As raízes desta crise econômica estão muito vinculadas ao crescimento da desigualdade das últimas três décadas. Isso se torna claro quando reconhecemos que o tumor financeiro é um aspecto menor da crise geral, e que sua causa principal é o desequilíbrio criado pela bolha imobiliária.

A crise financeira produziu muito drama e manchetes, assim como tivemos de assistir ao secretário do Tesouro, ao presidente do Federal Reserve e aos executivos de bancos colapsados acordados nas noites de fins de semana preparando juntos pacotes de resgate. Contudo, esse show era apenas uma nota de pé de página para nós, que não trabalhamos nesses bancos ou que não temos grandes quantias de ativos depositados neles. Os pacotes do FED e do Tesouro foram vendidos como necessários para salvar a economia, mas foram majoritariamente destinados ao resgate do Goldmann Sachs, Citigroup e de outras grandes instituições financeiras.

No pior cenário, os grandes bancos sofreriam uma intervenção do FED e do FDIC, levando a mais incerteza nos mercados financeiros e a uma maré de processos. Isso provavelmente teria resultado numa queda mais aguda do que aquela que experienciamos, mas certamente não a uma segunda Grande Depressão, que os políticos ameaçaram que iria ocorrer, caso não vomitássemos o dinheiro para salvar os bancos.

A primeira Grande Depressão não foi simplesmente o resultado de um erro político no início da crise bancária. Foi causada por dez anos de respostas políticas inadequadas. Se o governo tivesse buscado suficientemente um estímulo agressivo nos marcos dos anos 30, poderia ter restaurado a economia do pleno emprego muito antes de a Segunda Guerra Mundial forçar esse estímulo ao país. Da mesma maneira, fracassar no resgate dos bancos no outono de 2008 não teria necessitado dez anos de política estúpida; uma segunda Grande Depressão jamais foi considerada por eles.

Também é importante desfazer a afirmação de que a retração econômica está sendo perpetrada pela falta de boa vontade dos bancos em emprestar, por conta de seu capital fraco. Essa história não se encaixa nos fatos. A posição de capital de muitos bancos cautelosos está simplesmente bem, e ainda assim eles não estão se esforçando para emprestar e roubar participação em mercado de competidores sequelados. Do mesmo modo, grandes firmas não têm problema em levantar agora capital a custos muito baixos. Ainda assim a Wall-Mart e a Starbucks não estão correndo para ganhar às expensas dos pequenos negócios que não podem emprestar dos bancos. O problema é simplesmente que os consumidores estão sem dinheiro algum: bancos saudáveis não estão emprestando e companhias ricas e endinheiradas não estão expandindo seus negócios, porque a fraca demanda torna qualquer investimento arriscado.

Em resumo, a história da fraqueza econômica sendo resultante de um sistema bancário quebrado é uma completa fabricação. Essa é uma história boa se sua intenção é pegar mais dinheiro para os bancos. Não é uma boa história se o seu objetivo é trazer a economia de volta ao pleno emprego.

A história real é uma simples história da explosão de uma bolha imobiliária. Com o seu auge em 2006, a riqueza criada pela bolha e a bolha menor, de imóveis não residenciais estavam gerando mais de um trilhão de dólares por ano em demanda. Isso tomou a forma de mais de 500 bilhões de dólares em demandas de construções excessivas, com construtores apressados em concluir projetos que lideram os preços inflados da bolha. E também levou a mais 500 bilhões de dólares em consumo adicional, enquanto as pessoas gastaram 8 trilhões de dólares baseados no valor da bolha dos empréstimos de tipo home equity gerados.

Por mais que os economistas gostem de fingir serem magos, eles não têm pouca dificuldade em alocar 1 trilhão de dólares anuais em demanda. O pacote de estímulo de 2009 da administração Obama talvez tenha sido um terço disso, e já era grande o suficiente.

