Quando soube que o semideus Joaquim Barbosa, depois de descer do Olimpo para nos redimir da imoralidade congênita, abriu empresas no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas para comprar imóveis na Flórida, pensei na sua obra imorredoura no Supremo Tribunal Federal. Pensei: talvez não seja aquele Barbosa. Não seria outro Barbosa e se estaria imputando ao nosso Barbosa essa monumental barbosada? Pois, como todos sabemos, era o tal.

Barbosa, o Bom Menino da, com o perdão da palavra, revista Veja, pagou R$ 1,2 milhão na bucha por um apartamento no condomínio Icon Brickell, em badalado bairro de Miami. Em grana viva. É o que atestam os Panama Papers e publica o jornal Miami Herald, após imersão nos negócios nebulosos da Mossack Fonseca, mãe extremosa de 14 mil offshores. Entre as quais, a do querido Barbosa. E pensar que, como sequela do samba-exaltação que a mídia compôs e cantou diariamente para elevá-lo aos céus enquanto linchava suas vítimas, muitas almas cândidas chegaram a vê-lo presidente da República.

Desde 2012, este Templário da Lei, da Ética e dos Bons Costumes singra as águas financeiras do Caribe. Portanto – e não vi ninguém notar isto – dois anos antes de se aposentar do STF. O Diário Oficial publicou seu desligamento da corte somente no dia 30 de julho de 2014.

Ou seja, enquanto distribuía chicotadas morais, cíveis e penais no STF, o Imaculado Barbosão mantinha empresa nas Ilhas Virgens Britânicas, um dos raros – ou talvez o único – países do mundo em que a população de pessoas físicas é inferior a de pessoas jurídicas. Porque nesse lugar as empresas não existem fisicamente. São uma caixa de correio. São uma esperteza. São uma facilidade para malandros, para quem quer moleza com o fisco e especialmente para quem quer lavar dinheiro sujo: da corrupção, do narcotráfico, do tráfico de escravas brancas, do contrabando de armas, do terrorismo. E o ex-ministro nem piscou ao se embaralhar com gente desse naipe. E com ela permanece inabalavelmente misturado.

Ainda por cima, diz o Miami Herald, não existe evidência de que tenha recolhido o imposto devido pela aquisição do imóvel. Talvez tenha sido um lapso de memória em meio a tantas atribulações que, imagino, deve ter um ministro aposentado da alta corte. Significa que cometeu delito? Não. Significa que, ainda no STF, optou pelo rumo da parte mais podre da plutocracia nacional. Aquela que não receia abrir empresas de faz de conta em édens do dinheiro mal havido.

Penso nesse Pai da Pátria e penso em José Genoíno por ele condenado, entre tantos. Penso no Genoíno e na casa muito simples que comprou pelo BNH em 1982, no bairro do Butantã, em São Paulo. E que pagou em longas prestações mensais. Onde vive com a esposa Rioco e o filho Ronan e onde o entrevistei longamente em 2011, repassando sua jornada da camponês a estudante, daí a guerrilheiro preso e torturado, depois vendedor, professor de cursinho, deputado e presidente do Partido dos Trabalhadores.  Na pecinha minúscula dos fundos em que só cabem uma escrivaninha e duas cadeiras. Que transformou em escritório forrando suas paredes com prateleiras até o teto repletas de livros e CDs, confessadamente seu único sonho de consumo.

Penso nos 113 amigos e amigas que foram lhe entregar um painel coletivamente bordado no qual trabalharam durante dois meses e meio. Mostra uma bela revoada de pássaros multicoloridos. Penso na frase também bordada, que acompanha o voo do passaredo, uma receita do grande e sábio poeta gaúcho Mário Quintana para enfrentar os maus tratos da vida: “Eles passarão, eu passarinho”.

Eles já estão passando.