Daniel Ellsberg: o Julian Assange dos anos 70. Foto do site de Ellsberg
Domingo 13 de Maio de 1971: o título principal do New York Times, a três colunas, era: “Arquivo do Vietname: Estudo do Pentágono traça 3 décadas de crescente envolvimento dos EUA”.

O mais influente diário americano começava assim uma série explosiva de reportagens baseadas num estudo de 7 mil páginas e 2,5 milhões de palavras realizado por 35 investigadores do Pentágono, entre 1967 e 1968, a pedido do então secretário de Defesa Robert McNamara. Desiludido com os resultados da guerra do Vietname e da sua própria política, McNamara encomendara a investigação, para ficar para a história, antes de renunciar ao cargo. O calhamaço passaria ser conhecido como “Os Documentos do Pentágono” (The Pentagon Papers), classificado como Top-Secret Sensitive (o mais alto grau de segredo). Um dos autores era Daniel Ellsberg, que entregara o trabalho ao Times.

Incidente no Golfo de Tonkin

Mas vamos ao início da história, que ocorreu sete anos antes.

Pentágono, manhã de 4 de Agosto de 1964. O primeiro dia de trabalho do jovem Daniel Ellsberg, 33 anos, como assessor especial do subsecretário de Defesa John McNaughton não podia ser mais movimentado. Um paquete entrou a correr na sua sala levando um telegrama acabado de chegar do Vietname. Queria entregá-lo a McNaughton, que estava naquele momento reunido com o secretário de Defesa Robert McNamara. Deixou-o com Ellsberg.

A mensagem fora enviada pelo capitão John Herrick e dizia que o seu navio de guerra, o USS Maddox, da Marinha norte-americana, assim como o Turner Joy, que o acompanhava, tinham sido alvejados por torpedos, que erraram o alvo, ao largo do Golfo de Tonkin, Vietname do Norte. A essa hora era noite no local, uma noite escura, sem lua, e não houvera qualquer contacto visual. Mas o som dos projécteis fora ouvido pelos sonares, garantia o telegrama. Nas duas horas seguintes, uma enxurrada de mensagens permitiu ao Pentágono acompanhar quase que ao vivo o suposto ataque: “Torpedos falharam. Outro torpedo disparado. Quatro torpedos na água. Cinco torpedos na água. Evitámos com sucesso pelo menos seis torpedos.” Enquanto os navios ensaiavam manobras de evasão, disparavam contra supostos navios vietnamitas agressores detectados pelo radar do Turner Joy. Quinze torpedos, 26… pelo menos um navio inimigo afundado…

Ellsberg compreendeu imediatamente a gravidade dos acontecimentos. Tratava-se do segundo ataque contra navios americanos desde a Segunda Guerra Mundial. E o primeiro fora apenas dois dias antes, contra o mesmo Maddox, desta vez em plena luz do dia. Lanchas norte-vietnamitas tinham feito fogo de artilharia e lançado torpedos contra o destroyer americano, errando o alvo. Foram postas em fuga pelos disparos do navio e de aeronaves vindas do porta-aviões Ticonderoga. Como não houvera baixas ou danos, o presidente Lyndon Johnson decidira apenas enviar o Turner Joy para reforçar as patrulhas. Mas desta vez era mais grave.

De repente, a torrente de mensagens terminou. O silêncio durou uma hora, até que um novo telegrama chegou: “Revisão da acção faz parecer duvidosos os relatos de contactos e de torpedos disparados. Estranhos efeitos meteorológicos no radar e ansiedade do operador de sonar podem ser responsáveis por muitos dos relatos. Não houve quaisquer contactos visuais do Maddox. Sugiro completa avaliação antes de decidir acções de resposta.”

