Os recentes acontecimentos do cenário internacional têm feito com que o tema “segurança energética” volte a ter uma crucial relevância para o mundo. Nesse contexto, a energia nuclear, cuja fonte primária é o urânio, minério encontrado em expressivas quantidades no território nacional – uma das maiores reservas do mundo –, passa a ter uma dimensão estratégica adicional para o desenvolvimento econômico e social do Brasil e de todo o mundo.

Em setembro de 2008, durante visita à Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, em Angra dos Reis, Rio de Janeiro, o Exmo. Sr. ministro de Minas e Energia afirmou que, após as expansões do parque nuclear previstas pelo Plano Decenal de Energia (Angra 3 em 2014) e pelo Plano Nacional de Energia (de 4 a 8 GW nucleares adicionais até 2030), de 2031 a 2060, o Brasil deveria implantar uma usina nuclear a cada ano.
Certamente o ministro não pretendeu que essa afirmação fosse considerada como um plano de governo – ela foi fruto de uma reflexão prospectiva baseada em hipóteses bastante consistentes para o aparentemente distante ano de 2060: a população brasileira estaria estabilizada em 250 milhões de habitantes; o potencial hídrico nacional estaria praticamente esgotado, havendo uma capacidade de hidrelétrica instalada de 190 mil MW; a capacidade instalada de geração elétrica seria da ordem de 1 kW por habitante; para um fator de utilização médio de 50% determinado pela preponderância hídrica do sistema; esta capacidade equivaleria a um consumo de eletricidade de 4380 Kw/hora por habitante, similar ao consumo de Portugal em 2008; e a participação nuclear nesta capacidade instalada de geração seria de 24%, o que equivaleria a um parque de usinas nucleares similar ao existente hoje na França, que foi implantado em 25 anos e não em 50, como minha proposição.

Lógico, essa proposição para o horizonte 2031-2060 não pode ser comparada com os estudos aprofundados de planejamento energético feitos pela EPE para o horizonte 2030, consolidado pelo PNE. Entretanto, ela nos permite refletir sobre o enorme desafio a ser enfrentado pelos governos futuros e pela sociedade brasileira como um todo.

O consumo de eletricidade per capita do brasileiro é menor do que a metade do consumo do português e está abaixo da média mundial. Grande parte dos nossos lares ou não consome ou usa menos energia elétrica do que necessitaria para uma qualidade de vida minimamente aceitável. Para atender às necessidades sociais básicas, ainda inacessíveis a uma grande parcela dos brasileiros, precisamos aumentar significativamente o número e a qualidade de escolas, hospitais, postos de saúde, estações de coleta e tratamento de água e esgoto. Precisamos crescer a capacidade de nosso parque industrial para que a parcela excluída de nossa sociedade tenha acesso a bens e serviços de consumo de massa, de sabonetes e pasta de dentes a computadores e celulares, passando por roupas e produtos culturais como teatro, cinema. Temos o enorme desafio de dar alimento e moradia digna a todos – e para isso precisamos produzir os insumos indispensáveis à agricultura e à construção civil. Temos grandes deficiências em transporte público nas nossas metrópoles e gargalos na infraestrutura logística – rodovias, ferrovias, portos e aeroportos –, que precisam ser superados.

Tudo isso requer muita, mas muita eletricidade. Para atender às necessidades decorrentes do crescimento populacional e socioeconômico, precisamos aumentar significativamente nossa oferta de energia. Se desejarmos que isto ocorra sem aumentar significativamente a geração de gases de efeito estufa, causadores de mudanças climáticas, e mínimo impacto sobre o meio ambiente, não podemos abrir mão da contribuição da energia nuclear, como a França fez na década de 1970 e China, Índia e Rússia, nossos “colegas” no clube dos BRIC, estão fazendo hoje.

