“Acorda. É hora de sonhar”

(pixação num muro de La Paz)

Caminho pelas ruas de La Paz e percebo algo em comum entre o garçom do Café Alexander, o motorista de táxi e o professor universitário. Todos conhecem bem o Brasil, seu clima, suas belezas naturais e até mesmo nuances políticas. Não duvido que o mesmo ocorra em outros países latino-americanos. Somos um gigante, temos dimensões continentais, quatro colheitas por ano, abundância em recursos naturais, parque industrial diversificado, uma população de 200 milhões de habitantes, forte mercado interno e uma economia que caminha para a quinta maior do mundo.

Por essas razões, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, afirmou na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, em 2007: “Para onde for o Brasil vai a América Latina”.

Há um dado relevante nessa história. O conhecimento dos três paceños acima citados não se deu pelas vias tradicionais de acesso à informação. Um assiste documentários pela Telesur – que em La Paz está disponível na TV aberta, outro se informa pela internet e o terceiro já passou um tempo trabalhando em São Paulo. Mais uma coincidência: os três admiram o presidente Lula, “um homem do povo”, dizem, assim como se referem a Evo Morales. Ambos os líderes têm cerca de 80% de aprovação popular. Nos Andes e no Nordeste, regiões mais pobres de Bolívia e Brasil, esses índices chegam a 90%.

Essa aprovação não decorre de uma espécie de burrice inata do povo pobre, como fazem parecer alguns direitistas. O povo, ao contrário do que imaginam, não é burro. Pode ser pragmático, mas burro não é. O cidadão não precisa ter curso superior para perceber a superioridade do governo Lula em relação ao governo anterior. Os avanços são muitos, a começar pela economia, pela política externa, pelo aumento real do salário mínimo, entre outros. Uma área em especial merece ser sublinhada: 21 milhões de brasileiros saíram da pobreza extrema e 30 milhões ingressaram na classe média. Num país como o Brasil, esse avanço pode significar mandar as duas filhas para a quermesse de domingo, pois já é possível comprar o segundo vestido da família. Na Bolívia, além do avanço na economia e do aumento real do salário mínimo, o atual governo simplesmente erradicou o analfabetismo.

Na reta final da campanha presidencial que vai decidir os rumos da América Latina, o foco dos ataques da direita esteve justamente nos meios de comunicação. Em cinco dias o jornal O Globo dedicou dois editoriais para atacar o que ele, o jornal, imagina que o PT fará com a imprensa, enquanto a revista Veja, de maior circulação nacional, publicou reportagem de capa sobre as supostas violações da liberdade de expressão do presidente Lula e do PT. Na internet, circula campanha do PSDB que compara os petistas a cães raivosos, em que se coloca a dúvida se num eventual governo Dilma a presidenta teria forças para segurá-los. Some-se a esses fatos recentes o AI-5 Digital, do senador tucano Eduardo Azeredo, que propõe a censura na internet; o editorial da Folha de S. Paulo do último domingo, e outro texto em que o jornalão defende o fechamento da TV Brasil; as perguntas dóceis para o candidato da direita no Jornal Nacional, da TV Globo, e a inquisição contra Dilma no mesmo veículo.

O fato inegável, que a todo instante é negado pelas corporações de mídia, é muito simples: com a democratização da informação, os povos latino-americanos modificaram seu comportamento. Esse processo, mais lento em uns países, mais acelerado em outros, está em curso na América Latina. Nessa perspectiva, a esquerda luta para avançar, enquanto a direita se empenha em conter as mudanças. A comunicação é a primeira fonte de poder, é a matriz. Sempre foi assim, em todos os períodos da história. Numa época a Igreja centralizava o conhecimento e, com ele, detinha o controle social. Hoje são as empresas que possuem concessões de radiodifusão e/ou mídia impressa. A ameça, os hereges do século 21, são os produtores e reprodutores de informação alternativa.

Um exemplo: Telesur e TV Brasil exibem documentários latino-americanos. São filmes que retratam a vida dos povos do nosso continente, que mostram as nossas caras, nossos costumes, nossas vidas. Nada dessa massificação global a que as “sessões da tarde” ainda estão presas. Isso, aos poucos, vai alterando nossas percepções, nossas formas de ver o mundo e também nosso modo de agir, sentir, pensar e viver. Se nos sentimos atores principais de nossas histórias, então nós é que vamos fazê-las. Não vamos deixar que ninguém faça por nós.

O muro que vi pixado em La Paz é de uma incrível conexão com a realidade. Na Bolívia, com o governo Evo os povos originários ocupam os espaços da administração pública que antes lhes eram negados. A esmagadora maioria dos paceños se sente participante da “Revolução Democrática”, no dizer do presidente Evo Morales. É por isso que ele afirma que “os índios não vão mais sair do palácio”. O povo, antes escravizado, torturado, assassinado, chegou ao poder. E, lá, democratizou o acesso à produção e à distribuição da informação. O sonho virou realidade.

No dia 3 de outubro de 2010, o povo brasileiro terá sua chance de mostrar que acordou. De afirmar que não quer mais ser governado pela direita, pelos capatazes de outrora, pelos representantes do imperialismo. Esses, donos das corporações de mídia, injetarão doses diárias de sonífero até o dia da votação. Ou talvez mentiras, ódio, qualquer coisa que prejudique a continuidade do governo Lula. Nós, da esquerda, temos que estar a postos e mostrar que o tempo do chicote acabou. Ainda dá tempo de sair às ruas e pixar: “Acorda, é hora de sonhar.”.

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Marcelo Salles é jornalista, colaborador do www.fazendomedia.com e outros veículos de comunicação democráticos

Fonte: Carta Maior