Já no final do século passado todos os dados estatísticos apontavam uma tendência acentuada à redução do número de sindicalizados e a uma queda não menos drástica no número de movimentos coletivos de contestação, especialmente greves. A crise também poderia ser mensurada pelo enxugamento da quantidade de votos recebidos pelos partidos operários tradicionais, socialdemocratas e comunistas.

Segundo J. Visser, entre 1980 e 1990 o índice de sindicalizados na Europa Ocidental (excluídos Espanha, Portugal e Grécia) se reduziu de 41% para 34%. No Japão a taxa de sindicalização caiu de 30% e 25%, e nos Estados Unidos de 23% para 16% (1). Entre 1979 e 1985, o Trade Union Congress (TUC), a principal central sindical inglesa, perdeu quase três milhões de aderentes, o que representou uma queda de aproximadamente 25% do total de membros (2).

Nos EUA, segundo Kin Mood, “a representação dos sindicatos decaiu de 17,7 milhões membros, em 1983, para 16,6 milhões, em 1993. Enquanto parcela da força de trabalho, o quadro sindical diminuiu de 33%, em 1953 (o ponto alto), para 20%, em 1983; indo para menos de 15% em 1993. No setor privado, essa taxa declinou de 16,8% em 1983, para 11,2%, dez anos depois – o mais baixo nível desde o começo dos anos 30.” (3). Situação que se agravaria muito nos anos seguintes.

Porcentagem de Trabalhadores sindicalizados (4)

                        1955         1970         1980        1989

EUA                     31             30            22            16

Japão                  36              35            31            26

Alemanha            44              33           36            33

Grã-Bretanha      46              45           51            41

 

O índice de desindicalização só não foi maior graças à incorporação dos “assalariados médios” (servidores públicos, trabalhadores administrativos e em serviços). A queda da sindicalização entre a classe operária tradicional e o aumento da sindicalização nesses “setores médios” levaram a uma alteração substancial no perfil do sindicalismo nesses países. Nos EUA aproximadamente 42% dos sindicalizados eram ligados ao setor público e apenas 22% à indústria. Na Alemanha 1/3 dos sindicalizados era de “classe média” (5).

Os condicionantes estruturais da crise

Existe uma forte tendência de setores da esquerda reduzirem a crise do movimento sindical aos aspectos meramente subjetivos, entendê-la enquanto uma “crise de direção”. Então, a resolução do problema passaria pela simples substituição das correntes que estariam à frente do movimento sindical dos principais países capitalistas.

Sem negar a existência de uma crise de direção, acreditamos que as raízes da crise são mais profundas e estão ligadas à própria reestruturação capitalista ocorrida nas últimas décadas no século 20 e que teve repercussão significativa no mundo do trabalho e nas suas representações (sociais e políticas). A incapacidade das direções de compreenderem a agudeza dessas transformações e de apresentarem soluções adequadas à nova conjuntura que se abriu em meados da década de 1970 ajudou a agravar a crise, mas não foi a responsável pelo seu surgimento e persistência.

A busca da competitividade internacional, da lucratividade, como forma de enfrentar a crise que assolou as economias capitalistas na década de 1970, levou a uma reestruturação produtiva, assentada na adoção de novas tecnologias e técnicas de gerenciamento poupadoras de mão de obra. O paradigma deste novo modelo foi, sem dúvida, o toyotismo (acumulação flexível, just in time etc.).

O fordismo e o taylorismo tendiam à homogeneização dos trabalhadores fabris, à utilização de tecnologias mais rígidas, assentadas na linha de montagem, com máquinas especializadas que utilizavam um trabalho padronizado e menos qualificado. Assim, criaram-se condições mais favoráveis à construção de grandes sindicatos por ramos industriais que podiam negociar condições de trabalho e salários, mais ou menos uniformes. Lembramos que a implantação desse modelo foi responsável, nas primeiras décadas do século 20, pela crise de uma forma determinada de sindicalismo, assentado nas profissões – os chamados sindicatos de ofício.

O novo modelo (toyotista) que passou a se expandir reverteu a tendência, iniciada com a revolução industrial e impulsionada pela indústria fordista, de concentração de operários em grandes unidades produtivas e em determinadas regiões. Ocorreu então a ampliação de políticas industriais desconcentradoras da produção que contribuíam para a redução, diversificação e fragmentação da classe operária tradicional.

