Gemidos de alívio foram ouvidos em todo o Oceano Pacífico quando foi divulgado o resultado da votação do Corpo Eleitoral do Partido Democrata, que governa há um ano o Japão, para a eleição de novo líder: o até agora considerado todo-poderoso Ishiro Ozawa, corifeu do cenário político japonês durante, pelo menos, duas décadas, foi derrotado com 491 votos contra 721 pelo “incolor” primeiro-ministro Naoto Kan, que assim permanece em seu cargo.

“O líder que pode dizer “não” a Washington”, como o caracterizou o The New York Times, não poderá então governar o Japão, e assim a Casa Branca pode dormir tranquila. O atual primeiro-ministro, na primeira decisão que tomou assim que assumiu o poder, no início de junho, foi de telefonar ao presidente dos EUA, Barack Obama, e assegurar-lhe que o Japão permanecerá “aliado estratégico” dos EUA, isto é, continuará aceitando, indiscutivelmente, a US Foreign Policy, e cerrar fileiras com Washington sem oscilações.

A extensão da derrota de Ozawa provocou surpresa mundial, enquanto os veículos de comunicação do Japão – os quais, anote-se, não morrem de amores por Ozawa – assim como as pesquisas previam batalha corpo-a-corpo, previsão, na prática, totalmente inexata.

Invisível shogun – comandante-em-chefe hereditário do Japão feudal – é como é chamado em seu país e no exterior. Não sem razão. Ozawa é o homem que realizou o politicamente irrealizável no Japão e, aliás, duas vezes.

Foi o arquiteto de afastamento do poder da direita japonesa, que já governava o país durante mais de 55 ininterruptos e essenciais anos, tanto em 1993, quando formou-se – por curto prazo – uma aliança governamental da oposição que desabou após 11 meses apenas, assim como ano passado, quando o Partido Democrata, de centro-esquerda, arrasou o partido Democrata-Liberal, de direita.

Antineoliberal

Contudo, este homem tão capaz, insuperável na arte de mover nos bastidores os fios no extremamente complicado mundo da política japonesa, onde as urdiduras e as incompreensíveis alianças pessoais predominam, não conseguiu se tornar líder de seu próprio partido que, ele mesmo, tornou capaz de predominar nas eleições parlamentares do ano passado.

A verdade é que a sorte de Ozawa seria totalmente indiferente para os europeus e os norte-americanos, se não fosse estreitamente ligado com a posição do Japão no cenário internacional político e econômico.

Ozawa, por exemplo, é favorável à manutenção de maior distância entre Japão e EUA. Neste âmbito, deseja fechar a base norte-americana da ilha de Okinawa, cujo imbróglio irritou os japoneses e constitui a lembrança permanente da derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial há 65 anos. Mas não tem objeção alguma de “hospedar” no Japão a Sétima Frota Naval dos EUA.

Ele não pertence à ala esquerda do Partido Democrata, mas rejeita as políticas neoliberais de frugalidade que adota o primeiro-ministro Kan, políticas estas que lançam o país à queda mais profunda e tendo, em consequência, causado resultados eleitorais catastróficos para o Partido Democrata, conforme comprovou-se em julho.

“Japão é a próxima Grécia”

Foi então que o Partido Democrata sofreu fragorosa derrota nas eleições para a Câmara Alta, e não terá a maioria neste corpo legislativo, algo que envolve extremamente o trabalho legislativo do governo, o qual, assim, deverá buscar incessantemente aliados para serem aprovados os projetos de lei que votará a Câmara Baixa, onde a centro-esquerda desfruta de ampla maioria.

Ao que tudo indica, a marcha à direita traçada pelo primeiro-ministro Naoto Kan, a qual será fortalecida após sua vitória contra Ozawa, cria premissas de retorno – em breve – ao poder da direita japonesa.

Tragicômico, ridículo, mas, verdadeiro: “O Japão se tornará a próxima Grécia!”, sustentou – sem ficar vermelho – o primeiro-miistro Kan, com objetivo de apavorar os japoneses e fazê-los aceitar o aumento do imposto sobre consumo e outras medidas de restrição de demanda.

Os japoneses, contudo, não acreditaram em suas ameaças e lhe desferiram um sonoro tapa nas eleições parciais de julho para substituição parcial dos parlamentares da Câmara Alta, tirando-lhe a maioria neste corpo legislativo.

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Fonte: Monitor Mercantil