“A investigação tem de apoderar-se da matéria, em seus pormenores, 

deanalisar suas diferentes formas de desenvolvimento e de perquirir

a conexão íntima que há entre elas. Só depois de concluído esse trabalho

é que se pode descrever, adequadamente, o movimento real”. 

(Karl Marx,Posfácio da 2ª edição de O Capital, Londres, 24/01/1873).

 

“E o socialismo científico (…) destina-se a pesquisar

as condições históricas e, com isso, a natureza

mesma desse ato [revolução proletária],  infundindo

assim à classe hoje oprimida a consciência das

condições e da natureza de sua própria ação”. 

(Friedrich Engels, Do socialismo utópico

ao socialismo científico, Berlim, 1891).

  

Introdução

A possibilidade de se conhecer, cientificamente, a realidade é um dos pilares do movimento comunista, assim como a produção e a consideração do conhecimento científico do movimento do real são reafirmadas como dimensões sinequa non a todas as frentes de luta para os partidos comunistas.

É digno de nota o esforço de Engels também quanto a combater e superar concepções pré-científicas e que, por isso mesmo, se mostravam equivocadas como “arma da crítica”.

Por exemplo, no folheto Do socialismo utópico ao socialismo científico, escrito em 1877 e publicado nesse formato em vários idiomas e momentos (francês, 1880; alemão, em Zurique, 1882, em Berlim, 1991; inglês, em Londres, 1892), somos brindados com uma fundamentada análise acerca do papel imprescindível da ciência à intelecção da realidade e, por consequência, às escolhas corretas para as lutas pela superação do capitalismo.

Em sua origem, tal texto integrava a ampla polêmica de Engels com o docente privado da Universidade de Berlim, E. Dühring, para a qual, segundo o próprio autor, houve a necessidade de serem tratados

… todos os temas possíveis, desde as ideias sobre o tempo e o espaço até o bimetalismo; desde a eternidade da matéria e do movimento até a natureza perecível das ideias morais; desde a seleção natural de Darwin até a educação da juventude numa sociedade futura. (ENGELS, 1877: 284).

Foi a pedido de Paul Lafargue, então integrante da Câmara dos Deputados da França, que Engels destacou três capítulos desse seu livro de embate com E. Düring, capítulos que foram reunidos e publicados por Lafargue, em 1880, como folheto, com o titulo com o qual o conhecemos. 

Assim, para qualquer objeto de investigação – que, para a perspectiva de transformação socialista, em quaisquer fases de transição a que se refira e em toda frente de luta se que trave – dominar os pormenores da matéria, apreender os movimentos realmente existentes e, a partir disso, empreender as táticas corretas são tarefas conformes aos objetivos dos que se inserem na concepção materialista de história iniciada por Marx e Engels, desenvolvida por Lênin e que precisa ser levada adiante por partidos como o PCdoB.

Ciência Política, estudos eleitorais e motivações do eleitorado

Não deve, pois, ser de outra forma quanto à tática eleitoral. Na metáfora do futebol, a luta institucional nas disputas eleitorais necessita conhecer o terreno em que se pisa, os movimentos dos adversários, aliados e, principalmente, do eleitorado.

A Ciência Política possui conhecimento[2] acumulado sobre as motivações do eleitorado no ato de votar e isso não pode ser desconsiderado por nós, comunistas. 

Para o objetivo deste texto, os estudos e publicações de Jairo Nicolau são os destacados, notadamente Representantes de quem? – os (des)caminhos do seu voto da urna à Câmara dos Deputados, de 2017, publicado pela Zahar[3]. Esta escolha não é arbitrária, mas se fundamenta na relevância empírica e analítica do capítulo 3 (Nicolau, 2017: 62-76) dessa obra, intitulado “Como escolher um deputado federal?”, e que versou sobre as últimas eleições (2014) que houve para as esferas estadual e federal.