A reestruturação capitalista foi responsável pela expansão do desemprego estrutural, e por uma alteração substancial no mercado de trabalho. Houve um crescimento, sem precedente, do chamado trabalho precário (por tempo parcial e determinado, terceirizados, informal etc.), e do emprego nos setores de serviços. Segundo Gorz, o número de operários industriais na Europa Ocidental reduziu-se de 40% para 30% entre os anos 1970 e 1980. Número que despencou nas décadas seguintes (6).

A queda do número de operários no conjunto da população dos países capitalistas desenvolvidos se deve ao aumento da competição internacional e à consequente introdução de novas tecnologias. Entre 1981 e 1990, as 500 maiores corporações industriais estadunidenses eliminaram cerca de 3,7 milhões de empregos. Nos primeiros anos da década de 1990 outro 1,1 milhão de postos de trabalho desapareceu apenas nos EUA (7). Desapareceram para nunca mais voltar, pelo menos na grande indústria.

 

(Foto: A mecanização, informatização e robótica substituiram a mão-de-obra humana)

Foi justamente – e não por acaso – nos ramos industriais onde os sindicatos eram mais fortes que a reestruturação causou os maiores estragos, a exemplo das indústrias de transformação, nas atividades ligadas à mineração, a portuários etc. Nos EUA, entre 1973 e 1983, o Sindicato dos Trabalhadores da Indústria do Aço perdeu mais de 1 milhão de membros, metade de seus associados. A mesma coisa aconteceu com o Sindicato dos Mineiros que viu reduzidos os seus efetivos em 50% (8). Fenômeno que se repetiu na Grã-Bretanha. Não se trata aqui de um desemprego conjuntural causado pela recessão, mas de um desemprego estrutural; ou seja, são vagas que não serão novamente ocupadas. 

O desemprego conjuntural, causado pela recessão que atingiu os países capitalistas centrais na década de 1970 e o desemprego estrutural que se desenvolveu na década de 1980 diminuíram drasticamente o poder de barganha dos sindicatos nas negociações coletivas, e os condenou a terem posições cada vez mais defensivas, aumentando suas concessões ao capital. A maioria dos sindicatos aceitou negociar redução de salários, flexibilização de direitos e condições de trabalho. Tais atitudes ajudaram a agravar ainda mais a sua situação diante de suas bases.

Segundo o articulista da revista sindical americana Labor Notes Kim Mood, “a partir da emergência da crise global do capitalismo no começo dos anos 1970, o salário real médio decresceu e se encontra bem abaixo do patamar de 1973. De fato, de 1980 até 1993, a renda real do trabalhador sofreu queda ao redor dos 10%, enquanto a renda real de capital proveniente de lucros e dividendos subiu, respectivamente, 60% e 120%.” (9). Como nos casos anteriores, desde aquela época, a situação apenas se tornou mais dramática para os trabalhadores assalariados.

Se, de um lado, as novas técnicas de gerenciamento contribuíram para constituição da chamada “fábrica mínima”, que utilizaria pouca mão de obra, de outro, contribuíram para a incorporação de parte dos trabalhadores ao espírito da empresa. Políticas de individualização de salários, promoções, benefícios, tentativa de resolução de todas as demandas dentro da própria empresa sem a interferência dos sindicatos. Todas essas alterações ajudam a entender as razões para a queda da porcentagem de trabalhadores atingidos pelos contratos coletivos nos EUA que de 24% em 1983 caiu para 18,8% em 1988 (10).

Se o número de operários industriais estabilizados em grandes unidades produtivas vem se reduzindo, o mesmo não se pode dizer do número de assalariados em geral. Lane Kirkland, então presidente da AFL-CIO, afirmou desolado: “muitas empresas de serviços usam trabalhadores em tempo parcial (…) uma empresa de serviços como a MacDonalds tem mais empregados do que a United States Steel e todos eles ocupam postos de alta rotatividade e recebem salário-mínimo. Gostaria que alguém me desse uma fórmula mágica de sindicalizar esse pessoal.” (11). Sem dúvida, a aflição era justificada, pois este foi o setor que mais cresceu no final do século 20 e, ao mesmo tempo, tem sido o de maior dificuldade em se incorporar às organizações sindicais.

