O investimento permanece sendo a variável independente da dinâmica econômica (Marx,1867; Keynes, 1936).[2] O progresso técnico é a chave para o crescimento e a difusão da produtividade, o que possibilita salários reais mais elevados. Ao contrário, o atraso e a dependência tecnológica bloqueiam o desenvolvimento.[3]

A propósito, uma das principais conclusões do insuperável estudo de Alice Amsden, “A ascensão do resto. Os desafios ao ocidente de economias com industrialização tardia” (UNESP, 2009) reside na antinomia entre China, Índia, Coreia do Sul e Taiwan; e Brasil, Argentina, Chile, México e Turquia: os primeiros decidiram “fazer tecnologia”, os segundos “comprar tecnologia” (p. 484). Isto constatado pela pesquisadora (Harvard), no ano 2000.

Isso (também) explica porque, durante uma década (2003-2013), o crescimento da Ásia foi o principal responsável pela voraz absorção do ciclo de alta latino-americana das commodities – em especial pela China. Em antagonismo, a América Latina e Caribe cresceu -1,1%, em 2019 (CEPAL).

No Brasil, após uma depressão econômica entre 2015 e 2017, o chamado “teto dos gastos” simplesmente liquidou o investimento público, hoje reduzido a 1% do PIB. Ao lado disso, a taxa de investimento (máquinas, equipamentos, inovação e construção civil) caiu de 19,3% (2010) para cerca de15,5% (2019), a menor em 50 anos! 

O governo ultraliberal e entreguista de Jair Bolsonaro tentou até destruir o sistema nacional de inovação, construído a duras penas nos últimos 70 anos. A Finep (“Financiadora de Estudos e Projetos”) foi ameaçada de extinção, o que foi rechaçado pela mobilização da comunidade científica e setores do parlamento.[4] Igualmente, as universidades públicas passam a ser perseguidas, tudo em nome duma influência do “marxismo cultural”, um delírio paranoico do Olavo de Carvalho, um astrólogo apátrida que vive na Virgínia (EUA); não por coincidência estado que sedia a CIA, organização conhecida por assassinar opositores do império americano.

Vivemos no Brasil de hoje uma perversa busca da destruição do processo histórico – tortuoso – de seu desenvolvimento. Mas há saídas, sim.

Imperialismo e desenvolvimento desigual 

Não se compreende a evolução do capitalismo sem uma ideia crucial do teórico russo Vladimir Lênin: seu desenvolvimento desigual – trata-se de uma lei. O capitalismo não é apenas uma espécie de síntese complexa de um padrão universal e de uma singular configuração histórica: é determinação do estágio imperialista – palavra sempre escondida – do regime global do capital. 

Exemplo: entre 1870-80, a Alemanha já produzia química fina; a industrialização ali acelera de 1871 a 1873. No Brasil, a química fina é produzida somente nos anos 1970, quer dizer cerca de 100 anos depois da Alemanha![5]

Acima assinalamos a crucialidade dos sistemas de financiamento e de inovação – absolutamente indispensáveis nos países de  “capitalismo tardio” -, e da relação produtividade/salários reais. Nos anos 1950, a Coreia do Sul recebeu apoio dos EUA para implementar uma reforma agrária; e entre 1970-90 farta tecnologia do seu vizinho rico, o Japão. O Estado pôs-se a construir “chaebols” (grandes conglomerados industriais); engatou-se então na 3ª revolução industrial. O processo foi denominado de “desenvolvimento a convite”. O PIB da Coreia cresceu uma média de 5,4% entre 1980-2000.

Entretanto, o principal fator estratégico – decisão de Estado – para o desenvolvimento sul-coreano foi a aplicação de 5% do PIB (Produto Interno Bruto) em P&D (pesquisa e desenvolvimento), na década de 1990. A educação, orientada à força de trabalho especializada complementou o avanço. Num país feudal, dividido, nos anos 1950 e destroçado pela guerra, sua parte sul passou ao mais novo integrante do grupo dos mais industrializados.

Em “Chutando a escada. A estratégia de desenvolvimento em perspectiva histórica” (Unesp, 2004), Ha-Joon Chang (Cambridge) prova: o curso capitalista dos “Países Atualmente Desenvolvidos” (Grã-Bretanha, EUA, Alemanha, França, Suécia, Bélgica, Holanda, Suíça, Japão, Coreia do Sul e Taiwan) originou-se, essencialmente, de políticas industrial, comercial e tecnológica francamente protecionistas, assim como do manejo de políticas econômicas “fundamente oposto” ao receituário neoliberal (p.106).

Note-se: de 2000 a 2018 a produtividade do trabalho na indústria sul-coreana, de 4,3% ao ano, ensejou o mesmo nível de incremento dos salários. No Brasil, a produtividade do trabalho na indústria cresceu 0,7% médios entre 2000 e 2018, (CNI, Confederação Nacional da Indústria, novembro/2019).

Nos últimos 24 anos (FHC a Temer) a taxa média real de crescimento do PIB foi de 2,3% ao ano (IBGE, março/2019). 

O horizonte econômico mundial atual é péssimo. E voltaremos ao fracasso se – além de tudo – não reabrirmos a chave da infraestrutura e da energia.

NOTAS

[1] Baseado em “Estratégias de desenvolvimento I e II”, “Tribuna Independente” (AL), 7 e 27/02/2020.

[2] A relação entre acumulação, lucros e determinação dos investimentos aparece com maior nitidez no Livro 3 de “O capital”. Nele diz Marx:

“E assim o rio de capital continua a crescer(..) ou continua sua acumulação, não proporcionalmente à taxa de lucro, mas em proporção ao ímpeto que ele já possui” (Apud Miglioli, J. 2004, p.135).

Interpreta Miglioli: 

“É interessante observar que esta explicação – que no texto de Marx constitui apenas uma afirmação feita de passagem – é, para muitos economistas modernos, um elemento de grande importância na teoria dos determinantes do investimento: a acumulação seria um incentivo para si mesma (isto é, teria um [ímpeto próprio) na medida em que gera um favorável ‘estado de expectativa’ (para empregar a expressão de Keynes)”. Ver: “Acumulação de capital e demanda efetiva”, Hucitec, 2004, 2ª edição, ibidem.

[3] Marx, novamente – e inacreditável!

“Subjugação das forças da natureza, maquinaria, aplicação da química à indústria e à lavora, navegação a vapor, caminhos de ferro, telégrafos elétricos, arroteamento de continentes inteiros, navegabilidade dos rios, populações inteiras feitas saltar do chão – que século anterior teve ao menos um pressentimento de que estas forças de produção estavam adormecidas no seio do trabalhos social?” (“Manifesto do Partido Comunista”, K. Marx e F. Engels, Edições Avante!, 1997 [1848], 2ª edição, p. 41).

[4] Ver o relato detalhado, bem como uma balanço da situação do sistema de inovação no Brasil recente, no artigo de Luis Fernandes. Aqui: https://vermelho.org.br/2020/01/12/sistema-de-ciencia-e-tecnologia-esta-sendo-desmontado/

[5] O mesmo Lênin, em sua obra imorredoura “O imperialismo, fase superior do capitalismo” (1916) afirma, entre outras, sobre o estágio do desenvolvimento capityaliista da Alemanha:

“Segundo Liefmann, em 1897 havia cerca de 40 cartéis internacionais com a participação da Alemanha. Em 1910 aproximavam-se já de uma centena”. Em: “V. I. Lenine – Obras Escolhidas, v. 1. Edições Avante, 1881, p.631.