Disparar contra baleias

Anos mais tarde, Johnson, irónico, admitiria: “Tanto quanto eu sei, a nossa marinha andou por lá a disparar contra baleias.” Mas, naquele 4 de Agosto de 1964, a máquina de guerra americana já estava inexoravelmente em movimento para a retaliação. Enquanto continuavam a chegar os telegramas do comandante do Maddox recomendando que pelo menos se esperasse pelo amanhecer para obter uma avaliação mais precisa do que realmente ocorrera, o sucessor de John Kennedy estava reunido com o Conselho de Segurança Nacional para informar os planos do ataque aéreo que já estava em preparação. Porta-aviões navegavam a todo o vapor para atingir as coordenadas de onde seriam lançados os aviões que fariam ao amanhecer o primeiro ataque aéreo oficial americano sobre o Vietname do Norte.

Balanço final militar do ataque: quatro bases navais atingidas, 25 lanchas lançadoras de torpedos destruídas, um depósito de combustível que continha cerca de 10% das reservas do Vietname do Norte destruído a 90%. Mas o balanço político era mais pesado: depois de um período de envolvimento indirecto no Vietname (começado pela decisão de Truman de apoiar o colonialismo francês na Indochina), tropas americanas intervinham pela primeira vez, directa e oficialmente, na guerra.

Três dias depois, a Câmara de Representantes votaria, por unanimidade (416 votos), e o Senado, com apenas dois votos contra, uma resolução que dava a Johnson carta branca para atacar o Vietname do Norte. “É como a camisa de dormir da avó: cobre tudo”, diria Johnson acerca da resolução. A declaração de voto contra do senador democrata Wayne Morse soa hoje como premonitória: “A história registará que cometemos um grande erro pervertendo e afastando-nos da Constituição dos Estados Unidos… Na verdade, demos ao presidente o poder de fazer a guerra sem a declarar.”

Mas era uma voz mais que minoritária. As sondagens mostravam que 78% dos americanos apoiavam a reacção de Johnson (até esse momento, a sua política para o Vietname suscitara 58% de desaprovação). A manchete do Washington Post dava o tom: “O presidente mereceu o reconhecimento do mundo livre”. Em Novembro, Johnson ganharia as eleições, derrotando o republicano Barry Golwater que defendia o uso da força total dos EUA para ganhar a guerra do Vietname. A Resolução do Golfo de Tonkin e os ataques aéreos deram uma grande ajuda à performance do presidente democrata.

Depois dos ataques aéreos limitados vieram os bombardeios constantes; em seguida, o envio de tropas terrestres, na Primavera de 1965, numa rápida escalada belicista. 8 de Março: 3.500 marines enviados; 6 de Abril: 18 mil tropas de apoio. No final do mesmo ano, já havia 200 mil soldados americanos na região. Em Dezembro de 1966 eram 400 mil e no final de 1968 passavam de meio milhão.

Uma grande mentira

Mas naquela noite de 4 de Agosto, enquanto via na televisão da sua sala do Pentágono o discurso de Johnson anunciando a resposta a uma “agressão deliberada em alto mar contra os Estados Unidos da América”, o assessor especial Daniel Ellsberg sabia que o seu país estava a entrar abertamente na guerra com base numa grande mentira.

Johnson dissera que o suposto ataque de dia 4 era inequívoco, ignorando todos os avisos do comandante do Maddox que punham em causa as suas próprias informações dadas horas antes. O presidente dissera que a missão do Turner Joy e do Maddox era de “patrulha de rotina nas águas internacionais”. Na verdade as missões, que tinham recebido o nome de código DeSoto, violavam as águas territoriais do Vietname do Norte e tinham por objectivo provocar o accionamento dos radares vietnamitas. Nos navios havia equipamento sofisticado para poder localizá-los com precisão.

Além disso, as missões DeSoto estavam estreitamente coordenadas com operações de infiltração em território norte-vietnamita, que usavam lanchas rápidas compradas pela CIA à Noruega e mercenários sul-vietnamitas (contratados individualmente), de Taiwan ou de outros lugares do mundo. Estas operações, cujo nome de código era Op 34A, eram estreitamente coordenadas com as missões DeSoto e aprovadas pelas altas-esferas militares americanas. O Secretário de Estado Dean Rusk e o de Defesa McNamara estavam assim a mentir quando reconheceram a existência destas operações diante de comités do Senado, em sessão fechada, mas minimizaram-nas afirmando que se tratava de acções totalmente sul-vietnamitas e que Washington tinha apenas um vago conhecimento delas.