 

Greve de trabalhadores de fast food se espalhou por todo o mundo, a partir dos EUA, dando novo fôlego à luta sindical daquele país.

Nos EUA, segundo o Departamento de Comércio, “a expansão do setor de serviços, entre 1980 e 1986, foi de 97%, ficando responsável por mais de 60% de todas as ocupações (não incluído aqui o setor estatal).” (12). Kin Mood, por sua vez, afirmou: “dos 3 milhões de novos empregos criados nos EUA desde 1992, 80% referem-se ao comércio varejista e ao setor de serviços, justamente onde há menos sindicalizados e predominam o trabalho em tempo parcial e a baixa remuneração. Em 1993, a agência de empregos temporários Manpower Inc – não sindicalizada – tornou-se o maior empregador do país.” (13).

O quadro era o mesmo na ex-Alemanha Ocidental às vésperas da unificação. Segundo o líder Socialdemocrata alemão R. Dresser, “na RFA, de igual modo que em outros Estados industrializados do Ocidente, o número de operários diminui (…). Os empregados (dos serviços) convertem-se no grupo mais numeroso, que continua crescendo, ao passo que o dos trabalhadores da produção se reduz.”. Mas, constatava também o aumento da proporção de assalariados no conjunto da população ativa da RFA (14). Ao lado dos trabalhadores em serviços existe uma massa enorme, e em constante ampliação, de trabalhadores que têm como características comuns a precariedade no emprego e na remuneração, e a desregulamentação das condições de trabalho, o que leva a uma regressão nos seus direitos sociais.

André Gorz escreveu: “aproximadamente de 35% a 50% da população trabalhadora britânica, francesa, alemã e norte-americana encontram-se desempregados ou desenvolvendo trabalhos precários, parciais.” (15). A tendência dos mercados de trabalho, para David Harvey, seria a redução do número de trabalhadores “centrais” e emprego cada vez maior de uma força de trabalho que entra facilmente e é demitida sem custos (…). Na Inglaterra, o número de trabalhadores flexíveis aumentou em 16% alcançando 8,1 milhões entre 1981 e 1985, enquanto os empregos permanentes caíram em 6%, ficando em 15,6 milhões (…). Mais ou menos no mesmo período, cerca de 1/3 dos dez milhões de novos empregos criados nos EUA estavam na categoria ‘temporário’” (16).

No Japão um estudo realizado pelo Management and Coordination Agency, procurando analisar as transformações no mercado de mão de obra japonesa, concluiu que ocorreu entre os anos de 1983 e 1987 um aumento total de empregados em tempo integral de apenas 4,7%, enquanto o de trabalhadores de tempo parcial aumentou em 40%. O número de mão de obra masculina em tempo parcial cresceu 51% desde 1982. A mão de obra em tempo parcial chegou a 31,7% do total de mulheres assalariadas (17).

Mas, alertava Osawa: “no Japão, a diferença entre trabalhadores de tempo parcial e trabalhadores de tempo integral baseia-se mais no próprio status e menos nas horas de trabalho. Na verdade, a média de horas de trabalho dos trabalhadores de tempo parcial é consideravelmente maior do que nos países da OCDE.”. E, concluía: “pouquíssimos trabalhadores de tempo parcial no Japão têm a chance de assumir funções de tempo integral (…), os trabalhadores que ingressam na periferia tendem a permanecer nela.” (18).

Esta tendência se agravou ainda mais nos anos seguintes, pois a recessão econômica que atingiu o Japão no início da década de 1990 levou a uma alteração na política patronal em relação a empregos e salários. A Organização Nacional das Empresas passou a defender com mais força a extinção do “emprego vitalício” como forma de dar maior competitividade à indústria japonesa em crise. A Toyota, por sua vez, passou a contratar trabalhadores, para funções centrais da empresa, sem a garantia de emprego “por toda a vida”, como era antes. A mesma Toyota determinou a revisão do seu sistema de salário por antiguidade e o estabelecimento de novas formas de pagamento, baseado nos méritos individuais do modelo liberal ocidental.