O Plano Nacional de Energia PNE-2030, desenvolvido pela Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE), projeta a necessidade de um aumento da capacidade instalada de geração de energia elétrica entre 2015 e 2030 superior a 100 mil MW, distribuídos em um amplo portfólio de tecnologias de geração, com predomínio da geração hidrelétrica. Este estudo prevê a instalação de 4 a 8 GW nucleares adicionais após a implantação de Angra 3. Para o cenário de referência, o PNE-2030 considera a necessidade de instalação de 2 GW na Região Nordeste e 2 GW na Região Sudeste.

O Conselho de Desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro (CDPNB), criado por decreto do presidente da República em 18 de junho de 2008, estabeleceu como meta a implantação, até 2030, de 2 UTNs (Usinas Termonucleares) no Nordeste e 2 UTNs no Sudeste até 2030, seguindo o seguinte cronograma-tentativa, que considera ainda a possibilidade de 2 UTNs adicionais no horizonte de planejamento 2025-2030:

– Central Nuclear do Nordeste, UTN NE-1: 2019
– Central Nuclear do Nordeste, UTN NE-2: 2021
– Central Nuclear do Sudeste, UTN SE-1: 2023
– Central Nuclear do Sudeste, UTN SE-2: 2025

Uma UTN representa um dos empreendimentos industriais mais intensivos em capital. Esse capital é submetido a diferentes riscos ao longo das respectivas etapas de implantação. A determinação destes riscos, sua quantificação e o desenvolvimento de contramedidas para minimizá-los constituem fator determinante para o sucesso desses empreendimentos.

A fase inicial de exequibilidade desses novos empreendimentos deverá ser desenvolvida obedecendo às seguintes etapas:

a) Seleção de sítios;
b) seleção de tecnologia;
c) desenvolvimento de planejamento e cronograma de licenciamento nuclear e ambiental;
d) desenvolvimento de opções de estrutura de capital;
e) estabelecimento de alternativas de financiamento; e
f) desenvolvimento de perfil de riscos do empreendimento.

Um processo de seleção de sítios utilizando metodologias atuais será implementado, considerando cerca de 50 critérios de exclusão, evitação e adequação, resultando na determinação do sítio preferido. O processo será suportado por um plano de comunicação e por um sistema de informação geográfica. O objetivo é selecionar o sítio que apresente a maior probabilidade de ser licenciado em prazo limitado e resulte nos menores impactos sobre os custos de construção e operação.

Partindo do pressuposto inicial que a tecnologia básica dessas UTNs será PWR (Pressurized Water Reactor), um processo de seleção dos produtos baseados nessa tecnologia disponíveis no mercado internacional será implementado, visando a identificar aquele que promova a maior probabilidade de sucesso empresarial ao empreendimento. Critérios de seleção serão especificados, favorecendo tecnologias da chamada “Geração III+” de usinas nucleares, considerando:

– Potência instalada da ordem de 1000 MW;
– licenciamento em países com grandes parques de geração núcleo-elétrica e que já tenham sido testados;
– custos de EPC menores;
– prazos de construção os mais abreviados;
– determinação do fornecedor em promover transferência de tecnologia mais acentuada;
– determinação do fornecedor em aceitar multas por atrasos e aumentos de escopo seja mais favorável;
– determinação do fornecedor em participar do projeto com capital próprio ou financiamento seja explicitada; e
– preferência por tecnologias que tenham incorporadas em seus projetos os princípios de simplicidade, padronização e modularização.

Um planejamento de licenciamento nuclear e ambiental será desenvolvido, visando a obter já ao princípio do empreendimento, porém, antes dos grandes investimentos em EPC, as licenças iniciais de instalação e esforços adicionais serão desenvolvidos tão cedo quanto possível no projeto, visando à obtenção antecipada das licenças requeridas. Tem-se por objetivo avançar o máximo possível com o processo de licenciamento nas fases inicias do empreendimento, reduzindo o risco de atrasos durante a construção, quando o grande volume de capital já estará sob risco.