Entendo que 2014 foi um ano em que várias tendências relativamente recentes, mas que têm se acentuado nos últimos anos, fizeram-se presentes, dentre as quais destaco a criminalização da política, as ideologias antipartidárias (dos movimentos de inspiração fascista, de direita portanto,  aos que, à esquerda, preconizam a horizontalização da política, a prevalência das pautas ditas identitárias, que também, a meu ver, relativizam ou até mesmo negam os partidos políticos como mediações necessárias à luta política mais ampla, sem falar nos que, dentro desse último espectro, negam até mesmo a possibilidade e a importância de lutas pela superação do capitalismo). 

 

 

 

Nesse capítulo, Nicolau demonstra, em primeiro lugar, que o fenômeno da “amnésia eleitoral” é muito importante, principalmente para os mandatos no legislativo, razão pela qual, notadamente para esses cargos eletivos, falar em controle do eleitor sobre os eleitos é algo bastante inapropriado (Nicolau, 2017: 65-67) 

Citando pesquisa acadêmica do Estudo Eleitoral Brasileiro (Eseb), para o qual foram feitas entrevistas em até 45 dias após o primeiro turno de 2014, 46% dos entrevistados disseram que não se lembravam ou não sabiam responder em quem haviam votado para a Câmara Federal, 22% disseram ter anulado ou votado em branco e apenas 32% indicaram algum nome de candidato.

Para a Assembleia Legislativa, o quadro não era muito diferente, 49% disseram que não se lembravamou não sabiam responder em quem votaram para deputado estadual, 22% anularam ou votaram em branco e 29% citaram nomes de candidatos. 

Uma segunda ordem de investigação enfrentada por Nicolau nesse capítulo diz respeito a saber a relevância dos partidos políticos para a definição do voto do eleitorado. Em 2014, 68% dos entrevistados declararam que não tinham predileção por quaisquer partidos. Assim, menos de 1/3, ou seja, apenas 32% declararam predileção por algum partido, sendo 18% para o PT, 7% para o PSDB, 3% para o PMDB, ficando todas as demais legendas, somadas, com 4% das citações (Nicolau, 2017: 68-70). 

No universo dos entrevistados que declararam predileção pelo PT (o partido mais citado, com 18%) 33% votaram… em candidatos de outros partidos, somente 13% votaram em candidatos petistas, mais de 10% anularam ou votaram em branco e mais de 40% não se lembraram o que fizeram de seu voto. O PSDB, citado por 7% dos entrevistados como de sua predileção, conheceu um fenômeno pior ainda: desses que o preferiram, 35% votaram em candidatos de outros partidos.

Constata-se, assim, empiricamente (e dominar a empiria é sempre um bom começo para um conhecimento adequado da realidade, embora não esgote, por suposto, o conjunto de nexos determinantes do empiricamente observável), que 1) partidos não são a principal motivação do eleitorado para a escolha de candidatos ao legislativo e 2) mesmo entre os que possuem predileção por algum partido há uma expressiva “infidelidade” partidária na hora do voto.

Nicolau, reconhecendo a escassez de estudos sobre os aspectos privilegiados pelos eleitores na hora de decidir o voto, faz um bom inventário dos apelos, ou motivações, destes para a definição de seu escolhido para mandatos legislativos. São estas seis as motivações por ele indicadas, para além da partidária que, como se viu, é muito incerta e relativamente pequena: 

1.          Atributos pessoais do candidato (competência, liderança, alguma característica específica e marcante).

2.          Associação ao território (região, cidade, bairro).

3.          Voto de identidade (pertencimento ao mesmo segmento: igreja, sindicato, categoria profissional, liderança comunitária).

4.          Proximidade ideológica (esquerda, direita; motivação restrita aos grandes temas da economia e da política).

5.          Defesa de interesses de grupos específicos (por exemplo: direitos dos animais, trabalho junto a crianças portadoras da síndrome de Down). 

6.          Clientelismo (promessa de benefício ao eleitor, sua família ou ao grupo ao qual o eleitor pertence) (Nicolau, 2017: 71-72).