Como afirma Machiko Osawa: “é irônico que em uma época em que muitos estudiosos e líderes sindicais ocidentais enamoram-se do modelo japonês de relações industriais, outros observem que o emprego vitalício e o sistema nenko estão desaparecendo sob a pressão de diversas forças econômicas” (19). O sistema nenko (nen=anos e ko=mérito) havia nascido da necessidade de manter a escassa mão de obra qualificada dentro de uma mesma empresa, evitando assim a alta rotatividade do pós-guerra.

Gorz também constata que “a indústria reduz seus efetivos e não oferece empregos estáveis e permanentes a não ser para uma minoria de trabalhadores polivalentes (…). A maioria tem que contentar-se com empregos precários, temporários, cumprindo tarefas efêmeras e sem interesse. Não estão integrados na empresa e não se identificam com o seu trabalho, com suas funções na produção, nem com a classe dos produtores.” (20).

Sem dúvida, a mudança do perfil dos assalariados criou enormes dificuldades para um modelo sindical que se constituiu assentado numa classe operária em expansão e que, em muitos países, se constituía na maioria da população. Uma classe muito mais homogênea em relação às situações de trabalho e de remuneração.

O que pretendemos ressaltar até aqui é a existência de condicionantes de ordem estruturais na base da crise do movimento sindical; ou seja, de fatores que não dependem apenas da vontade dos atores sociais. Entre esses fatores poderíamos enumerar:

– Acirramento da competição internacional que veio a exigir a incorporação de novas tecnologias poupadoras de mão de obra;

– fim da tendência da concentração industrial em grandes unidades produtivas, em determinadas regiões;

– aparecimento de novas técnicas de gerenciamento destinadas a incorporar os operários aos objetivos e ao espírito das empresas;

– flexibilização dos laços empregatícios, dos salários e das próprias condições de trabalho;

– aumento do desemprego conjuntural e estrutural.

As consequências dessas transformações estruturais do capitalismo no mercado de trabalho já foram apontadas: redução relativa e absoluta dos trabalhadores industriais que compunham a classe operária tradicional e aumento dos trabalhadores precários (em tempo parcial, contratados por tempo determinado, na economia informal) e nos setores de serviços.

As razões políticas/institucionais para crise 

 

Thatcher e Reagan quebraram a coluna dos grandes sindicatos no início dos anos 1980, tornando-se os protagonistas da ofensiva neoliberal contra os trabalhadores

A crise do movimento sindical foi agravada ainda mais pelas condições políticas que se formaram com o declínio acentuado da socialdemocracia europeia e do chamado Socialismo Real. Nos fins da década de 1970 os setores de esquerda foram eleitoralmente derrotados nos principais países capitalistas. Na onda conservadora elegeram-se Ronald Reagan nos EUA, Margareth Thatcher na Grã-Bretanha e Helmut Kohl na Alemanha Ocidental.

A derrota político-eleitoral ajudou a precipitar a crise dos sindicatos. A manutenção de governos nas mãos de partidos socialdemocratas ou menos reacionários não teria debelado a crise, mas poderia ter minimizado o seu impacto sobre os trabalhadores. Os novos governos neoliberais, especialmente de Thatcher e de Reagan, foram bastante duros com os sindicatos.

A Grã-Bretanha, além de tratar com mão de ferro a greve dos mineiros, aprovou no parlamento uma série de leis que reduziram o poder das organizações sindicais. Entre elas destacam-se: a Employment Acts (Leis de Emprego) e o Trade Union Act (Lei Sobre os Sindicatos). Através dela acabou-se com os contratos chamados “Closed Shop” que garantiam os acordos coletivos apenas aos sindicalizados, criaram a obrigatoriedade de realização de votação secreta para decretação de greve e deram mais garantias legais aos trabalhadores que se recusavam a aderir às paralisações.

Do outro lado do oceano, nos EUA, durante o primeiro ano do governo Reagan, mais de 12 mil controladores de voo foram sumariamente demitidos em razão de uma greve nacional da categoria. A ação repressiva e as leis antissindicais tiveram um poder inibidor e contribuíram para a diminuição do poder dos sindicatos estadunidenses.

