A Lei da Anistia, como ficou conhecida, concedia o perdão a "todos quantos, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos ou aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares."

Hoje, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e várias entidades de direitos humanos consideram que a Lei da Anistia varreu a sujeira para debaixo do tapete e estão tentando uma revisão do texto no Supremo Tribunal Federal. Se a interpretação da lei e das ações políticas cometidas entre o início do Golpe Militar e a Abertura Política gera dúvidas e questionamentos no alto escalão do governo e na sociedade civil organizada, qual seria o impacto desse momento na vida de camponeses e pequenos proprietários de terra no interior do país?

Camponeses do Araguaia: A Guerrilha vista por dentro de Vandré Fernandes faz essa pergunta e procura lançar um foco de luz num período ainda obscuro da nossa história. Vandré entrevista camponeses e moradores da região do Rio Araguaia, na bacia Amazônica, no coração do país, que conviveram com os guerrilheiros e com os militares nas décadas de 60 e 70. A câmera de Vandré não tem pressa, se posiciona em frente à pessoa, com o quadro aberto e apenas espera, ouve e absorve. Essa simples escolha é decisiva para entendermos a intenção do cineasta e para onde ele quer conduzir o filme.

Talvez Vandré tenha percebido que essas pessoas já passaram tantas vezes por interrogatórios que a distância da câmera, a distância do inquisidor, mesmo que na figura do diretor, poderia ser ofensiva demais. Ao invés disso prefere escutar, se afastar com o equipamento e esperar ser aceito. Uma decisão importante que mostra o cuidado que a direção teve com o tema, ainda um tabu na sociedade brasileira. O filme é investigativo sem ser invasivo. As histórias das torturas são impressionantes, tanto as físicas quanto as psicológicas, ainda mais quando ouvimos de pacatos senhores e senhoras de 60, 70 e até 80 anos de idade.

Vandré Fernandes acertou no tom da montagem e na divisão por capítulos que explica a história sem ser excessivamente professoral. Uma obra feita para a sala de cinema, mas que deveria ser obrigatória em outras salas: as salas de aula de todo o país, desde o ensino fundamental até os cursos de mestrado e doutorado. A história do Brasil não pode ter apenas uma versão.

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COMPETIÇÃO NOVOS DIRETORES – MOSTRA DE SÃO PAULO 2010

MOSTRA PREMIÈRE BRASIL POLÍTICA – FESTIVAL DO RIO 2010

CAMPONESES DO ARAGUAIA – A GUERRILHA VISTA POR DENTRO (Peasants from Araguaia – The guerrilla inside view)

BRASIL, 2010. 73 minutos

Direção: Vandré Fernandes

Fonte: Alamanaque Virtual