 

Um último tema enfrentado nesse capítulo diz respeito à congruência, ou incongruência, entre o voto dado ao chefe do Executivo (no caso, analisou-se o voto para a Presidência da República) e ao respectivo representante no parlamento (deputado federal) (Nicolau, 2017: 73-74). 

Os dados revelam que 34% votaram de forma incongruente, 19% de forma congruente com a candidata Dilma, 6% de forma congruente com Aécio, pouco mais de 1% congruentes com Marina e 40% votaram em branco ou anularam seus votos.

Da definição de táticas eleitorais à luz também desses conhecimentos

Decididamente, o sistema político brasileiro tem estabelecido uma tradição adversa á afirmação dos partidos, notadamente dos partidos de maior consistência ideológica, na cena político-eleitoral. A essa tradição se acrescenta a difícil conjuntura por que passamos, iniciada, de certa forma, pelas manifestações de junho de 2013, principalmente pela guinada à direita que nelas se estabeleceu cerca de três dias após a dura repressão policial e midiática contra bandeiras que eram progressistas, como o passe livre, melhoria nos serviços públicos e os questionamentos sobre o próprio sistema político.

Ao invés de tais manifestações ensejarem, pela articulação com o que Gramsci chamava de elemento dirigente e Lênin designava de superação do espontaneísmo, o que se viu foi o relativo êxito de uma direção à direita, com traços fascistas, de ódio de classe e múltiplas formas de intolerância e preconceito (misoginia, lgbtfobia, racismo, entre outras). As ideologias antipartidárias ganharam força, a exemplo do que se deu com a criminalização da política, com respaldo ao crescimento de teses articuladas em torno da ideia de que um gerencialismo deveria substituir a política.

Mais recentemente, a minirreforma eleitoral aprovada no Congresso Nacional (Lei 13.488, de 06 de outubro de 2017) incluiu mudanças, como o fim das coligações para a disputa ao legislativo a partir de 2020, que antecipam a necessidade de um partido como o PCdoB ampliar sua presença nas disputas eleitorais em todos os níveis, sob pena de ficarmos menores.

A propósito, a Resolução Política aprovada no 14º Congresso do PCdoB inclui esta importante observação, da qual se deve extrair desdobramento também para a tática eleitoral (grifos meus):

Para os próximos anos, visando já ao seu centenário em 2022, exige-se um Partido com ação planejada, mais unido, mobilizado, estruturado e autossustentado, principalmente nas capitais e nos municípios estratégicos. Apesar das ameaças reacionárias, o Partido pode e deve elevar a sua atuação política na resistência democrática e estruturar-se mais e melhor, ampliando sua capilaridade no seio do povo, em especial entre os(as) trabalhadores(as), ousando lutar estrategicamente pela hegemonia na classe trabalhadora brasileira, dando os passos necessários para isso desde já.[4]

Essa capilaridade precisa permear as três frentes de luta do Partido (de massas, de ideias e institucional).

Esse quadro complexo e que ainda está a demandar melhor aprofundamento na intelecção de seus nexos determinantes reforça, a meu ver, a relevância do estudo de Jairo Nicolau para a definição de táticas eleitorais ao PCdoB. Senão, vejamos, à guisa de conclusão de ordem prática para a tática eleitoral partidária. 

1.          Os únicos apelos, ou motivações, que facilitam, em tese, a uma tática apoiada na ideia de transferência de votos são a relevância partidária para o eleitorado e a proximidade ideológica. Porém, como demonstrado, a relevância partidária é relativamente pouco significativa e a proximidade ideológica tende a se aproximar da mesma condição, além de se restringir a grandes temas da economia e da política, que não balizam amplos segmentos do eleitorado.

2.          Todas as demais motivações, ou apelos (atributos pessoais do candidato; associação ao território; voto de identidade, defesa de grupos de interesses específicos e clientelismo) apontam para uma eficácia muito maior quando a tática eleitoral se pauta pela capilaridade das candidaturas, ao invés de candidaturas marcadas pela concentração.