Fora justamente diante de uma destas acções concertadas que os norte-vietnamitas tinham reagido no dia 2 de Agosto.

Finalmente, os planos de ataques aéreos já estavam prontos há alguns meses: não foram uma reacção improvisada ao suposto ataque ao Maddox e ao Turner Joy. Nos primeiros dias de Junho daquele ano, uma conferência de conselheiros em Honolulu tinha aprovado os planos de ataques contra a República Democrática do Vietname, incluindo a sua continuação sustentada, e as opções para o envolvimento de tropas e equipamento no terreno para o que seria uma grande e longa guerra.

Os Documentos do Pentágono

Maio de 1971. Johnson desistira de se recandidatar e o vice-presidente democrata Hubert Humphrey fora derrotado pelo republicano Richard Nixon nas eleições de 1968, mas pela menor margem numas eleições presidenciais até então (510 mil votos). Em grande parte, a recuperação do apoio de Humphrey devera-se à promessa de acabar de vez com os bombardeios ao Vietname do Norte se fosse eleito. Durante a presidência de Johnson, 222.351 militares americanos morreram ou ficaram feridos.

No domingo 13 de Maio, o título principal do New York Times, a três colunas, era: “Arquivo do Vietname: Estudo do Pentágono traça 3 décadas de crescente envolvimento dos EUA” O mais influente diário americano começava assim uma série explosiva de reportagens baseadas num estudo de 7 mil páginas e 2,5 milhões de palavras realizado por 35 investigadores do Pentágono, entre 1967 e 1968, a pedido do então secretário de Defesa Robert McNamara. Desiludido com os resultados da guerra e da sua própria política, McNamara encomendara a investigação, para ficar para a história, antes de renunciar ao cargo. O calhamaço passaria à história como “Os Documentos do Pentágono” (The Pentagon Papers), classificado como Top-Secret Sensitive (o mais alto grau de segredo). Um dos autores era o acima citado Daniel Ellsberg, que, como diria a revista Time, na edição de 28 de Junho, “passara de super-falcão a super-pomba” e entregara o trabalho ao Times.

Os Documentos do Pentágono mostravam, entre outras coisas, que os EUA tinham suportado cerca de 80% dos custos da fracassada guerra dos franceses contra a Liga para a Independência do Vietname (Vietminh); que os EUA estavam envolvidos em acções clandestinas contra o Vietname do Norte desde 1954; que Washington tinha apoiado a sabotagem dos Acordos de Genebra de 1954 – que previam eleições em todo o Vietname e que levariam à unificação – pelo medo de que os comunistas ganhassem; que as acções clandestinas tinham aumentado significativamente em 1964, e que os incidentes de Tonkin tinham sido amplamente exagerados para justificar o início dos bombardeios aéreos. E, sobretudo, que todos os presidentes americanos envolvidos na guerra tinham ignorado os sucessivos estudos e avisos de conselheiros, investigadores, especialistas e até da própria CIA, e ampliado sucessivamente o envolvimento americano no pequeno país asiático, até chegarem á guerra total. Sempre alegando a “teoria do dominó”, e sempre na ilusão de que a guerra ainda poderia ser ganha ou que, pelo menos, seria possível manter um governo fantoche em Saigão.

Sobretudo, os documentos mostravam que todos os presidentes tinham mentido ao Congresso e ao público. “Cada passo parece ter sido dado quase em desespero porque o passo precedente não levou em conta o desmoronamento do governo sul-vietnamita e das suas tropas – e apesar das dúvidas frequentemente expressas sobre se o próximo movimento seria muito mais efectivo. Mas a burocracia, indicam os Documentos do Pentágono, pedia sempre mais opções; e cada opção era sempre aplicar mais força”, observava a Time.