Como é natural a repressão antioperária e antissindical, que recebeu amplo apoio da grande burguesia monopolista e da mídia, foi realizada em nome da necessidade de se aumentar a competitividade das indústrias nacionais diante da concorrência estrangeira, especialmente japonesa. A ação sindical, nesta perspectiva, só poderia ser vista como algo negativo, um empecilho instransponível à superação da crise econômica e a colocação das economias ocidentais em outro patamar na disputa pelos mercados mundiais.

O excesso de regulamentação nas relações de trabalho e os direitos sociais eram responsabilizados pela perda de competitividade das indústrias locais. Essas ideias tiveram ampla repercussão entre as populações desses países, particularmente junto às classes médias. Isso garantiu, e ainda garante, a manutenção de governos e de políticas neoliberais.

A heterogeneização das classes trabalhadoras, o aumento da imigração dos países menos desenvolvidos aos países capitalistas centrais, somado com o fenômeno da alta do desemprego e a falta de uma ideologia socialista que cimentasse uma unidade político-ideológica entre os trabalhadores, ajudaram a quebrar a solidariedade de classe e levaram ao surgimento de sentimentos xenófobos e racistas. Hobsbawm afirmou que “a xenofobia, talvez a principal ideologia das massas neste final do século 20, afeta a classe trabalhadora mais do que qualquer outro grupo social.” (21).

O desenvolvimento de concepções conservadoras – e até reacionária – entre amplas camadas dos trabalhadores é o reflexo destas alterações do mundo da produção e da crise ideológica, ocasionada pelo eclipse dos modelos socialdemocratas e do socialismo real. Mas, isso não é uma fatalidade inscrita de maneira irrevogável na própria estrutura econômica. Esta tendência pode e deve ser superada pela ação consciente das forças interessadas na substituição do capitalismo. Uma estratégia política correta, que caminhe no sentido de incorporar todos esses setores explorados na luta pela superação do capitalismo, poderá reverter a tendência que ainda hoje predomina. 

Conclusão

A crise do movimento sindical no primeiro mundo tem por base razões de ordem estrutural, que foram agravadas por condições de ordem político-conjunturais. Estas últimas dependentes da vontade e da ação dos atores sociais. A compreensão desses dois aspectos da crise é de fundamental importância para que possamos construir uma alternativa realista para o movimento sindical em nível mundial.

Em primeiro lugar é preciso romper com a visão simplista que acredita que nada mudou. Que o desemprego é passageiro e a solução da crise está logo ali na esquina, que a saída passa pela substituição das lideranças sindicais ou por uma simples alteração nos governos dos países centrais, com a restauração da socialdemocracia. Hoje em dia, esta última hipótese perdeu consistência, visto que a volta dos democratas ao governo dos Estados Unidos e a existência de governos socialdemocratas na Europa, embora criassem melhores condições para a ação sindical, não conseguiram estancar a crise.

O alerta que David Harvey nos faz é importante. Afirma ele: “considero muito perigoso fingir que nada mudou, quando os fatos da desindustrialização e da transferência geográfica de fábricas, das práticas mais flexíveis de emprego do trabalho e da flexibilidade dos mercados de trabalho, da automação e da inovação de produtos, olham a maioria dos trabalhadores de frente.” (22).

 

O novo mundo do trabalho precarizado do telemarketing

Contudo, é preciso fugir de outra conclusão ainda mais perigosa: aquela que afirma ser terminal a crise do movimento sindical, para a qual não haveria mais solução. Os teóricos pessimistas acreditam que o sindicalismo moderno só pode se assentar na existência de amplos contingentes de uma classe operária homogeneizada pelos modelos de produção e de organização de tipo fordista-taylorista. Por essa razão, o sindicalismo se tornaria impossível nessa nova fase do capitalismo, assentado no toyotismo (na chamada acumulação flexível).

Alguns estudiosos chegam ao extremo de aventar a possibilidade da supressão do trabalho humano com a expansão da robótica. Nos marcos do sistema capitalista esta é uma impossibilidade lógica. Ernest Mandel há muitos anos atrás nos lembrava que “não sendo nem consumidores, nem assalariados, os robôs não poderiam participar do mercado.”. A generalização da robotização do trabalho além de certo limite colocaria em risco a própria existência da economia de mercado capitalista (23). No atual modo de produção o destino dos capitalistas está intimamente ligado ao destino dos trabalhadores assalariados. O capitalismo só pode manter-se e expandir-se assentado sobre o trabalho não pago.

