O motivo da demissão foi a edição de um caderno inteiro, de seis páginas, com o título principal "Revoluções ontem e hoje", encartado na edição de domingo, 17 de outubro de 2010, tendo como "gancho" o lançamento do livro Revoluções (Editora Boitempo, 2009, 552 páginas, preço médio R$ 68,00), organizado pelo professor brasileiro radicado na França Michael Löwy, que esteve em Fortaleza. O livro reproduz imagens fotográficas "de movimentos contestatórios decisivos para escrever a história dos séculos 19 e 20", como a Comuna de Paris e a Revolução Russa de 1917, para ficarmos em apenas dois exemplos.

O caderno, com reportagem e entrevistas com Löwy, foi pautado, segundo informações do jornalista demitido, pela direção editorial do Diário do Nordeste, que tem à frente o jornalista Ildefonso Rodrigues. Os textos da reportagem e a entrevista com Löwy são assinados por Dalwton Moura (editor) e Síria Mapurunga (repórter). Há, também, dois artigos assinados: um da professora doutora do Curso de História da Universidade Federal do Ceará (UFC) Adelaide Gonçalves ("Homem de muitos mundos"), e outro do jornalista e escritor José Arbex Jr. ("Iconografia revolucionária"). O caderno traz finalmente depoimentos de outras fontes além do sociólogo franco-brasileiro, a exemplo dos professores cearenses Frederico de Castro Neves, Josênio Parente e Emiliano Aquino e do crítico literário Roberto Schwarz.

Grupo diversificado

A direção da empresa teria classificado o caderno como "panfletário" e "subversivo", além de "inoportuno ao momento atual". Os dois adjetivos dispensam explicações aos leitores. A expressão "inoportuno ao momento atual", ao contrário, pede esclarecimento: trata-se da circunstância eleitoral então polarizada entre os candidatos à Presidência da República Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB), no segundo turno. Dilma, uma candidata mais à esquerda no espectro ideológico; Serra, mais à direita. Este, o candidato queridinho dos meios de comunicação; aquela, odiada por quase todos os grandes jornais brasileiros.

A demissão de Dalwton Moura impõe, no mínimo, uma reflexão a todos os que se preocupam com a vida democrática, a qualidade dos meios de comunicação e o papel que esses meios cumprem no quotidiano das pessoas em geral. Pode um jornal demitir um jornalista pela edição de uma matéria que não atenda às expectativas da empresa, mesmo quando a pauta é encomendada pela direção editorial do veículo? Qual a responsabilidade da direção editorial em casos como esse? O que esse fato pode suscitar em relação às discussões sobre liberdade de imprensa, principalmente no Brasil? O que isso tem a ver com a discussão mais do que urgente sobre controle social dos meios de comunicação, que os jornais e as emissoras de rádio e televisão brasileiros tanto repudiam? Como fica a reputação do Diário do Nordeste ante os assinantes, os leitores que compram o jornal em bancas e a sociedade cearense?

O Diário do Nordeste faz parte do grupo Edson Queiroz, conglomerado empresarial que atua em vários campos da economia brasileira, incluindo produção de bens duráveis (fogão, geladeira, freezer etc.), agropecuária e agroindústria, exploração e distribuição de água mineral e gás butano, exploração de petróleo, educação superior privada (Universidade de Fortaleza – Unifor) e na área da comunicação.

Subjetividade empresarial

Além do Diário do Nordeste, o grupo Edson Queiroz controla três emissoras de TV (em Fortaleza, a TV Verdes Mares, canal 10, afiliada da Rede Globo; TV Verdes Mares Cariri, em Juazeiro do Norte; e TV Diário, de âmbito regional, também com sede na capital cearense) e emissoras de rádio AM e FM – duas em Fortaleza, uma em Recife e outra no Rio de Janeiro. O jornal foi fundado a 19 de dezembro de 1981. Seis meses depois da fundação, o empresário Edson Queiroz faleceu num acidente de avião da antiga Vasp, nas proximidades de Fortaleza.

