Agora, Seul e Washington estão ante o desafio de encontrar resposta coordenada, dizem os analistas.

Ontem, a RPDC subiu a aposta, e disparou contra a ilha sul-coreana de Yeonpyeong, na costa oeste da Península Coreana, região disputada do litoral.

Porta-voz da junta de governo sul-coreano confirmou o incidente, sem dar detalhes. O fogo foi disparado, pelo que se sabe, de posições ao sul da cidade norte-coreana de Haeju, e a Coreia do Sul respondeu aos tiros.

A agência sul-coreana de notícias Yonhap disse que houve um soldado sul-coreano morto e dezenas de feridos. Na ilha, vivem 1.200 pessoas.

As novas preocupações sobre as ambições nucleares de Piongueangue surgem imediatamente depois de Siegfried Hecker, cientista nuclear da Stanford University (EUA) ter dito, no final da semana, que no início de novembro, em visita à RPDC, havia visitado uma instalação para enriquecimento de urânio.

Hecker, ex-diretor do Laboratório Nacional de Los Alamos, no Novo México, publicou relatório detalhado de sua visita à RPDC no website de Stanford. Disse que, na visita ao complexo nuclear de Yongbyon, lhe mostraram mais de 2.000 centrífugas – as quais lhe pareceram “surpreendentes” – e uma sala de controle “inacreditavelmente moderna”.

O urânio natural enriquecido a 3-5% produz combustível para reatores de água-leve. E urânio enriquecido a mais de 90% é item necessário para produzir bombas atômicas.

Vários observadores têm sugerido que EUA e aliados aproximem-se da RPDC, sob o argumento de que a ameaça de proliferação natural só aumentará se não for enfrentada de forma moderada. A RPDC manifestou recentemente sua disposição para retomar as conversações ‘dos seis’ sobre seu programa nuclear, que foram iniciadas em setembro de 2005, depois de um acordo para desnuclearizar a Península da Coreia, mas estão suspensas há mais de um ano.

“É provocação [a exibição das centrífugas], do ponto de vista dos EUA. Mas, do ponto de vista da RPDC, é resposta razoável”, disse John Delury, especialista em segurança da Faculdade de Estudos Graduados da Universidade Yonsei em Seul. Nas últimas semanas, a RPDC tem dado sinais de que deseja retomar as conversações ‘dos seis’ – RPDC, Coreia do Sul, China, EUA, Japão e Rússia.

A China tem-se empenhado também na retomada dessas conversações, em clara ação diplomática para ajudar a RPDC e têm havido declarações, pelos canais oficiais e extra-oficiais, de que Piongueangue tem interesse em voltar à mesa de negociações.

EUA e Coreia do Sul mantêm-se reticentes, à espera de algo mais, de passo mais claro do Norte, que indique disposição para iniciar unilateralmente a desnuclearização, disse Delury, que visitou recentemente a RPDC. “Pessoalmente, não vejo sinais de que isso jamais aconteça. Piongueangue parece ter chegado à mesma conclusão. Agora, é a vez de eles recorrerem ao porrete [para forçar o reinício das conversações]."

Koh Yu-hwan, professor de Estudos Norte-coreanos na Universidade de Donggkuk em Seul, atualmente professor visitante na Universidade Stanford, disse que os programas anteriores, com plutônio, que podem produzir armas nucleares, foram informalmente reconhecidos e motivo pelo qual Washington e Seul decidiram isolar a RPDC. "Resultado desse isolamento imposto, as coisas agora estão mais complicadas do que antes. Agora, a RPDC pode jogar também com outra carta, o urânio”, disse Koh.

Analistas disseram que a exposição deliberada do programa nuclear foi sinal de que Piongueangue quer ser incluída como parceira necessária dos diálogos com os EUA, que têm usado a estratégia combinada com a Coreia do Sul, de sanções e diálogo, mas que, de fato, têm negado à RPDC o direito de diálogo.

Cui Zhiying, diretor do Gabinete de Pesquisa sobre a Península Coreana, do Centro de Pesquisa Ásia-Pacífico da Universidade de Tongji em Xangai, disse que a mais recente provocação da RPDC não deve ser vista como provocação, de quem busca confronto, mas como um modo de sinalizar aos EUA que Pionguangue quer conversar. "Pionguangue já manifestou várias vezes que deseja o diálogo com os EUA e que quer retomar as conversações ‘dos seis’. Mas EUA e Coreia do Sul não responderam. Agora, Piongueangue decidiu pressionar para que voltem à mesa de conversações”, disse Cui.