Isso nos leva à questão de por que, em primeiro lugar, tivemos a bolha financeira, o que nos conduz diretamente à questão da desigualdade. Nas três décadas subsequentes à Segunda Guerra Mundial, não houve qualquer bolha relevante na economia. O crescimento da produtividade foi traduzido no crescimento dos salários, que por sua vez legou a mais consumo. O crescimento da demanda levou a mais investimento, crescimento da produtividade e dos salários.

Esse círculo virtuoso foi quebrado na era das políticas de Reagan que visavam a enfraquecer o poder do trabalhador comum. Os salários deixaram de estar vinculados ao crescimento da produtividade, eliminando a ligação automática entre crescimento da produtividade e da demanda. Isso levou a economia a exceder sua capacidade, o que foi plenamente realizado nos anos 90, com a demanda gerada pela bolha de ações e nos anos 2000, com a demanda gerada pela bolha imobiliária.

Se as mudanças institucionais da era Reagan não tivessem enfraquecido o poder de barganha dos trabalhadores, essas bolhas não teriam sido possíveis. A demanda teria sido acompanhada da capacidade de produção da economia. O FED não teria sentido a necessidade de baixar as taxas de juros para sustentar a demanda. Mais ainda, se o FED tivesse qualquer preocupação com a inflação, a qual nesse ambiente teria sido liderada pelo crescimento de salário, jamais teria baixado as taxas de juros, como o fez nos anos 90 e ainda mais na década passada. A queda na taxa de juros sozinha não pode ser culpada pelas bolhas de ações e imobiliária, mas é seguro dizer que essas bolhas não poderiam ter sido ampliadas num ambiente de altas taxas de juros.

Em resumo, o aumento da desigualdade está no centro da atual crise econômica. E como esse aumento na desigualdade não é um processo natural, mas o resultado de uma política consciente, pode ser revertido. Alguns dos remédios são bem conhecidos. Restaurar alguma disciplina aos pagamentos dos executivos seria um grande passo inicial. Uma maneira de fazê-lo seria mudar as regras da governança corporativa e exigir que esses pacotes de compensação fossem aprovados pelos acionistas, onde só os votos diretamente lançados [sem procuração] contariam.

Uma pequena taxa sobre especulação financeira seria um caminho longo para a moderação dos salários multimilionários em Wall Street. A cotação das taxas sendo discutida no Congresso aumentaria os custos dos negócios ao nível do fim dos anos 80 ou início dos 90, mas dariam uma pequena mordida nos lucros dos negócios de curto prazo em que a turma de Wall Street se excede.

Comércio e política de imigração tem sido estruturados para pôr os trabalhadores de baixa formação em competição direta por baixos salários, no mundo em desenvolvimento, pressionando então seus salários para baixo. Nós podemos em vez disso reestruturar o comércio e a política de imigração de maneira a sujeitar profissionais altamente bem remunerados (doutores, advogados, dentistas, etc) para que desempenhem todo o seu potencial em níveis de competição internacional. Isso ajudaria a diminuir os salários dos 2 ou 3% melhor remunerados na distribuição dos salários. E também aumentaria os salários reais para o resto da força de trabalho, ao baixar os preços dos bens e serviços produzidos por esses profissionais.

Finalmente, os sindicatos têm sido há muito a maior força na redução da desigualdade. O que quer que possa ser feito para proteger o direito de organização e que permita aos trabalhadores a opção de organizar sindicatos ajudará a reduzir a desigualdade.

Não é a dificuldade em desenvolver políticas de redução da desigualdade que tem nos levado a uma crise econômica. O problema é ter vontade política para isso.

____________________________________________________________________

Dean Baker é codiretor do Center for Economic and Policy Research (CEPR) http://www.cepr.net/ . É autor de Plunder and Blunder: The Rise and Fall of the Bubble e de False Profits: Recovering From the Bubble Economy

Tradução: Katarina Peixoto

Fonte: The Nation, na Carta Maior