As recentes declarações midiáticas de apoio à democracia e à liberdade de imprensa no Brasil chegam a causar náuseas, tamanha a hipocrisia por trás do discurso de seus oportunos defensores. Reivindicadores póstumos do discurso neoliberal tupiniquim, argumentam de forma uníssona o “atentado à democracia” a ser supostamente imposto pelo futuro governo de Dilma Rousseff.

Esses mesmos indivíduos omitem do grande público suas mercantis relações de subserviência para com determinados governos e projetos políticos. Trabalham exclusivamente para pelo menos um dos oito grandes grupos detentores de praticamente toda a “malha” midiática brasileira. Não mencionam, por exemplo, o repasse, desde 2007, de quase 250 milhões de reais efetuado diretamente, conta-a-conta e quase sempre sem licitação, pela Secretaria de Educação de São Paulo para as Editoras Abril, Globo, O Estado e Folha de São Paulo – segundo nos informa o próprio Diário Oficial do Estado do período citado. Omitem também sua participação no fornecimento de carros para a Operação Bandeirantes ou seu crescimento indubitável durante o Regime Militar.

Não por acaso, são essas mesmas capitanias hereditárias da mídia brasileira que vêm pautando as notícias e reportagens divulgadas no país – e infelizmente seguidas por milhões de brasileiros que se supõem razoavelmente bem informados, mas não têm condições de (ou simplesmente não querem) checar o contraditório, uma abordagem diferente daquilo que está sendo veiculado. As poucas (e corajosas) iniciativas de ruptura com essa prática nefasta e de verdadeira restrição à liberdade de informação são quase invariavelmente boicotadas ou sumariamente processadas pelos auto-intitulados “baluartes da democracia”.

São escassas as reportagens a respeito do conluio montado e orquestrado em favor de José Serra por setores da sociedade que se anunciam como monarquistas e integralistas (os históricos seguidores brasileiros do fascismo italiano), além de incautos fundamentalistas religiosos. O submundo da campanha pró-Serra inclui ainda a distribuição de panfletos com falsas premissas a respeito de Dilma em cultos religiosos e a contratação de equipes de telemarketing para disseminar informações falaciosas a respeito da candidata governista e que ocupam quatro andares do Edifício Joelma, no centro de São Paulo. Um dos religiosos que ousou criticar a oportuna postura religiosa de José Serra, o frei Francisco Gonçalves, de Canindé (CE), foi ameaçado diante de cerca de 30 mil fiéis por Tasso Jereissati, que felizmente não teve sucesso em sua empreitada.

As pesquisas que apontavam números que desagradavam o então candidato ao Governo do Estado do Paraná Beto Richa, às vésperas do primeiro turno, foram todas censuradas pelo Tribunal Regional Eleitoral daquele Estado, atendendo a pedidos do tucano. Nenhuma linha editorial foi escrita a respeito. Poucos se arriscaram a citar o ocorrido – todos, claro, longe das relações medievais de suserania e vassalagem da grande mídia tupiniquim.

A manipulação da informação levada aos telespectadores brasileiros consegue ser ainda mais vil do que a rede arquitetada pelos grandes jornais e revistas impressas. Desde o debate presidencial entre Lula e Collor, em 1989, os públicos brasileiro e estrangeiro conhecem o poder político da Rede Globo e de seu diretor de jornalismo, Ali Kamel – tanto que deu origem ao documentário de Simon Hartog, “Muito Além do Cidadão Kane”, produzido em 1993 pela rede de televisão Channel 4, do Reino Unido, e impedido de circular no Brasil pela Rede Globo de Televisão. Até hoje, as manipulações e fantasias kamelianas causam profunda repulsa em diversos jornalistas brasileiros – inclusive dentro da própria emissora, conforme registrou recentemente o jornalista Rodrigo Viana. Em sua última grande mudança da realidade, Ali Kamel conseguiu fazer aparecer um rolo de fita batendo ao lado esquerdo da cabeça de Serra, muito embora o mesmo tenha referido ter sido atingido na nuca ao médico que o atendeu.

Ao fim e ao cabo, o rolo que ficou por sete longos segundos sobre os poucos cabelos de José Serra terminou sendo mesmo parte da cabeça de um cidadão que andava atrás do candidato tucano à presidência, segundo diversos especialistas declararam à parcela da imprensa que se mantém longe da Rede Globo e suas afiliadas. Interessante que não houve registro de boletim de ocorrência e tampouco exame de corpo de delito relacionado à suposta agressão, como seria aconselhado a qualquer cidadão em situação similar. Apenas o fiel amigo de Kamel, Ricardo Molina, se prestou a servir de certificador da prosopopeia – e ser motivo de piadas em jornais dentro e fora do país.

Mas não é apenas na imprensa televisionada que a censura e a manipulação têm cadeira cativa. No último dia 19 de outubro a Revista do Brasil, publicação mensal da Editora Gráfica Atitude, teve impedida a circulação mensal de sua edição (número 52), que trazia editorial de apoio à candidatura de Dilma Rousseff. A coligação “o Brasil pode mais”, encabeçada por Serra, solicitou ao TSE que a questão ainda tramitasse em segredo de Justiça – solicitação emblemática, negada pelo Ministro Joelson Dias. A revista continua sem circular, já que resolveu fazer o contrário do que a Veja fez: trazer a foto de Serra na capa neste ano e a de Alckmin em 2006.

Criticar o Governo Lula pode. Fazer o mesmo com Serra e o demotucanato não. Maria Rita Kehl, psicóloga renomada, resolveu fazer o que não podia: criticar a desqualificação do voto dos mais pobres, argumento infeliz de boa parte dos mais abastados, no periódico O Estado de São Paulo (artigo “Dois pesos…”, de 02 de outubro). A demissão veio a reboque – e rápido. Também foi sumariamente demitido o jornalista Heródoto Barbeiro, então âncora do Programa Roda Viva, da TV Cultura, quando, numa série de entrevistas que estavam sendo realizadas com os presidenciáveis, resolveu questionar José Serra sobre a fabulosa soma financeira arrecadada com os pedágios nas estradas paulistas. Poucos dias depois, Gabriel Priolli, outro renomado jornalista daquela rede de televisão, resolveu entrar na mesma contenda junto à equipe de redação do Jornal da Cultura e recebeu o mesmo tratamento dispensado a seu colega de profissão e emissora.

Em Minas Gerais, berço esplêndido do bom moço Aécio Neves, as redações de jornais e telejornais também não se mostram muito satisfeitas com as relações constituídas entre seus chefes e os mandatários da política local. Em documentário produzido e distribuído no Reino Unido e nos Estado Unidos, (“Censurados no Brasil”), diversos jornalistas mineiros desmascaram com contundência a produção de matérias e reportagens que beneficiam o neto de Tancredo e põem em xeque a imagem do garoto propaganda da social-democracia brasileira.

Resta-nos trabalhar para que aqueles que engordaram nos anos de chumbo da Ditadura Militar (e que hoje apoiam Serra), aproximados com parcelas significativas da nossa sociedade que defendem com veemência regimes pouco democráticos e o fundamentalismo religioso, se mantenham distantes do centro do poder por pelo menos mais quatro anos. Caso contrário, viveríamos sob a ameaça constante de, além da ditadura midiática atual, termos nossa recente experiência democrática transformada numa teocracia fundamentalista de fazer inveja à Idade Média européia – afinal, a Inquisição da mídia se mantém viva… e atuante.

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Médico especialista em Clínica Médica, residente em Infectologia no Instituto de Infectologia Emílio Ribas (São Paulo) e colaborador da Carta Maior

Fonte: Carta Maior