O estudo de viabilidade econômica demonstrará o Valor Presente Líquido positivo do empreendimento, com tarifas de equilíbrio competitivas para o mercado elétrico projetado para a época de início de operação.
Independentemente do modelo de financiamento e estrutura de capital, os novos empreendimentos deverão contar exclusivamente com a futura geração de caixa para amortizar os investimentos e cobrir seus custos, sem a utilização de recursos públicos a fundo perdido.

Tendo em vista o expressivo número de contratos de construção de novas usinas nucleares (44 unidades estão sendo construídas em 12 países), a expressa disposição de novos empreendimentos em vários países (26 usinas planejadas somente nos EUA) e os resultados favoráveis das usinas recentemente construídas no Japão e Coreia do Sul, torna-se evidente a competitividade econômica dos empreendimentos nucleares. Esta tende a aumentar na medida em que taxas sejam cobradas pela emissão de CO2 em usinas termoelétricas convencionais, e/ou se estabeleçam mecanismos de limitação e troca de permissões para liberação de gases causadores do efeito estufa, o que se apresenta inexorável nas próximas décadas.
Estas considerações sinalizam a realista competitividade econômica da opção nuclear, e pressupõe-se que mecanismos institucionais venham a ser desenvolvidos para permitir ou mesmo incentivar a participação de capital privado, nacional ou internacional, nos novos empreendimentos nucleares no Brasil.

A partir de uma estrutura de capital que beneficie o compartilhamento do risco, preserve o controle de gestão sobre o ativo nuclear pela União, de forma a respeitar os ditames constitucionais, enquanto promove a competitividade econômica do empreendimento, diversas naturezas de proprietários deverão ser identificadas.

O risco empresarial nuclear se concentra quase que inteiramente na etapa de construção, distribuídos em EPC, licenciamento, atrasos na construção etc. Uma vez concluída a construção e iniciado o período de operação comercial, o risco é pequeno, conforme demonstram indicadores de produção e custos ao redor do mundo. Existem claras evidências de que é possível associar uma operação segura, confiável e com expressiva geração de caixa, suficiente para amortizar o capital inicial, com suficiente cobertura para os custos de O&M e, posteriormente, permitir ao empreendedor nuclear que se aproprie de grandes margens entre o custo de produção e o preço de venda da eletricidade.

A primeira macro-região estabelecida pelo PNE-2030 para receber novas UTNs é o Nordeste brasileiro. Nele, a região de interesse encontra-se na faixa litorânea localizada entre os seus dois grandes centros de carga, Salvador e Recife, e no vale dos grandes rios nele encontrados.

O cronograma típico de instalação de uma nova UTN estende-se ao longo de 10 anos entre a decisão pela implantação do empreendimento e o início de sua operação. A primeira fase dos estudos de localização para seleção do sítio já foi iniciada. Ela consiste em aplicar os critérios de exclusão definidos com base em normas internacionais à região de interesse, de forma a identificar de 15 a 20 sítios tecnicamente viáveis. A sua conclusão está prevista para ocorrer ainda este ano de 2009. Para as fases posteriores será considerado o envolvimento de universidades, centros de pesquisas e empresas de engenharia nordestinas, bem como dos governos estaduais e municipais envolvidos.

Nesses estudos serão considerados aspectos geográficos, demográficos, meteorológicos, hidrológicos, geológicos, sismológicos e geotécnicos na seleção das condicionantes a serem exigidas dos potenciais candidatos a alocarem a Central Nuclear do Nordeste. Dentre elas estão:

1. Configuração e localização do sítio:

A área que contenha o reator e as principais estruturas associadas deve atender aos requisitos de distância do limite da área de exclusão, incluindo direção, distância e orientação adequadas com relação a rodovias, ferrovias e vias fluviais das proximidades. Necessita observar as normas e padrões requeridos para proteção radiológica do público e do meio ambiente.

2. Distribuição da população:

O sítio deve atender aos requisitos de limites de área de exclusão, zona de baixa população, distâncias aos centros populacionais e de distribuição da população.

