São bastante elevadas as chances de que uma mudança de comando no Brasil coloquem os projetos de integração sob os auspícios do BRICS em espera e esfriem a relação entre o gigante sul-americano e a Rússia – mas não é um dado determinado.

O novo governo interino do presidente interino do Brasil, Michel Temer, tem o potencial para tornar-se, em teoria, um fator negativo para a tendência de integração dentro dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul) e um elemento perturbador no relacionamento especial que o Brasil tem cuidadosamente construído com a Rússia nos últimos anos.

Os viciados em teoria da conspiração em Moscou adorariam detectar vestígios de uma trama dos EUA na derrubada da presidenta do Brasil, Dilma Rousseff. Eles certamente encontram inspiração para seu argumento nos golpes militares de ditadores pró-americanos que governaram o Brasil por mais de 20 anos, de 1964 a 1985.

Tais “amantes de tramas” afirmam que o objetivo real da remoção de Rousseff do alto cargo seria minar os BRICS, uma vez que a Rússia e a China são formalmente listados como ameaças à segurança nacional dos Estados Unidos. 

Eles seriam felizes em citar o comentarista extravagante Pepe Escobar, que afirma que “mais de dois anos atrás, analistas do JP Morgan já estavam realizando seminários com aplicadores da macro-economia neoliberal pregando como desestabilizar o governo Dilma.”

Se este caso é o resultado de um elaborado plano, ou não, realmente não importa. Que Michel Temer foi um antigo “informante” da Embaixada dos EUA ou não, como reivindicado pelo Wikileaks, também é irrelevante. As credenciais conservadoras do advogado de 75 anos de idade e seu histórico na política são prova suficiente de que a alteração da política externa é iminente. A questão crucial é de até onde o comprimento dessas alterações pode ir.

O Brasil vai sair do BRICS?

A questão é – poderia levar estes desenvolvimentos do Brasil parar os BRICS? Muito provavelmente isso não será uma opção aceitável. Tal movimento drástico seria visto como um sinal de subserviência à agenda geopolítica de um terceiro. Além disso, é uma jogada arriscada numa nação abrangentemente dividida que Michel Temer promete unir.

O que é mais certo é que um novo presidente pro-EUA não iria participar integralmente em vários projetos que impulsionam a integração BRICS. Mais notavelmente, o novo presidente pode recuar do Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS, que – apesar de seu modesto fundo de reserva de $ 100 bilhões (mais adicional de US$ 100 bilhões) – representa um movimento em direção a uma alternativa para a arquitetura financeira global não-supervisionada pelos EUA.

Brasil pode acabar jogando algo parecido com o papel da Grã-Bretanha na União Europeia. Londres é conhecida por ser mais receptiva aos interesses dos Estados Unidos e da aliança anglófona como um todo e menos cooperativa com os seus vizinhos continentais.

Mas isso estaria condicionado ao Brasil aceitar o papel de confidente e pseudo-vassalo dos EUA, seguindo a melodia de Washington. Este não é um dado determinado.

O pêndulo balança para a direita

As elites políticas de esquerda têm sido duramente atingidas pelo desaparecimento do centro do palco do ex-presidente Lula e Dilma. Mas qualquer observador escrupuloso das espirais da história concordaria que convulsões e crises tendem a se repetir. No momento, parece que o pêndulo vai ficar no lado conservador por um tempo.

O economista argentino Claudio Katz está provavelmente correto aqui. Primeiro, ele observou que o “ciclo progressista surgiu em rebeliões populares que derrubaram governos neoliberais (Venezuela, Bolívia, Equador, Argentina) ou corroído sua continuidade (Brasil, Uruguai).” Em segundo lugar, ele suspeita que este capítulo está fechado e pergunta: “O ciclo progressista da América do Sul está no fim?”

Se Temer tornar o Brasil refém de empréstimos mais caros de instituições financeiras internacionais, reverter as realizações dos governos de esquerda de Lula e Rousseff – que conseguiram alçar cerca de 30 por cento da população para fora da pobreza – e equilibrar o orçamento por meio de corte de gastos públicos em saúde e educação, o pêndulo social inexoravelmente oscilará na direção oposta. 

Moscou vai acomodar o Brasil sob qualquer nome

Então, qual dos três atuais mega-desafios para o Brasil são a maior ameaça às relações bilaterais com a Rússia – a inclinação prevista para o Ocidente sob o presidente interino Temer, a gagueira do desempenho econômico da sétima maior economia do mundo, ou o zika vírus ainda não controlado?

Bem, não obstante os receios dos teóricos da conspiração, a primeira delas parece improvável. Por quê?

Apesar das convicções pessoais e conexões especiais do presidente Temer, não há razão para suspeitar de que ele vai agir abrasivamente contra os interesses nacionais de seu país. Não colocar os ovos todos de uma vez em uma cesta é uma das razões que ressoam da política externa.

Em segundo lugar, Moscou, sob a tensão e estresse da guerra psicológica com o Ocidente, aprendeu a manter contatos viáveis, mesmo com os adversários e parceiros hostis. Ele certamente pode estabelecer um modus operandi aceitável com o presidente Temer, mesmo se este optar por afastar-se ou ficar alienado dentro dos BRICS.

Em terceiro lugar e, finalmente, indo contra a maré, contra um mundo cada vez mais multipolar que está testemunhando o surgimento de alianças não-ocidentais – ainda que não anti-ocidentais – como BRICS, é, no mínimo, contraproducente.

Em minha opinião, o Brasil nem vai sair nem vai congelar sua participação no BRICS, mas em vez disso reajustar suas atividades, tornando-se mais discreto e não-ameaçador aos interesses das multinacionais, “lideradas por trás” pelos negócios dos EUA.

Publicado em RBTH (Russia Beyond The Headlines)

Tradução de Cezar Xavier