Os Documentos revelavam também episódios caricatos que mostravam até que ponto chegava a relação dos EUA com os seus representantes-fantoche do governo sul-vietnamita. Numa reunião realizada na embaixada americana com os generais vietnamitas, incluindo o futuro presidente Nguyen Van Thieu e o futuro primeiro-ministro Nguyen Cao Ky, o embaixador-general Maxwell Taylor deu-lhes uma descompostura, como se estivesse a falar aos seus antigos cadetes de West Point. A propósito da instabilidade que se seguira ao golpe que derrubara o presidente Ngo Dinh Diem, gritou: “Todos compreendem o inglês?” Todos acenaram que sim. “Disse-lhes claramente no jantar com o general Westmoreland que nós americanos estamos cansados de golpes. Pelos vistos, desperdicei as minhas palavras. Vocês fizeram uma grande confusão. Não podemos apoiá-los para sempre se fazem coisas como esta.” Washington, porém apoiara o golpe contra Diem em 1963, o mesmo que havia ajudado a chegar ao cargo de primeiro-ministro em 1954.

Credibilidade afectada

H. R. Haldeman, chefe de gabinete de Nixon, faria um bom resumo do efeito explosivo provocado pela publicação dos Documentos. Em conversa com o presidente a 14 de Junho de 1971, a publicação do estudo acentuava a sensação das pessoas de que não se pode confiar no governo: “Não se pode acreditar no que eles dizem, não se pode confiar no seu julgamento. E a implícita infalibilidade dos presidentes, que tem sido uma coisa aceite na América, fica gravemente afectada, porque isto mostra que as pessoas fazem o que o presidente quer mesmo que esteja errado; e que o presidente pode estar errado.”

Foi justamente para tentar evitar que este sentimento se ampliasse, num momento em que o movimento antiguerra já crescera de forma esmagadora, que o governo tentou obter em tribunal uma limitação temporária da publicação da série de artigos, com vista a um embargo definitivo, alegando que a publicação causava prejuízos irreparáveis à segurança nacional. Tratava-se de um precedente gravíssimo e de um atentado à famosa Primeira Emenda da Constituição americana. Enquanto julgava o embargo, o tribunal concedeu a limitação e o Times teve de suspender a série. Mas logo o Washington Post retomava o bastão. Ellsberg, que escapou por casualidade a uma visita do FBI à sua casa, decidiu desaparecer, fugindo de casa em casa e entregando cópias dos Documentos a outros jornais.

Começou então uma verdadeira disputa entre Daniel Ellsberg e o Departamento de Justiça do governo Nixon. Ellsberg entregava os Documentos a jornais e o governo pedia o embargo. Depois do Post foi o Boston Globe, depois o St. Louis Post-Dispatch. Todos eles foram forçados a suspender a publicação, aguardando a decisão final do Supremo Tribunal. O caso entrou na história como uma das maiores batalhas em defesa da liberdade de imprensa nos Estados Unidos. As redes de TV mostraram-se mais reticentes, mas finalmente a CBS decidiu-se e Walter Cronkite, o mais prestigiado jornalista e apresentador da televisão da época, entrevistou Ellsberg em Cambridge a 23 de Junho (curiosamente, Ellsberg ainda estava na “clandestinidade” e o FBI não conseguia encontrá-lo, apesar de nunca ter saído da cidade).

Nos dias seguintes, cópias dos Documentos (ou parte deles) chegavam a novos jornais, como um enxame de abelhas. “Os esforços do governo vão acabar por se demonstrar inúteis; com mais e mais jornais publicando artigos, uma coisa é certa: a revelação pública dos conteúdos estará em breve disponível a todo o público americano”, diria o Washington Post.

No dia 25, baseado no testemunho de Linda Sinay – a dona de uma pequena empresa de publicidade que cedera a Ellsberg a fotocopiadora onde este fizera as primeiras cópias do estudo –, um juiz emitiu um mandato de captura contra ele. Mas a “super-pomba” ainda tinha mais cópias de documentos para enviar a jornais e só se entregou dois dias depois.

“Este [a divulgação dos Documentos] foi para mim um acto de esperança e de confiança. Esperança de que a verdade nos livre desta guerra. Confiança de que os americanos informados vão impor que os seus servidores públicos parem de mentir e que parem a carnificina e a morte de americanos na Indochina”, justificar-se-ia Ellsberg à multidão de jornalistas que o aguardava à porta do tribunal. Saiu, duas horas mais tarde, depois de pagar fiança. No dia 30, o Supremo Tribunal aboliu todas as limitações à publicação dos Documentos do Pentágono na Imprensa.

