Em meados da década dos 1930s, a China estava dividida por quatro forças que competiam entre elas. Uma, o Exército Vermelho comunista, comandado por Mao Zedong. Outra, os fascistas japoneses e seu Exército Imperial. Uma terceira, os Nacionalistas Guomindang, abreviadamente “KMT” (ing.), e comandados por Chiang Kai-Shek. A quarta força eram todos os colonialistas – imperialistas, claro, que se autopromoviam com o rótulo pretensioso de “Grandes Potências”.

As coisas não estavam saindo conforme os planos do império ocidental. Apoiavam custasse o que custasse Chiang Kai-Shek (que adorava ser chamado de “Generalíssimo”), que queriam ver como líder da China pós-guerra. O plano deles era instalar Chiang como fantoche-chefe na China pós-guerra, à moda do ditador de Cuba, Fulgencio Batista, sob a conhecida falsa bandeira de “democracia ocidental”. Mas a causa ia-se mostrando cada dia mais sem esperanças. 

O Generalíssimo comandava suas forças mais ou menos como o gen. George Mclland de Abraham Lincoln, praticamente sempre escondido nas barracas, retirando-se quando o inimigo aparecesse. Quando Chiang lutava, era para tentar destruir Mao e o Exército Vermelho, em vez de tratar de livrar a China dos muito desprezados fascistas japoneses. Lincoln, a certa altura, substituiu McClellan pelo general Ambrose Burnside. Os colonialistas ocidentais não viam alternativa a Chiang, porque Mao era Inimigo Público n. 1, como o mais temido “vermelho”.

Mas as notícias que chegavam das fortalezas dos chineses comunistas começavam a ser graves demais para ignorar. Durante meses, Zhou Enlai, premier e operador-chefe de bonecos na política exterior do Partido Comunista da China pós-libertação, garantira aos norte-americanos que o Exército Vermelho combateria sob comando dele, o Generalíssimo, aliado do KMT, para derrotar os japoneses. O Generalíssimo negava-se firmemente a cooperar com qualquer comunista, por mais que essa cooperação fosse a decisão correta na defesa dos melhores interesses dos chineses. Além disso, os Vermelhos estavam derrotando, em guerra, tanto os japoneses como a gangue de Chiang, e não paravam de chegar relatos de que cidadãos felizes, saudáveis, produtivos e motivados e comunistas surgiam de todos os lados como avalanche. Isso, comparado aos soldados promovidos pela gangue da imprensa do KMT – que morriam de fome e frio, sem sapatos, doentes e esquecidos nos campos, por obra de seus próprios generais e oficiais corruptos.

Incapazes de dar conta da própria ideologia cega e surda, FDR, Washington e a imprensa popular simplesmente não conseguiam dizer “comunistas”. Assim, Mao & Co. passaram a ser chamados de “supostos comunistas”.

O presidente Franklin D. Roosevelt & Co. finalmente cedeu em 1937, e um pequeno contingente de funcionários e jornalistas foram mandados à China para ver com os próprios olhos. Entre eles, Edgar Snow, cujo livro Red Star over China tornou-se bestseller internacional naquele ano. Para choque profundo dos norte-americanos, era tudo verdade. Em todos os pontos onde os comunistas assumiram o controle, os males estavam sendo erradicados, dependência química de ópio, jogatina, crime organizado, prostituição, pés amarrados, escravidão infantil, mendicância, miseráveis sem teto, analfabetismo e fome.[1] 

Soldados do Exército Vermelho e os cidadãos eram sorridentes, industriosos, positivos, bem alimentados e comprometidos com a causa da China. Claramente não era propaganda, tudo manifestamente real e comprovável. Daquele ponto em diante, os norte-americanos compreenderam em segredo que o Generalíssimo e seu KMT não tinham qualquer chance na disputa contra Mao e seus formidáveis Vermelhos. Mas, porque era furioso odiador de comunistas, Chiang foi o único cavalo que passou, e os colonialistas ocidentais tiveram de montar nele.

