A capacidade criativa da ciência nacional pode beneficiar os brasileiros de forma mais profunda que qualquer conquista esportiva, mas está praticamente impedida de competir. Por isso, nestes dias em que tanto discutimos nossos talentos, vale a pena olhar além dos gramados africanos.

Tomemos o exemplo de um novo tratamento de lesões nas articulações com a utilização de células-tronco, aperfeiçoado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Tão comuns no futebol, lesões no joelho e tornozelo estão entre as que poderão ser curadas por essa técnica, desde que ela se mostre viável, segura e eficaz ao longo de um processo de aprimoramento tecnológico e testes clínicos.

Esse processo demanda investimentos consideráveis e sujeitos a riscos, uma vez que nessa atividade, como no esporte, não há garantia de sucesso. É aí, na hora em que precisam fazer parcerias para desenvolver e comercializar invenções, que nossas equipes de ciência e tecnologia se deparam com “regras de jogo” desfavoráveis. O alvo principal do novo tratamento é o grande contingente de brasileiros que sofrem com problemas articulares. O sistema público de saúde é, portanto, seu grande comprador potencial.

Ocorre que o tratamento vem sendo desenvolvido por uma pequena empresa incubada no Polo de Biotecnologia do Rio de Janeiro (Bio-Rio), e a legislação de compras e contratações públicas, em especial a lei nº 8.666/93, faz exigências que, na prática, quase sempre eliminam a possibilidade de pequenas empresas vencerem licitações.

É bem possível, portanto, que mais uma invenção gerada no Brasil seja engavetada, até que uma grande empresa estrangeira nos venda um tratamento similar registrado em países onde a legislação mais estimula a inovação.

A exigência de pregões, nos quais o único critério de escolha é o menor preço, ou de licitações burocráticas e morosas trava o setor de ciência e tecnologia, que demanda flexibilidade, agilidade e critérios específicos. Nos casos em que a lei autoriza a dispensa da licitação, a interpretação restritiva dos órgãos de controle desestimula ou impede o uso da exceção legal.

Para transformar essa situação, um grupo liderado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e pela Academia Brasileira de Ciências, do qual tive a honra de participar, elaborou proposta simples, mas de grande impacto. Trata-se de autorizar as instituições de ciência e tecnologia e as agências de fomento a realizar suas compras, contratações e parcerias com base em regulamento próprio.

A proposta libera os agentes da inovação das amarras da lei nº 8.666/93, preservando a atuação dos órgãos de controle; concede maior autonomia em troca de mais transparência e prestação de contas.

Se transformada em lei, a proposta, apresentada na 4ª Conferência de Ciência, Tecnologia e Inovação, permitirá que o potencial inventivo da ciência nacional sirva efetivamente ao desenvolvimento do país. Uma meta que merece torcida e apoio de todos nós.

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Advogado e professor licenciado da Faculdade de Direito da PUC/SP. Foi presidente da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente de 2002 a 2006

Fonte: jornal Folha de S. Paulo