O movimento da RPDC surge durante o processo de transição do poder, do Amado Líder Kim Jong-il para seu filho mais jovem, Kim Jong-eun, que se estima que tenha 27 anos. O rápido desdobramento do processo de sucessão, acelerado pelo enfarto de Kim Jong-il no verão de 2008, já levou o líder da RPDC duas vezes à China em 2010 – atitude que parece visar a obter da China apoio ao sucessor e suporte para a depauperada economia do país.

“Com esse recente movimento de exibição de poder nuclear, Kim Jong-il está acrescentando traços de força à imagem pública do filho”, disse Tetsuo Kotani, pesquisador convidado do Okazaki Institute, think-tank com sede em Tóquio.

Para analistas sul-coreanos, a RPDC estará mais estável depois de o sucessor ser formalmente empossado. “Para alguns, a demonstração de força da RPDC deve ser interpretada como ação orientada para o público interno. Pessoalmente, parece-me sinal de confiança de que ultrapassarão o trauma da sucessão e o processo não fragilizará o front nuclear”, disse Koh, na Stanford University.

Há quem veja no movimento de Piongueangue a intenção de criar um dilema para Seul e Washington. Os aliados têm evidenciado que a RPDC não está entre seus temas prioritários. Desde a posse do governo de Lee Myung-bak, considerado conservador de linha dura, em 2008, Seul passou a ignorar a RPDC, depois de exigir sinais claros de disposição para a desnuclearização como precondição para qualquer novo contato, inclusive para qualquer projeto de ajuda econômica.

Para o governo de Barack Obama, a RPDC não é assunto que se destaque entre as questões internacionais, pressionado entre o Oriente Médio e o Afeganistão. A falta de interesse em Washington pelo reinício dos contatos com a RPDC, em momento em que também enfrenta fortes pressões políticas internas, está bem evidenciada na atitude de confiar na liderança do aliado asiático, a Coreia do Sul. Foi o que se viu, sobretudo, desde o incidente com a fragata Cheonan em março, quando morreram 46 marinheiros sul-coreanos, no volátil pedaço de mar chamado Mar do Japão.

Seul atribuiu a responsabilidade pelo naufrágio à RPDC, que nega qualquer envolvimento, e os EUA optaram por acompanhar a posição sul-coreana, que exige punição contra os coreanos do norte.

Ainda não se sabe até quando os EUA poderão manter-se à sombra dos sul-coreanos. Seul não está em posição de, sozinha, engajar Piongueangue, sobretudo agora, depois da exposição das centrífugas. O governo Lee mantém a exigência de desnuclearização como precondição para qualquer aproximação. Evidentemente, Seul não terá como engajar Pionguangue agora, depois da divulgação de que o Norte está, pelo que se pode ver, ampliando o arsenal nuclear.

“É possível que Seul decida-se por mais sanções. Mas não me parece que as sanções tenham gerado qualquer resultado efetivo. É hora de sentar à mesa de negociações”, disse Delury em Seul. “O mais importante, agora, é os EUA iniciarem conversações com a RPDC”, disse Cui em Xangai. Kotani, em Tóquio, espera que os EUA participem de ampla rodada de negociações com as outras potências que já trabalharam pela desnuclearização do norte, inclusive a China, antes de tomar qualquer decisão.

Washington – considerados seus interesses de não-proliferação – enfrenta hoje o problema de como reaproximar-se da RPDC, sem ferir sensibilidades em Seul. Será indispensável recorrer a sofisticados recursos de comunicação diplomática, dizem os observadores.

Até agora, ainda não se viu nenhum movimento nessa direção, que se possa descrever como “sofisticado”. Ontem, em entrevista em Seul, Stephen Bosworth, representante especial dos EUA para assuntos de política norte-coreana, descreveu como “pura provocação” a exibição das centrífugas para enriquecimento de urânio. Para vários analistas, a resposta dura parece visar apenas a satisfazer os aliados em Seul, enquanto, simultaneamente, os EUA movem-se em direção ao reinício das conversações ‘dos seis’.

Philip Crowley, porta-voz do Departamento de Estado disse que o governo Obama avaliará sem pressa as informações divulgadas. Acrescentou que é possível que o movimento de Piongueangue não passe de “golpe de publicidade”.

Digam o que disserem, é possível que os EUA tenham de agir mais depressa do que supõem. “Enquanto os EUA esperavam, a RPDC desenvolveu programas com plutônio. Agora, além daqueles, já têm também os programas com urânio”, diz Koh, na Stanford University.

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Fonte: Asia Times Online
http://www.atimes.com/atimes/Korea/LK24Dg01.html

Tradução: Caia Fittipaldi