São para deixar com a orelha em pé as desconfianças e resistências exacerbadas com as quais, em certas áreas, foi recebida a assinatura do compromisso de Teerã. Inglaterra, França, Estados Unidos e Alemanha – com maior ou menor grau de desenvoltura – preferiram questionar a eficácia do acordo a reconhecer o estabelecimento concreto de novos paradigmas.

Seus porta-vozes recorrem a argumentos frágeis. Um deles é que o Irã não estaria transferindo todo seu estoque de urânio para a Turquia, quando a própria Agência Internacional de Energia Atômica já calculara que a neutralização de 1,2 toneladas do minério seria o suficiente para anular qualquer projeto atômico de caráter militar. No fundamental, os termos do acordo são os mesmos da proposta oferecida por Estados Unidos, Rússia e França há oito meses, pela qual o Irã deveria entregar ao redor de 70% do seu urânio enriquecido a mais de 5%.

As lideranças desses países dão sinais de se sentirem duplamente incomodadas. Antes de mais nada porque sua arrogância imperialista, geneticamente indutora do belicismo, foi suplantada pela intervenção de um líder popular e de esquerda do terceiro mundo. Mas também porque não lhes agrada perder o pretexto nuclear de sua estratégia geopolítica.

Tal como as “armas de destruição em massa” foram senha para a ocupação ilegal do Iraque, o risco do desenvolvimento da bomba é código para enfraquecer e derrotar o único pólo de resistência à hegemonia norte-americana e ao sionismo no Oriente Médio. As principais nações capitalistas ambicionam, além do mais, controlar o petróleo do Golfo Pérsico e a rota marítima do estreito de Ormuz, por onde trafega o óleo da Arábia Saudita, Kuwait e outros países árabes, rumo ao ocidente.

Os senhores da guerra acabaram surpreendidos pela capacidade de articulação do presidente Lula e pela disposição de diálogo do governante iraniano. Até esse último final de semana davam de barato que, mais cedo ou mais tarde, um governo títere acabaria por emergir em um Irã submetido ao sofrimento econômico e à ameaça militar. O líder brasileiro atrapalhou esses planos, ao facilitar um ambiente de negociação justa e soberana.

Mas não deve haver ilusões. Nos próximos dias os chefes políticos das grandes potências farão o que puderem para limar a repercussão positiva do acordo de Teerã, para desacreditá-lo e levá-lo ao fracasso. Ainda que temam ficarem nus diante da opinião pública, não podem admitir que soluções dessa envergadura sejam adotadas à sua revelia. Contarão com o apoio, nessa empreitada, de grande parte das principais máquinas de comunicação.

A intervenção do presidente Lula, afinal, não é reveladora apenas de talento e carisma. Apresenta-se como a conseqüência de uma política internacional autônoma que busca fortalecer laços de todos os tipos entre povos e governos encurralados pela ordem unipolar. A relação de franqueza e confiança com os iranianos é produto desse esforço.

Outros líderes que partilham desse ponto de vista também aportaram sua colaboração, como o venezuelano Hugo Chávez, que se empenhou em eliminar as últimas resistências do colega Ahmadinejad a uma saída pactuada. Mesmo a Turquia, integrante da OTAN e aliada próxima dos Estados Unidos, acabou por se juntar ao caminho proposto por Lula.

A formação de alianças fora da órbita imperial, porém, é tudo o que não interessa a Washington e seus subservientes associados europeus. Trata-se de inaceitável desrespeito ao acordo tácito para transição do unilateralismo pós-guerra fria a um multilateralismo circunscrito às nações do G8. A cúpula de Teerã viola os interesses desses centros hegemônicos, que de tudo farão para ressuscitar o impasse nuclear.

O que está em jogo vai além do episódio iraniano. Diz respeito à possibilidade de uma reconfiguração ampla do cenário mundial. O embate, que será duro e encarniçado, apenas subiu de patamar. O Brasil ajudou a dar voz e vez ao sul do planeta.

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Breno Altman é jornalista e diretor editorial do site Opera Mundi

Fonte: Opera Mundi