países emergentes tem lógica evidente. Em 2010, segundo o Banco Mundial, as economias emergentes cresceram 7%, em comparação com os apenas 2% verificados em 2009. Mesmo sem incluir China e Índia, cujas economias expandiram-se 10% e 9,5%, respectivamente, em 2010, as economias dos países em desenvolvimento e emergentes avançaram 5,2%.

O Leste da Ásia liderou a expansão, com 9,3%, depois de crescer 7,4%, em 2009. O Sul da Ásia ficou logo atrás, com 8,7%, na sequência do avanço de 7% em 2009. E mesmo a África Subsaariana, impulsionada pela força dos preços das commodities, apresentou expansão 4,7% em 2010, após crescimento de 1,7% no ano anterior.

A única exceção significativa nessa feliz história foi a Europa Central e o Leste Europeu, cuja economia teve crescimento médio de 4,7% em 2010, mas retraiu-se 6,6% em 2009.

As economias dos países de alta renda continuam debilitadas. No total, indica o Banco Mundial, suas economias apresentaram avanço de 2,8% em 2010, após retração de 3,4% no ano anterior. A economia dos EUA expandiu-se 2,8%, na sequência de uma contração de 2,6% em 2009, enquanto a da região do euro avançou 2,7%, após encolher 3,5% em 2009.

Dentro da região do euro, a crise deixou como legado uma profunda divisão entre os países solventes no centro do grupo e os países muito endividados e pouco competitivos em sua periferia. Parece certo que veremos neste ano novos contratempos – a reestruturação da dívida pública é um resultado possível.

De forma mais ampla, em muitos países de alta renda atingidos pela crise, a combinação de recessões profundas com a determinação de evitar a inadimplência em grande escala das quantias devidas pelos bancos transformou a crise financeira em estresse fiscal, na melhor hipótese, ou em uma completa crise fiscal, na pior.

Essa história, também, terá mais desdobramentos, enquanto alguns países buscam economizar mais e outros, como os Estados Unidos, não.

Enquanto isso, na economia mundial como um todo, vemos os preços das commodities em alta e pressões inflacionárias. Alguns nos países de alta renda, contrastando a fragilidade econômica doméstica com a alta nos preços das importações, temem o retorno da estagflação dos anos 70. Outros temem que o inevitável fluxo de capital que entra nos países emergentes levará a outra rodada de crises financeiras mais à frente.

O certo é que o desempenho econômico parece encaminhado a continuar divergente por um longo tempo. Isso não é resultado apenas da crise. Apesar de todos os desafios que a atual divergência econômica criará, também há implicações benéficas. A atual diferença entre os desempenhos indica, pelo menos, a possibilidade de uma convergência mais intensa das rendas. Nosso atual mundo dividido pode, no fim das contas, significar um mundo menos desunido.

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Martin Wolf é o principal comentarista econômico do Financial Times

Fonte: Valor Econômico