Para os “pessimistas”, a tendência existente no sentido da redução e até mesmo de eliminação, em longo prazo, da classe operária tradicional, significaria o fim do sindicalismo e da possibilidade da construção de uma sociedade baseada no trabalho emancipado.

Em primeiro lugar, não existe razões para supor que a redução, relativa ou absoluta, da classe operária tradicional signifique o fim dos sindicatos e muito menos o fim da possibilidade da construção de uma alternativa societária ao capitalismo. Ou seja: o socialismo continua sendo uma possibilidade histórica.

No início do século 20 o sindicalismo também atravessou uma crise de grandes proporções, quando os antigos sindicatos profissionais (ou de ofícios) foram sendo substituídos pelos grandes sindicatos industriais. As alterações do modelo de sindicalismo estavam ligadas às mudanças ocorridas no modelo de acumulação capitalista naquele período. A implantação do fordismo-taylorismo exigiu a destruição de um determinado tipo de sindicato (o de ofício) e a construção de outro tipo (por ramo industrial).

O novo modelo de acumulação capitalista que se gestou deve levar, necessariamente, a uma alteração nos modos de organização dos sindicatos. A burguesia globalizada já tem o seu novo modelo de organização sindical, o sindicato-casa de estilo japonês, integrado ao ideário da empresa. Aos trabalhadores caberá, se quiserem enfrentar a avalanche neoliberal, elaborar um projeto de organização sindical alternativo a este.

Esse novo projeto passa pelo rompimento da estrutura corporativa e burocratizada que tem sido a marca do sindicalismo no chamado primeiro mundo, quer os de tipo socialdemocratas da Europa, quer o “sindicalismo de negócios” estadunidense. Passa pela incorporação desta ampla camada de trabalhadores precários, que mantém vínculos frágeis com o mercado de trabalho.

Os sindicatos devem se horizontalizar a fim de abranger o conjunto da classe trabalhadora, que se encontra numa situação de crescente exploração, e por isso mesmo traz dentro de si um grande potencial anticapitalista. As explosões sociais que vez ou outra eclodem em diversas partes do mundo comprovam isso.

Os modelos sindicais que concentram toda a sua ação nas cúpulas das entidades e Centrais Sindicais em detrimento das organizações de base unificadas – que priorizam as negociações (pelo alto) de acordos nacionais sem ter em conta as particularidades deste novo mundo do trabalho – parecem condenados ao desaparecimento enquanto representação legítima dos trabalhadores. O sindicalismo verticalizado e burocratizado se tornou um sério obstáculo à incorporação destas novas camadas de assalariados em expansão na sociedade capitalista atual.

A tarefa de organizar esses novos setores será bastante árdua pela própria relação fluida que eles mantêm com o seu emprego, pois não possuem a mesma afinidade com uma profissão determinada como tinham os antigos operários; pela falta de maior homogeneidade nas condições de trabalho, de remuneração e mesmo de ligações culturais (identidades) comuns, a exemplo dos operários europeus em décadas passadas. Seria preciso construir uma nova cultura e identidade entre os assalariados para que eles se sintam pertencentes a uma única e mesma classe social.  

E, por fim, se existe uma redução da classe operária tradicional, existe também uma expansão do assalariamento nas sociedades modernas. Todos os dados apresentados não apontam para a extinção dos trabalhadores em geral, e nem ao menos da classe operária em particular. Especialmente se tivermos uma concepção ampliada do conceito de classe operária.

 

(Foto: Protesto de trabalhadores por mais empregos nos EUA, país que se desindustrializou rapidamente com a globalização.)

Mesmo com a expansão dos setores de serviços, já apontados anteriormente, não há razões para definir a sociedade atual como sociedade pós-industrial ou sociedade de serviços. Como apontou Robert Kurz no seu O Colapso da Modernização, os serviços não são “setores com acumulação de capital autônomos (…). O setor de serviços permanece dependente da acumulação industrial propriamente dita e, com isso, da capacidade dos industriais de realizar mais-valia nos mercados mundiais. Somente quando esta capacidade se mantém para toda a economia nacional em conjunto, os serviços industriais e não industriais (relativos a pessoas) poderão sobreviver e expandir-se.” (24). A sociedade de serviços moderna só pode se constituir assentada sobre uma sociedade ainda industrial.

