“O Brasil não pode querer ser mais do que é”, afirmou, em algum momento de sua carreira, o ministro Lampreia, então Ministro de Relações Exteriores do Brasil do governo FHC.

“O Brasil é o que é”, penso, quando relembro esta frase do ministro (no sentido que tem na carreira do Itamaraty) que, dentro do seu ponto de vista, prestou bons serviços ao nosso país. Disso não duvido: das boas intenções do ministro Lampreia. Acontece que, como sabemos, de infernos as boas intenções são prenhes.

“O Brasil é o que é”: em duas ocasiões, essa frase me veio à mente, com sentidos completamente diferentes.

Em 1989, fiz boca-de-urna pelo Lula, no segundo turno (no primeiro também), em Itapecerica da Serra, onde eu morava, cidade-dormitório da Grande São Paulo. Foi um desastre. As famílias pobres para quem eu chegava me repeliam de modo assustador. Especialmente, se eram famílias negras. A afirmação de Miriam Cordeiro, amplamente divulgada como se fosse informação, de que “Lula era racista”, pegara de modo horrível. Depois da derrota, pensei: “O Brasil é o que é”. Apesar de Lula ter vencido no meu estado natal.

Neste ano da graça de 2010 acompanhei ao vivo ou pela internet as visitas de Dilma Roussef a alguns países da Europa. Vi decantadas – e cantadas – as glórias de nossa política social. As maravilhas de termos saído da crise, quase incólumes. Ouvi música e trovoadas (da mída conservadora, que aqui é menos feroz que a brasileira, mas também existe) diante da informação de que o Brasil dera 7,7% de reajuste aos seus aposentados. Se me viro aos quatro ventos da Rosa, vejo o Brasil sendo louvado e elogiado, discutido ou até criticado – mas com respeito, ao contrário do que acontece na nossa mídia convencional, caseira, pasteurizada e de espírito paroquial.
Penso de novo, mas com outro sentido: o Brasil é o que é. Não precisa querer ser mais do que é. Nem menos.

As intenções do ministro ao dizer o que disse eram boas. Acontece que todos nós temos nossa relação com o mundo em torno mediada por uma espécie de “caixa de ressonância” que carregamos ao redor da ou do – sei lá – mente, alma, espírito. Nessa caixa de ressonância entram em contato as imagens que recebemos do mundo externo com aquelas que carregamos de nossas heranças afetivas, mentais, coletivas, individuais.

E a caixa de ressonância tucana nos aponta, quase com um dedo duro, o destino irremediável de sermos um país “menor”. Não no tamanho, é claro. Mas no sentido de “menor de idade”, aquele ser que, “ao querer ser mais do que é”, vira um “delinqüente”.

Os motivos podem ser variados, e não vem ao caso discutir. Os de Lampreia devem ser de um tipo diferente dos de FHC, que por sua vez serão diferentes dos de X, Y, ou Z. A conclusão, sempre que leio os textos tucanais, é a mesma: somos um país “menor de idade”. Uma criança a quem essa nossa “élite” (porque eles não se identificam com esse país, conosco) deve constantemente dar corretivos, seja sob a forma de poderes coercitivos, seja sob a forma de purgantes rece/depre/ssivos.

Afinal, o que fazer com um povo desregrado, que pensa poder ser igual aos norte-americanos, aos europeus, senão mostrar-lhe o seu lugar?
Bom, não sabemos o que vai acontecer. Vamos aguardar (batalhando) as eleições de outubro. Mas com a consciência de que o Brasil mostrou que ele é o que ele é, ou seja, de que “um outro Brasil é possível”.

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Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim

Fonte: Carta Maior