Manifestação em defesa da democracia e contra condenação de Lula. Esquina Democrática, Porto Alegre, 23.01.2018

Mas se houve pouca surpresa em relação ao ocorrido dentro do prédio do Tribunal Federal de Porto Alegre, o que ocorreu fora dele chamou a atenção de todos: a imensa quantidade de pessoas que se manifestaram em apoio a Lula surpreendeu até mesmo os aliados do ex-presidente e acendeu um sinal de alerta para o consórcio golpista.

Os fortes atos de apoio a Lula ocorridos nestes dois últimos dias (23 e 24 de janeiro) contrastam de forma gritante com o raquitismo dos protestos organizados pela turma do golpe no mesmo período. Liderados principalmente por entidades como MBL e Vem pra Rua, os protestos da direita não chegaram a reunir mais do que 500 pessoas em Porto Alegre e pouco menos de 200 em São Paulo, cidades onde houve maior empenho para a realização das manifestações. Já os aliados do ex-presidente levaram 70 mil pessoas às ruas da capital gaúcha no dia 23 e mais 50 mil ontem na capital paulista. Desde as manifestações pelo Fora Temer, em 2016, não se via tantos “vermelhos” nas ruas.

Também ocorreram manifestações significativas em outras capitais do Brasil, dezenas de cidades do interior e até em outros países.

É certo que a grande mobilização popular em apoio a Lula não serviu para mudar sua anunciada condenação, mas o volume e o contraste dos protestos podem indicar que a esquerda está retomando sua hegemonia nas manifestações de rua. E isso tem muito valor político e pode ser fundamental nos próximos passos deste processo.

Vale lembrar que esta hegemonia havia sido perdida durante os protestos pelo impeachment da presidenta Dilma em 2015 e 2016, quando os grupos de direita, com a ajuda providencial da grande mídia, conseguiram promover manifestações maiores que as da esquerda.

Porém, desde que o golpe recolocou a direita no poder, a “militância verde-amarela” andava evitando sair às ruas, num misto de vergonha e cumplicidade com o governo desastroso de Temer. Durante todo o ano de 2017 a mobilização desta turma se restringiu às redes sociais. Era de se esperar que o julgamento do ex-presidente Lula na segunda instância fosse promover a ressurreição dos “patos”, afinal Lula é o inimigo número um desta gente. Mas a mobilização que eles esperavam não aconteceu. Pelo contrário: a raquítica presença de manifestantes anti-Lula nas ruas revelou que a turma do golpe perdeu significativamente sua capacidade de mobilização popular. A comparação entre as manifestações de ontem e anteontem em São Paulo e Porto Alegre dão a dimensão clara deste fenômeno.

SÃO PAULO

 

Paulista foi “reservada” para os coxinhas que fizeram uma manifestação completamente esvaziada

A manifestação de apoio a Lula lotou a Praça da República e depois rumou para a avenida Paulista

 

PORTO ALEGRE

 

Movimentos de direita anunciaram a realização de um “grande CarnaLula” no Parcão para comemorar a condenação do ex-presidente…

 

…mas quem reuniu uma multidão em clima de carnaval antes do julgamento foram os apoiadores de lula

INTERIOR

 

Na rica Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, conhecida como California Brasileira e onde houve amplas manifestações pelo impeachment de Dilma, desta vez só mobilizou um boneco e meia dúzia de direitistas

 

Em Serrinha, na região sisaleira da Bahia, mais de duas mil pessoas saíram às ruas em defesa do ex-presidente Lula 

“A Paulista é nossa”

A forte mobilização de apoio a Lula em São Paulo também abre o debate sobre a restrição ao direito de manifestação.

Na semana passada, houve diversas reuniões com autoridades do município para definir como seriam as manifestações do dia 24 na avenida Paulista, lugar tradicionalmente usado para protestos de rua na capital. O Tribunal de Justiça de São Paulo indeferiu um pedido da CUT (Central Única dos Trabalhadores) para realizar na Paulista o ato com a presença de Lula. A negativa se deu sob o argumento de que grupos antipetistas como MBL e Revoltados Online haviam protocolado o pedido de ocupação da avenida antes da CUT.

Com a negativa, os movimentos e partidos de esquerda transferiram o ato para a Praça da República e anunciaram que depois marchariam em direção à avenida Paulista. A PM tentou impedir, alegando que poderia haver confronto entre os dois grupos. No final das contas, a manifestação da direita reuniu pouco mais que 100 pessoas e um boneco inflável. Enquanto a marcha de apoio a Lula levou para avenida mais de 50 mil pessoas. À medida que os milhares de manifestantes “vermelhos” cruzavam a Consolação em direção à avenida Paulista, um dos gritos de guerra inevitáveis foi “A Paulista é Nossa”. Neste momento, já não havia mais nenhum “pato” na avenida.

Vale registrar também que a jornada de protestos ocorreu de forma pacífica. Com exceção da capital da Paraíba, João Pessoa, onde policiais entraram em confronto com manifestantes pró-Lula, não houve registro de conflitos em outras localidades.

Oposição x situação: papéis trocados

Um dos maiores desafios para os movimentos de direita tem sido se apresentar como oposição quando, na verdade, eles agora estão no campo da situação. Em artigo no site Poder360, o cientista político Carlos Alberto Almeida, autor do best-seller “A cabeça do Brasileiro”, argumenta que o impeachment de Dilma com a consequente ascensão de Temer ao poder inverteu os papéis e agora, na cabeça do eleitor médio, é o governo apoiado pela direita o responsável pela “piora na vida das pessoas”. Almeida afirma ainda que “a condenação de Lula fornece ao discurso da atual oposição o argumento que faltava: o de que apesar de todos os políticos roubarem, esta é uma crença antiga do nosso eleitor, apenas Lula foi condenado”.

Isso ajuda a entender o processo de desmoralização destes grupos da “nova direita” antipetista. Um processo que está minando a presença deles em setores estratégicos para a luta popular, como o da juventude, movida a esperança e contestação.

As pautas reacionárias, o apoio declarado a “reformas” que retiram direitos e empobrecem a população, o silêncio complacente diante de denúncias de corrupção contra integrantes e aliados do governo golpista e, sobretudo, a partidarização dos movimentos de rua afastaram simpatizantes que antes os enxergavam como um instrumento de renovação política.

Sobraram, do lado deles, os militantes direitistas mais orgânicos (e remunerados), os ligados profissionalmente ou por parentesco a políticos tradicionais da direita, a turma do fascismo militante de quartel e a rebarba do reacionarismo da classe média. Essa turma faz barulho nas redes sociais —muitas vezes impulsionados por robôs e posts pagos — mas pelo que demonstra, já não se faz ouvir nas ruas.  O discurso liberal elitista e contraditório e as mensagens de ódio anti-esquerda também não despertam esperança, não convencem e não agregam amplas massas.