Em seu primeiro editorial, intitulado "Compromisso de luta", o jornal expressava:

"Compusemos um corpo de repórteres bem qualificados para veicular os acontecimentos com agilidade e precisão, a fim de que as informações cheguem ao público sem tardança e com a preocupação exclusiva de transmitir a verdade."

O repórter Dalwton Moura, há pouco mais de três meses guindado ao posto de editor pela competência e a qualificação profissional que demonstrara em mais de cinco anos atuando no jornal, é demitido, e a qualidade dele, assim como a verdade apregoada pelo matutino no primeiro editorial, é jogada ao rés-do-chão.

Não se aponta um único erro jornalístico no caderno, mas, de maneira sub-reptícia e aética, estabelece-se a razão da demissão: o suposto conteúdo panfletário e subversivo dos textos, contrariando a lógica do jornalismo informativo praticado pelo periódico. É subjetividade empresarial, sem sustentação em fatos da realidade contemporânea, quando não mais se faz jornalismo com panfletos nem há situações ou regimes discricionários a subverter, porquanto desfrutamos o Estado democrático do direito.

Credibilidade empobrecida

Foi irresponsável o jornalista Dalwton Moura ao cumprir a pauta encomendada pelo seu superior hierárquico? Não; afinal, antes da edição do conteúdo jornalístico, ainda segundo Dalwton Moura, houve várias reuniões de pauta com a presença do diretor do jornal. Parte-se, então, para um campo de reflexão no qual o conceito de corresponsabilidade deve, necessariamente, vir à tona: uma pauta encomendada pela direção editorial do jornal é de responsabilidade tanto da editoria específica, no caso a de Variedades, quanto da própria direção do veículo. É um regime consorciado de responsabilidades. Aceitando-se as razões da demissão imposta pelos proprietários do jornal – o que, também por si só, não se pode aceitar –, por que só o editor do caderno foi demitido?

Ao atingir o jornalista Dalwton Moura em plena ascensão profissional, o Diário do Nordeste expõe a contradição que a grande imprensa carrega no seu âmago: defende a liberdade de imprensa como um valor absoluto e inalienável, mas a aliena aos seus próprios interesses. Ou seja, tem na liberdade de imprensa não um legado político, ideológico, filosófico e cultural que nos foi deixado pelos rastros da Independência Americana (1776) e da Revolução Francesa (1789), mas a tem como um slogan de propaganda de atuação em defesa da sociedade. Ora, ora!

É nesse ponto que entra a discussão urgente e inadiável sobre a necessidade de se instituir no Brasil um controle social dos meios de comunicação. Da mesma maneira como reagiram à proposta de institucionalização do Conselho Federal de Jornalismo, há pouco mais de dois anos, as empresas jornalísticas reagiram, mais recentemente, contra o projeto de indicação do Conselho de Comunicação Social do Estado do Ceará, propostas que vão ao encontro dos interesses de toda a sociedade, se analisadas sem manipulação, distorção e maniqueísmo, como o fazem essas empresas de Norte a Sul do país.

Qual o argumento mais utilizado por elas? É que tais propostas querem restringir a liberdade de imprensa e instituir a censura nos meios de comunicação. Qual nada! Está por trás desse argumento pomposo, isso sim, o fato de que querem agir livremente e em favor apenas dos próprios interesses – políticos, ideológicos, econômicos, culturais. No caso da demissão do jornalista Dalwton Moura, onde fica a liberdade de imprensa? Debaixo do tapete das sofisticadas e bem decoradas salas das diretorias dessas empresas. E a censura? Não aparece para a sociedade, que mal toma conhecimento de fatos como a demissão de Dalwton Moura. Entanto, fica registrada com outra nomenclatura na carteira de trabalho do jornalista: demissão sem justa causa.

O jornal Diário do Nordeste sai com reputação e credibilidade atingidas e empobrecidas. Porque fere a democracia, agride a consciência cidadã de profissionais íntegros, honestos e qualificados e, finalmente, ludibria a sociedade quanto ao fazer jornalístico que propaga praticar.

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Fonte: Observatório da Imprensa