O ocidente foi apanhado num redemoinho filosófico, transitivo. Mao e os Vermelhos eram comunistas, comunismo é o mal, logo, tudo que Mao e os Vermelhos fizessem tinha de ser mau. A partir daí, foram colhidos numa massiva dissonância cognitiva: são comunistas, ok. Mas como é possível que as coisas deem certo por lá na China?! 

Incapazes de dar conta da própria ideologia cega e surda, FDR, Washington e a imprensa popular simplesmente não conseguiam dizer “comunistas”. E foi assim que Mao & Co. passaram a ser chamados de “supostos comunistas”. 

Joseph Stálin ajudou a modelar esse truque de prestidigitação linguística, ao explicar ao primeiro-ministro britânico da guerra e a Roosevelt que os chineses não passavam de “rabanetes”, vermelhos por fora, mas brancos por dentro – que não eram comunistas de verdade. 

Assim, o prego quadrado da realidade do Partido Comunista da China foi martelado no buraco redondo da negação ocidental obsessiva doentia. Uma coisa porém os imperialistas ocidentais logo compreenderam clara e corretamente. O Partido Comunista da China não só varreu o Japão e os imperialistas ocidentais para fora da Nova China como, além disso, despachou o KMT para Taiwan.

Esse mesmo tipo de ideologia anticomunista, rígida, ainda sobrevive, forte, no Ocidente, quando tenta compreender a evolução sociocultural do povo chinês e a gestão político-econômica de Baba [líder] Pequim sobre o país. 

Para a mídia de massas ocidental, políticos e agitadores ocidentais em geral, a China ainda é, até hoje “suposta comunista”. Claro que, se as coisas dão certo, qualquer país se transforma em capitalista, ok? Pois é. Assim como FDR e toda sua geração foram cegados e embrutecidos pela propaganda, a Euroanglolândia e grande parte do resto do mundo ainda sobrevivem apesar de terem tido o cérebro decepado. Os fatos espancam o Ocidente por todos os lados. Mas o ocidente agarra-se aos próprios antolhos de fundamentalista.

Comecemos com a Constituição Nacional Popular Chinesa e Deng Xiaoping. Os anticomunistas adoram bajular Deng, como se fosse alguma espécie de guru de alguma cruzada capitalista. Mas foi Deng que presidiu a mais recente reforma da Constituição da China, em 1982. E a Constituição da China é poderosa rejeição, explícita, do capitalismo e de tudo que o Ocidente prega.

A Constituição da China usa orgulhosamente o termo “comunismo” ou “comunista” 15 vezes; “socialismo” e “socialista”, impressionantes 123 vezes. Termos dialéticos como “classe(s)”, “luta”, “massas”, “independência”, “trabalho”, “trabalhador/trabalhando”, “camponês”, “exploração”, “capitalismo”, “propriedade”, “proletariado”, “coletivo(a)”, “cooperar”, “privado”, “briga”, “luta”, “ditadura” (democrática), “poder” e “feudal” aparecem no total 265 vezes. “Marxismo-Leninismo e Pensamento de Mao Zedong” são citados 10 vezes; e “revolução”, 12 vezes.

O vocabulário relacionado a Governo Extensivo [Big government] e planejamento central, como “salvaguardar”, “proteger”, “liderar”, “reforma/reformar”, “rural”, “urbano(a)”, “produção”, “plano”, “economia”, “sistema”, “administração”, “regras”, “regulações”, “instituição”, “empresa”, “ciência”, “tecnologia”, “moderno(a)”, “organização”, “gerenciamento”, “progresso”, “agricultura”, “fazendas [de criação/agrícolas]”, “terra”, “indústria”, “recursos”, “educação”, “central” e “desenvolver/desenvolvimento” aparece no texto constitucional da China estonteantes 703 vezes.

A importância de o governo central prover orientação ao povo para o que hoje se conhece como Sonho Chinês, avalia-se pelas 292 vezes que as palavras “estado” e “governo” são usadas na Constituição da China.

Palavras de desafio, que visam a levantar o espírito nacional e a derrotar o Ocidente, como “hegemonia”, “imperialismo”, “colonialismo”, “combate”, “defesa/defender”, “exército”, “militares”, “segurança”, “agressão”, “briga”, “sabotagem” e “provocação” são manobradas como armas num total de 85 vezes.