Nixon a caminho do fim

Por essa altura, Nixon já estava a quase um ano da sua segunda eleição e já tinha compreendido que a guerra não podia ser ganha. Procurava desesperadamente uma saída honrosa, que, para ele, passava por retirar as tropas mas deixar de pé o governo de Thieu. As pressões do movimento antiguerra tinham-no quase forçado a ordenar as primeiras retiradas de tropas em Junho de 1969, ao mesmo tempo que tentava forçar o governo do Vietname do Norte (Hanói) a aceitar um acordo “honroso” na Conferência de Paz de Paris que começara ainda sob a égide de Johnson, em Maio de 1968. Para isso, tentava combinar uma política de “vietnamização” (“O objectivo da nação deveria ser ajudar o Vietname do Sul a fazer a guerra e não fazê-la nós por eles”, diria), com a táctica do “bombardeiro louco”, que ele mesmo definia desta maneira:

“Quero que os norte-vietnamitas acreditem que eu posso fazer qualquer coisa…Vamos apenas segredar-lhes: ‘Pelo amor de Deus, sabem como o Nixon é obcecado pelo comunismo. Não podemos contê-lo quando está zangado – e ele tem nas mãos o botão nuclear’ – e o próprio Ho Chi Minh estará em Paris em dois dias mendigando a paz.”

Nixon nunca carregou no botão nuclear, mas estava de facto obcecado pela possibilidade de ser o primeiro presidente americano a perder uma guerra. Por isso, ampliou os bombardeamentos aéreos ao Cambodja e ao Laos e deu ordem aos B-52 para largarem toneladas de bombas sobre Hanói, ao mesmo tempo que mandava minar o porto de Haiphong, o principal do Vietname do Norte. Entretanto, mandava Kissinger iniciar negociações secretas. Reeleito em 1972, Nixon ficou porém nas mãos da maioria democrática do Congresso e sabia que os fundos de guerra em breve lhe seriam cortados. Se queria safar-se com um mínimo de honra, precisava acelerar o processo de paz.

A divulgação dos Documentos do Pentágono, entretanto, não o tinham deixado indiferente. Num primeiro momento achou até que saía favorecido, já que o estudo só mencionava a actuação dos seus antecessores democratas. Temia, porém, que Ellsberg possuísse documentos sobre as suas próprias acções clandestinas e os divulgasse.

Decidiu, assim, criar uma Unidade de Investigação Especial (SIU), que viria a ser conhecida pela alcunha de “os canalizadores”, já que o seu objectivo inicial era impedir as “fugas” de informação. Em breve, à medida que Nixon sentia que o cerco se apertava em torno dele – já que continuava a perder a guerra tanto na frente externa quanto na doméstica – os “canalizadores” começaram a tomar medidas mais audazes. Para encontrar meios de desacreditar Ellsberg, invadiram furtivamente o escritório do seu psicanalista, Dr. Fielding. Mais tarde, cinco agentes enviados pelos mesmos “canalizadores” foram infantilmente apanhados quando vasculhavam a meio da noite o escritório da campanha democrata no edifício Watergate em 17 de Junho de 1972.

Depois de muitas concessões, Nixon conseguiria a sua paz em 27 de Janeiro de 1973, contra a vontade do seu fantoche Thieu. Na verdade, mais do que paz, era uma retirada muito pouco honrosa. As tropas americanas saíam totalmente do Vietname, haveria uma troca de prisioneiros, Thieu manter-se-ia no governo de Saigão, mas as tropas do Norte não abandonariam as suas posições no Sul. Formava-se um Comité de Reconciliação Nacional, com participação dos comunistas, que prepararia eleições em todo o país. Nixon prometia ainda milhares de milhões de dólares para a ajuda à reconstrução de Hanói.

