Após 300 anos de colonização e escravidão, entretanto, as eleições não conseguiram mobilizar a população, que não entendia nem mesmo o significado de votar. O Brasil possuía poucos eleitores. Entre os cerca de cinco milhões de habitantes espalhados pelo vasto território – 95% de analfabetos – uma minoria ia às urnas. Havia mais de um milhão de escravos e 800 mil índios, que estavam excluídos do processo eleitoral, além de outras categorias indicadas pela legislação.

Exigia-se uma renda líquida anual de cem mil réis para os votantes (na eleição de primeiro grau), que escolhiam os eleitores encarregados da escolha dos deputados e senadores. Segundo o brasilianista Richard Graham, essa renda só não era acessível aos mendigos e vagabundos na época. No caso dos eleitores, a exigência de renda subia para 200 mil réis.

Podiam ser votantes os cidadãos brasileiros e os estrangeiros naturalizados com mais de 25 anos, oficiais militares com mais de 21 anos e bacharéis e clérigos de qualquer idade. Excluíam-se ainda, entre outras categorias, as mulheres e os escravos. No dia da eleição, entretanto, entre os votantes existiam até mesmo escravos, que eram vestidos e calçados pelos senhores para se passarem por homens livres.

Não havia rigor nem controle sobre a comprovação das qualificações exigidas pela lei para participar da votação. Dentro das igrejas, onde a eleição era realizada, até as imagens, candelabros e outros objetos eram retirados para não servir de projéteis, segundo o deputado conservador Francisco Belisário Soares de Souza – testemunho da época -, porque a turbulência, o alarido, a violência e a pancadaria decidiam o conflito.

CURRAL ELEITORAL

Mais de 90% da população vivia na zona rural, onde os todo-poderosos senhores de engenho e grandes proprietários rurais dominavam a vida pública e, naturalmente, o processo eleitoral e político. Para garantir os votos necessários à escolha dos eleitores e influir na eleição de deputados e senadores, esses potentados mantinham centenas de homens livres e pobres como agregados, durante todo o ano.

Os senhores forneciam comida, roupa e proteção, em troca de fidelidade eleitoral. No dia da eleição, confinados em currais e barracões, os votantes eram vigiados por capangas até o final do pleito. Alguns senhores dirigiam-se à Igreja matriz acompanhado de seus afilhados, como descreve o historiador Richard Graham, no livro “Clientelismo e Política no Brasil do Século XIX.”

O alto custo dessa empreitada foi um dos motivos para a introdução do voto direto, em 1881. Mas os currais permaneceram como herança até meados do século XX no processo eleitoral brasileiro, marcado pela violência, sobretudo nas zonas rurais, mais distantes do poder central.

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Rosane Soares Santana é jornalista, com mestrado em História pela UFBA. Estuda o Poder Legislativo, elites políticas e eleições no Brasil.

Fonte: Terra Magazine