3. Instalações industriais, de transporte e militares nas proximidades:

O sítio deve preservar distância especificada dessas instalações, assegurando que eventuais acidentes externos não representem ameaça às instalações nucleares, com frequência anual superior aos requisitos de normas específicas.

4. Meteorologia:

O sítio deve estar submetido a parâmetros meteorológicos adequados e limites especificados por normas, incluindo temperatura e umidade do ar, precipitação pluviométrica, ventos, tornados e difusão atmosférica.

5. Hidrologia:

As condições hidrológicas do sítio devem ser adequadas para atender aos requisitos relativos a inundações, precipitações máximas, potenciais falhas estruturais de represas, inundação máxima decorrente de eventos extremos e de suprimento de água de refrigeração normal e de emergência.

6. Geologia, sismologia e geotécnica:

O sítio deve atender aos requisitos de resistência a eventos sísmicos, com margens adequadas de segurança sobre a capacidade das estruturas, componentes e sistemas a fim de que suportem eventos sem ocorrência de falhas estruturais. As características do sítio devem assegurar a inexistência de falhas geológicas a partir de padrões especificados, promovendo um comportamento dinâmico adequado. Eventos sísmicos; aspectos adicionais tais como movimentos de vibração do solo; estabilidade de materiais e fundações; liquefação; uniformidade do solo; estabilidade; e proximidade de represas e açudes serão considerados, assegurando que impactos adversos à segurança nuclear sejam limitados a probabilidades desprezíveis.

As atividades consistirão na determinação de critérios de exclusão, evitação e adequação nas áreas de saúde e segurança, ambiental, socioeconômico, engenharia e custos e, ainda, sua aplicação aos potenciais sítios identificados na “região de interesse”.

Preliminarmente, essa região será mapeada através de um sistema geográfico de informações na escala 1:250.000. As áreas incompatíveis com a instalação de usinas nucleares serão excluídas e áreas candidatas identificadas. Adicionalmente, critérios de seleção serão incorporados para assegurar se elas são viáveis, otimizadas ao grau possível e que permitam alguma flexibilidade ao processo de arranjo geral do sítio. Cerca de 15 a 20 áreas candidatas serão identificadas nessa primeira etapa.

Numa segunda etapa, informações geográficas mais detalhadas, em escala de até 1:24.000, serão analisadas e resultarão em eliminação de áreas adicionais pelo critério de evitação, restando cerca de 10 sítios candidatos.

Os sítios remanescentes serão estudados detalhadamente e classificados em ordem de preferência a partir de seus atributos, restando cerca de quatro sítios excelentes, sob todos os critérios que compõem o processo de seleção. Estes serão, então, levados à decisão política, sendo finalmente escolhido o sitio.
Considerando-se o desejável desenvolvimento econômico sustentado do Brasil, o consumo de energia elétrica deverá continuar a ter elevada taxa de crescimento, em geral superior à do PIB. Um dos maiores desafios que o País terá de enfrentar nos próximos 20 anos será viabilizar o atendimento a essa necessidade de expansão da capacidade instalada do sistema elétrico nacional, ao mínimo custo e de forma ambientalmente viável, garantindo segurança e confiabilidade ao sistema e, simultaneamente, disponibilidade de oferta e modicidade tarifária aos usuários.

A resposta só pode ser uma: aproveitar ao máximo e o mais rápido possível todos os recursos disponíveis no país para aumentar a geração de eletricidade. O desafio nessa empreitada é tão grande que abre espaço para todas as fontes viáveis técnica e economicamente.

Para vencer esse desafio, a contribuição da geração elétrica nuclear torna-se indispensável.
Os átomos no Brasil, talvez até mais do que em qualquer outro país, são exclusivamente para a paz e prosperidade da Nação.

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Othon Luiz Pinheiro da Silva é presidente da Eletronuclear
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Leonam dos Santos Guimarães é assistente do Diretor-Presidente da Eletronuclear e foi Coordenador do Programa de Propulsão Nuclear no CTMSP

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Fonte: revista Princípios