Um ano e meio depois, a 8 de Agosto de 1974, o escândalo Watergate forçou Nixon a renunciar. Restou-lhe a consolação de já não estar na Casa Branca quando, em 30 de Abril de 1975, os primeiros blindados norte-vietnamitas abriram, a tiros de canhão e sem resistência, os portões do palácio da Independência de Saigão.

Para Saber Mais

Daniel Ellsberg, Secrets – A Memoir of Vietnam and the Pentagon Papers, Nova York, Viking Penguin, 2002

Philippe Franchini, Les Guerres d’Indochine, Paris, Pygmalion, 1988

Gabriel Kolko, Anatomy of a War, Londres, Phoenix Press, 1985

Vivienne Sanders, The USA and Vietnam 1945-75, Londres, Hodder & Stoughton, 2002

Ngo Cong Duc et al, Vietname antes da paz, Lisboa, Publicações D. Quixote, 1971

“Pentagon Papers: The Secret War”, Time de 28/6/1971, in www.cnn.com/ALLPOLITICS/1996/analysis/back.time/9606/28/index.shtml

Daniel Ellsberg: de falcão a pomba

Nascido em Detroit, em 1931, Daniel Ellsberg foi trabalhar para a Rand Coporation, em 1959, como consultor do Departamento de Defesa e da Casa Branca. Nessa altura já tinha servido na Marinha de Guerra por três anos (presenciou em Alexandria a crise do Canal do Suez) e graduara-se em Harvard.

No seu papel de consultor da Rand, visitou pela primeira vez o Vietname em 1961, e voltou convencido de que a guerra não podia ser ganha e que o melhor que tinha a fazer era ficar longe desse assunto incómodo. Conseguiu-o só por três anos. Em 1964, assumiu um cargo de assessor no Pentágono e foi nele que presenciou o início da intervenção militar directa americana no Vietname. Um ano depois, foi como voluntário para o Vietname, ao serviço do Departamento de Estado, numa equipa liderada pelo famoso espião e militar Edward Lansdale (que inspirou Graham Greene no romance O Americano Tranquilo). Nos dois anos que aí permaneceu, aprofundou o seu conhecimento sobre a realidade da guerra e o beco sem saída em que os EUA tinham entrado. A estadia fê-lo também passar a ver os vietnamitas com outros olhos: “Aprendi a preocupar-me com o que acontecia ao povo vietnamita… Eles deixaram de ser apenas números e cifras abstractas, como eram para outras pessoas”, lembrou numa entrevista a Harry Kreisler, do Instituto de Estudos Internacionais de Berkeley.

Depois de ficar doente com hepatite, voltou para os EUA e para a Rand, quando trabalhou no estudo encomendado por Robert McNamara que ficaria mais tarde conhecido como os Documentos do Pentágono. Convencido de que Nixon iria seguir a linha dos seus antecessores e que faria de tudo para prolongar inutilmente o conflito, na tentativa de evitar a derrota, aproximou-se dos movimentos de protesto contra a guerra. Em Agosto de 1971, um encontro com um dos dirigentes do movimento antiguerra, Randall Keeler, mudou a sua vida. Keeler ia para a cadeia por se recusar a combater no Vietname. A tranquilidade e a firmeza do activista da não-violência (que preferia ir para a cadeia a, por exemplo, fugir para o Canadá) caiu como um raio sobre Ellsberg, que imediatamente começou a pensar o que ele pessoalmente podia fazer para ajudar a abreviar a guerra. Decidiu então copiar as 7 mil páginas dos Documentos do Pentágono para entregá-las ao Congresso e mais tarde à imprensa.

A tentativa do governo Nixon de impedir a publicação criou um dos mais famosos julgamentos em defesa da liberdade da imprensa. Mais tarde, o próprio Ellsberg, que assumira ter sido ele a fonte da imprensa, foi processado e levado a um julgamento onde se arriscava a uma pena de 115 anos. Mas as manobras do governo para tentar descredibilizá-lo, que incluíram a invasão do consultório do seu psicanalista, levaram finalmente o juiz a retirar as queixas e anular o julgamento em 1973.

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Ellsberg mantém um site na Internet em www.ellsberg.net

Fonte: Esquerda.net