Marta Harnecker, na década de 1960, embasada numa leitura correta da obra de Marx, apontava para a necessidade de se adotar uma concepção ampliada da classe operária. Para ela, a mesma distinção existente entre as diversas frações da classe burguesa (burguesias agrária, industrial, comercial e financeira) deveria ser estendida ao proletariado. O operário fabril que produz diretamente a mais-valia seria uma das frações do proletariado ampliado, mas não seria a única e nem necessariamente a mais numerosa. Finalizava dizendo: “da mesma maneira como existe uma burguesia ‘não produtiva’, isto é, não ligada diretamente à produção da mais-valia – a burguesia comercial e financeira – existiria um proletariado “não produtivo” (de mais-valia) correspondente a cada fração desta burguesia.” (25).

O próprio Marx em O Capital afirmou: “De um ponto de vista, o obreiro comercial é um obreiro assalariado como qualquer outro. Em primeiro lugar, porque seu trabalho (…) não se compra simplesmente para o serviço privado de quem o adquire, mas com fins de valorização do capital desembolsado. Em segundo lugar porque o valor de sua força de trabalho e, portanto, seu salário, se acha determinado, como nos demais trabalhos obreiros assalariados, pelo custo da produção de sua força de trabalho específica e não pelo produto de seu trabalho.”.

“Não obstante”, segue Marx, “entre ele e os operários empregados diretamente pelo capital industrial tem de mediar, necessariamente, a mesma diferença que entre o capital industrial o capital comercial e a que existe, portanto, entre o capitalista industrial e o comerciante. O comerciante, como mero agente da circulação, não produz valor nem mais-valia (…) razão porque tampouco os obreiros mercantis dedicados por ele às mesmas funções podem criar diretamente mais-valia para ele.”. E concluía: “o capitalista aumenta o número destes obreiros (comerciais) quando há mais valor e mais-valia que realizar. Mas o aumento deste trabalho é sempre efeito, nunca a causa, do aumento da mais-valia.” (26).

O centro do processo produtivo continua sendo o grupo de trabalhadores industriais. Embora tenda a ser, pela própria dinâmica do capitalismo contemporâneo, um núcleo mais restrito. Em volta deste núcleo formam-se novas e maiores camadas de trabalhadores: precários, contratados por tempo determinado ou parcial, terceirizados etc. que também se constituem enquanto classe operária e são responsáveis pela reprodução do capital. Podemos afirmar que, contraditoriamente, o capitalismo dos fins do século 20 ressuscitou formas mais perversas de extração de mais-valia. O progresso do capitalismo, neste caso, representou um retrocesso na condição social dos operários por todo o mundo. Um retrocesso jamais imaginado pelos líderes sindicais socialdemocratas nas décadas passadas. Imaginava-se que os “anos gloriosos” continuariam sendo eternamente gloriosos.

O sonho reformista de uma economia capitalista forte que redistribuísse continuamente – e sempre em maior escala – as benesses do desenvolvimento pelo conjunto da sociedade parece ter desmoronado no final do século 20; em seu lugar, esperamos, poderia florescer junto aos trabalhadores outro sonho: o da possibilidade da construção de uma sociedade para além do capitalismo, uma sociedade socialista.

* Artigo originalmente publicado na revista Debate Sindical, n. 20, dezembro de 1995 a fevereiro de 1996, Centro de Estudos Sindicais.

** Augusto César Buonicore é historiador, presidente do Conselho Curador da Fundação Maurício Grabois. E autor dos livros Marxismo, história e revolução brasileira: encontros e desencontros; Meu verbo é lutar: a vida e o pensamento de João Amazonas; e Linhas Vermelhas: marxismo e dilemas da revolução. Todos publicados pela Fundação Maurício Grabois e a Editora Anita Garibaldi.

 

Notas 

(1) VISSER, Jelle. Syndicalisme et désyndicalisation. In: Le Mouvement Social, nº 162, jan./mar. de 1993.

(2) ANTUNES, R. Adeus ao trabalho, p. 63.

(3) MOOD, Kim. O declínio dos sindicatos. In: revista Interação, n.15, mar./abr. de 1995. Ver Quinzena, nº 209.