A Constituição da China é poderoso mecanismo de rejeição do capitalismo e de tudo que o Ocidente prega.

Qualquer dúvida que haja sobre quem é o beneficiário da Constituição da China desaparece facilmente, se se constata que a palavra “público” é usada 143 vezes, e “povo”, impressionantes 392 vezes, e que se dane o elitismo ocidental.

O preâmbulo sintetiza os 5.000 anos de civilização chinesa e depois expõe o século que aquela civilização viveu humilhada, a começar pelo cartel da droga, do crime ocidental organizado, em 1840. Trecho inicial do preâmbulo brada com orgulho:

“Depois de fundar a República Popular, a China gradualmente completou sua transição de uma sociedade neodemocrática, para uma sociedade socialista. A transformação socialista da propriedade privada dos meios de produção foi completada, o sistema de exploração do homem pelo homem abolido, e foi estabelecido o sistema socialista. A ditadura democrática do povo liderada pela classe trabalhadora e baseada na aliança de operários e camponeses, que é em essência a ditadura do proletariado, foi consolidada e desenvolvida. O povo chinês e o Exército de Libertação do Povo Chinês derrotaram a agressão imperialista e hegemonista, sabotagem e provocações armadas, e assim salvaguardaram a independência e a segurança nacionais da China e reforçaram a defesa nacional.”

Adiante, o preâmbulo fecha com esse pontapé gigante de artes marciais no focinho coletivo do ocidente,

“A China opõe-se firmemente ao imperialismo, à hegemonia e ao colonialismo, trabalha para reforçar a unidade com o povo de outros países, apoia as nações oprimidas e os países em desenvolvimento em sua justa luta para alcançar e preservar a independência nacional e desenvolver as respectivas economias nacionais, e luta para proteger a paz mundial e promover a causa do progresso humano.”

Ainda não entenderam? Já leram o Estatuto do Partido Comunista da China? Juntos, esse Estatuto e a Constituição do Povo são a espinha dorsal, a pedra fundacional da governança e da sociedade chinesa, e da busca incessante, por Baba Pequim, para manter o Mandato Celestial.

Bolhas de propriedade privada? Que propriedade privada? A propriedade é privada, claro, mas não é propriedade como o Ocidente entende o termo. Tudo que o ocidente entende como bens imóveis [ing. real estate[2]] é 100% propriedade do povo da China. Não há um palmo quadrado de terra que seja propriedade privada na República Popular. Você pode pagar pelo uso, por até 70 anos, de um pedaço de terra e desenvolvê-lo, mas ninguém pode comprar a propriedade do chão propriamente dito.

Empresa privada? Está bombando, sem dúvida, mas está fortemente concentrada em empresas de pequeno e médio porte, que complementam e não competem de fato com os setores estatais da economia. O setor privado é especialmente os muitos milhões de empresas de casal, ou individuais que atapetam o território chinês.

Livre mercado? Não há na China sequer um, que fosse, banco privado. Todos os bancos são propriedade do povo. O maior banco do mundo, o Industrial and Commercial Bank of China (ICBC) é estatal, claro, bem como três outros bancos chineses dos Top Ten globais: #1 (ICBC), #5 China Construction Bank (CCB), #9 Bank of China (BOC) e #10 Agricultural Bank of China (ABC). O mesmo vale para todas as empresas de seguros, para as Bolsas de Valores e Metais Preciosos de Xangai e Xenzhen. E vale o mesmo também para todos os grandes veículos de informação e noticiário, especialmente TV, rádio e mídias impressas, embora todos já tenham ouvido que Pequim seria a nova “Hollywood do Oriente”, na maior parte, privada.

Os avanços socioeconômicos e geopolíticos que a China conseguiu, desde 1949, podem ser diretamente atribuídos ao sistema chinês anti-imperial e comunista de governar.

Desavergonhado capitalismo? Nem perto! Quase todos os grandes setores econômicos na China são dominados por Empresas de Propriedade Estatal, EPE [ing. State-Owned Enterprises, SOEs]. 