Um PCdoB que se prepare, a partir de agora, para os duros anos que virão e, mais do que isso, para se reposicionar no cenário nacional em termos eleitorais, não pode desconsiderar que, para além de 2018, existirão eleições em 2020, 2022 e assim por diante. Há de se levar em conta, assim sendo, a articulação entre estes cinco aspectos para a definição de tática eleitoral já neste ano: 

A.         crescimento do Partido; 

B.          motivações do eleitorado; 

C.          enorme dificuldade em transferência de votos; 

D.         capilaridade também eleitoral; e

E.          fim das coligações para o legislativo a partir de 2020.

Evidentemente, o exercício prático do que esta análise representa para cada Comitê Estadual do PCdoB exige a avaliação da curva de votos do Partido nas últimas 2 ou 3 eleições, com destaque para a votação na legenda (se expressiva e em crescimento, o cenário é um; se pouco expressiva ou em decréscimo, o cenário é outro) e para as possibilidades de candidaturas em cidades ou regiões estratégicas.

Por vezes, uma candidatura do PCdoB pode não ter como objetivo imediato a obtenção de mandato, mas cumpre outros papéis, como o de não se deixar vazios para que candidaturas de outros partidos cresçam, mesmo dentre aqueles com os quais estivermos coligados para o legislativo, ou o de ensejar ao Partido patamares de maior relevância para futuras disputas eleitorais.

O mundo, inclusive o eleitoral, não haverá de terminar em 2018. 

Por fim, a contextualização que fiz do texto de Engels Do socialismo utópico ao socialismo científico se justificou não apenas por trazer a esta contribuição o lugar do conhecimento científico para nossa intervenção, mas, igualmente, como palavra de estímulo ao debate qualificado, sem o que o método que nos orienta (centralismo democrático, ou democracia centralizada) perderia parte de seu vigor. Se, mesmo diante da colossal e vigorosa obra de E. Düring, Engels não recuou, por que haveríamos de agir diferente em face de uma dimensão da vida política, a eleitoral, de menor monta? A tarefa da arma da crítica é sempre atual e instigante exatamente porque se assenta na autoridade do argumento. 

* Edilson José Graciolli é Professor de Ciência Política e Sociologia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e Diretor do Instituto de Ciências Sociais (Incis/UFU) 

Referências bibliográficas

NICOLAU, Jairo. (2017).   Representantes de quem? Os (des)caminhos do seu voto da urna à Câmara dos Deputados.   Rio de Janeiro: Zahar.

ENGELS, Friedrich. (1877). “Do socialismo utópico ao socialismo científico”.   In: MARX, Karl e ENGELS, Friedrich.   Obras escolhidas.   Volume 2.   São Paulo: Editora Alfa-Omega.   pp. 281-336.

[1] Cientista Político e Sociólogo; Diretor do Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal de Uberlândia; Presidente do Comitê Municipal do PCdoB Uberlândia; Membro do Comitê Estadual MG do PCdoB.
[2]Vários são os autores que têm se debruçado sobre estudos eleitorais, embora os voltados às motivações do eleitorado na escolha de candidatos existam em menor número. Ao leitor interessado não será difícil fazer um levantamento junto a bases de dados, como, por exemplo, a SCIELO, a partir de palavras-chave como eleições, sistemas eleitorais, entre outras. Fernando Limongi, Argelina Cheibub Figueiredo, Sérgio Eduardo Ferraz, Lara Mesquita, Antonio Lavareda, Luciana Fernandes Veiga são exemplos de pesquisadores sobre o tema, embora o espectro teórico-metodológico por eles encampado seja bastante diverso e, em larga medida, distante das perspectivas de atuação comunista. No entanto, se e na medida em que suas contribuições desvendam dimensões do real, certamente por nós precisa ser, criticamente, conhecidas e consideradas.
[3] Do mesmo autor indico História do voto no Brasil, Zahar, 2002; Eleições no Brasil: do Império aos dias atuais, Zahar, 2012; Sistemas eleitorais, FGV, 2012.
[4] Cf. https://pcdob.org.br/congressos/resolucao-politica-aprovada-no-14o-congresso-do-pcdob/.