(4) RODRIGUES, Leôncio Martins. A crise do sindicalismo no primeiro mundo. In: Folha de S.Paulo, 22 de março de 1992.

(5) IDEM

(6) GORZ, A. O futuro da classe operária. In: Voz da Unidade, de 1º de setembro de 1990. Ver Quinzena, nº 101, setembro de 1990.

(7) TURNER, Harry. Economia americana – tempos difíceis. In: Correio Internacional, nº 15, dez/1992.

(8) Por que o sindicalismo está em crise no mundo e no Brasil – Cenários alternativos. In: Tendência do Trabalho, de agosto de 1992. Ver também Quinzena, nº 146, setembro de 1992.

(9) MOOD, Kim. O Declínio dos sindicatos. In: Interação, nº15.

(10) RODRIGUES, L. Martins. A crise do sindicalismo no primeiro mundo. in: Folha de S.Paulo, 22 de março de 1992.

(11) ALLIUS, John. Em declínio o sindicalismo nos EUA. In: O Estado de S. Paulo, 22 de novembro de 1981.

(12) ANTUNES, R. Adeus ao trabalho?, p. 46.

(13) MOOD, Kim. O declínio…

(14) DRESSLER, Rudolf. Mesa redonda O Futuro da Classe Operária. In: Voz da Unidade, 1º de setembro de 1990.

(15) Gorz, A. Por que a sociedade salarial tem necessidade de novos serviçais. Xerox, traduzido por José Benevides Queirós.

(16) HARVEY, David. A Condição pós-moderna, p.144.

(17) OSAWA, Machiko. Transformação estrutural e relações industriais no mercado de trabalho Japonês. In: HIRATA, Sobre o modelo japonês, p.165.

(18) IDEM, p.171.

(19) IDEM, p.165.

(20) GORZ, A. Mesa Redonda O Futuro da classe operária. In: Voz da Unidade, 1º de setembro de 1990.

(21) HOBSBAWM, Eric. Mudanças no proletariado provoca crise das esquerdas. In: Folha de S.Paulo, s/d.

(22) HARVEY, David. A condição pós-moderna, p. 178-179.

(23) MANDEL, Ernest. Marx, a crise atual e o futuro do trabalho humano. Xerox. Tradução de José Almeida de Souza Jr.

(24) KURZ, Robert. O colapso da modernização, p. 209.

(25) HARNECKER, Marta. Os conceitos elementares do materialismo histórico, p. 168-170.

(26) IDEM, p. 169-170.

Bibliografia 

• ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaios sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Unicamp e Cortez, 1995.
• BIHR, Alain. Du “grand soir” a “L’Alternative”. Le mouvement ouvrier européen en crise. Paris: Editions Ouvrières, 1991.
• CLARKE, Simon. Crise do fordismo ou crise da socialdemocracia? In: Lua Nova, nº 24. São Paulo: Cedec, 1991.
• FREYSSINET, Jacques. Syndicalismes en europe. In: Le Mouvement Social, nº162. Paris:  Éditions Ouvrières, março de 1993.
• GORZ, André. Mesa Redonda. In: Voz da Unidade, 1º de setembro de 1991 (Quinzena, nº191, 16-09-1990. São Paulo: CPV).
• ______. Por que a sociedade salarial Tem Necessidade de Novos Serviçais. Xerox. Tradução de José Benevides Queirós.
• HARNECKER, Marta. Os conceitos elementares do materialismo histórico. São Paulo: Global, 1981.
• HARVEY, David. A condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1992.
• KURZ, Robert. O colapso da modernização. São Paulo: Paz e Terra, 1992.
• MANDEL, Ernest. Marx, a crise atual e o futuro do trabalho humano. Xerox. Tradução de José Almeida de Souza Jr.
• MOOD, Kim. O declínio dos sindicatos. In: revista Interação, nº15, mar./abr. de 1995 (Quinzena, nº209, 15-06-1995. São Paulo: CPV).
• RODRIGUES, Leôncio Martins. A crise do sindicalismo no primeiro mundo. In: Folha de S.Paulo, 22 de março de 1993.
• VISSER, Jelle. Syndicalisme et désyndicalisation. In: Le Mouvement Social. Paris: Editions Ouvrières, nº 162, jan./mar. 1993.