Tudo, de transporte aéreo comercial/aviônica até a indústria aeroespacial, da indústria química à indústria da construção, dos estaleiros à mineração, de energia nuclear à indústria do petróleo, de ferrovias ao aço e a instalações de telecomunicações, mais de 100 setores chaves tem importante participação do povo chinês, mediante a participação do Estado chinês. Muitas dessas empresas estão entre as maiores do mundo. Não apenas isso, mas, como os bancos acima listados, são empresas muito lucrativas e bem administradas, exatamente o contrário do que diz a incansável propaganda ocidental (Fortune).

Privatizações? Aí, é preciso olhar por trás da cortina de manchetes mentirosas. Baba Pequim limita a 30% a venda de ações das EPEs ao público. Mais que isso, há estrito controle para que ninguém tente controlar o que é oferecido no mercado. A propriedade das ações tem de ser pulverizada. Muitas dessas ações pertencem a cidadãos chineses (papéis A), algumas são oferecidas a estrangeiros (papéis B). E cada vez mais empresas chinesas, inclusive as EPEs fazem leilões públicos de ações em mercados de ações fora da China, de parte dos 30% das ações das EPEs que podem ser vendidas ao público.

Reformas? Não me façam rir! Baba Pequim jamais, em tempo algum, venderá as Empresas de Propriedade Estatal, que pertencem ao povo chinês. Pequim sabe que a harmonia social e a estabilidade econômica para os cidadãos depende da capacidade do Estado chinês para fazer a gestão macroeconômica e o planejamento de longo prazo (Plano Quinquenal) para o desenvolvimento do país, o que só é possível se o Estado preservar 100% da propriedade de todos os bens imóveis (o que o Marxismo ensina a fazer no capítulo controlar os meios de produção), e das indústrias e setores chaves. 

O PCC continuará a criar riqueza sob a rubrica Socialismo com Características Chinesas, tomando emprestados alguns truques dos capitalistas. Mas é fase de transição. Deng Xiaoping disse incontáveis vezes – e o ocidente insiste em fingir que não ouviu – que a meta é seguir a trilha da economia marxista até uma sociedade comunista próspera.

Mas não é justo, dirá você, o campo de jogo não é igual para todos. Paciência! Azar o dos capitalistas ocidentais. Os avanços socioeconômicos e geopolíticos que a China conseguiu, desde 1949, podem ser diretamente atribuídos ao sistema chinês anti-imperial e comunista de governar. Cada um pode ver o que quiser ver no Império do Meio, projetar os próprios sacrossantos (alguns diriam mitológicos) ideais ocidental sobre o comando em Pequim [Baba Pequim] e o povo chinês, mas nem assim alguém pode falar de “suposto comunismo”. É comunismo. Ponto. Parágrafo. Chhhhhh… Ouça atentamente, e você ouvirá o espírito de Deng Xiaoping sussurrando no seu ouvido.*****

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[1] Se tudo isso fosse mentira e propaganda – e não é –, ainda será menos mentira e propaganda que o asneirol que FSP publicou dia 21/8/2008, em coluna assinada por Pedro Del Picchia, como se fosse informação & jornalismo, intitulada “O Mandarim vermelho”, com rápida referência (errada) a Snow e na sessão “Esportes” :-D)) [NTs].
[2] Real estate (ing.) [nos EUA] são os bens em terra e os prédios que haja nela, além dos recursos naturais da terra, incluindo flora e fauna não cultivadas, plantações e colheitas e animais domésticos e gado, e depósitos de água e minerais. Embora a mídia refira-se em geral ao “mercado de real estate”, do ponto de vista da moradia, real estate pode ser agrupada em três amplas categorias baseadas no uso: residencial, comercial e industrial. Exemplos de real estate residencial incluem terra não cultivada, casas, condomínios, residências familiares; exemplos e real estate comercial são prédios de escritórios, armazéns, prédios de lojas de varejo; e exemplos de real estate industrial incluem fábricas, minas e fazendas (de Investopedia) [NTs] 

Fonte: All China Review

Tradução: Vila Vudu