As tensões geopolíticas, que afetam as condições do mercado de petróleo, tem relação diretas com a luta que se trava pela supremacia nas relações de poder entre as Nações, especialmente entre Estados Unidos e China, e seus aliados. Quatro eventos mais recentes confirmam a emergência desta geopolítica do petróleo neste século XXI: a chamada guerra comercial EUA-China, com evidentes impactos sobre a demanda chinesa; os ataques dos drones iemenitas às refinarias sauditas, em setembro de 2019; o assassinato do general iraniano em Bagdá em janeiro; e por fim, a guerra petroleira entre Arábia Saudita e Rússia, tendo em vista atingir o shale norte-americano, são demonstrações inequívocas de que as relações de mercado, quando falamos de petróleo, não se aplicam desvinculadas do jogo de poder.

A atual crise da COVID-19 potencializará os efeitos geopolíticos sobre o setor de petróleo, afinal, em um contexto de recessão mundial que se prenuncia, a queda na demanda aliada ao excesso de oferta, fruto da entrada de novos atores no jogo energético, aprofundarão o uso da questão energética como fator de poder entre as Nações. Donald Trump, não hesita em explicitar essa relação, seja quando justificou o assassinato seletivo em Bagdá, em função da diminuição da dependência energética norte-americana do petróleo do Oriente Médio, e mais recentemente, diante do colapso nos preços – que ameaça jogar na lona a indústria de shale do país -, ameaçou impor barreiras à importações visando protegê-la.

A Rússia, do exímio jogador de xadrez Vladimir Putin, não hesitou em aumentar a oferta para derrubar os preços, visando atingir a autonomia energética americana, mesmo que às custas, em um plano mais imediato, de gerar um problema fiscal para o país. Consequência colateral de outro problema estratégico de alta relevância: a disputa entre Russia e EUA pelo fornecimento de gás à Europa, em especial à Alemanha, com o gás russo chegando por meio do projeto Nord Stream 2, passando pelo Mar Báltico, sendo este gasoduto objeto de sansões americanas para impedir sua construção, oferecendo como alternativa a exportação de GNL americano.

Para o Brasil, esta crescente relação entre geopolítica e energia não é fato alheio, tendo em vista sua crescente capacidade de ser um dos grandes atores mundiais no setor. O país vai se afirmando como uma potência energética, dada a exploração crescente de suas reservas em petróleo e gás. Utilizar-se desta condição para adensar as expressões: política, econômica, militar e científica-tecnológica – é o desafio.

O Brasil, antes da crise, já exportava mais de um milhão de barris/dia, e recentemente viu grande parte de suas receitas fiscais extraordinárias advirem dos leilões de campos de petróleo na província do Pré-Sal. O fator energético passa a ser um dos instrumentos mais importantes para promover o desenvolvimento nacional, nesse sentido, algumas questões são relevantes para o debate sobre a estratégia nacional, associada a condição de crescente potência energética.

Primeiro, quanto ao ritmo da extração das riquezas dos hidrocarbonetos, com o objetivo de aumentar sua contribuição para o aproveitamento dessa riqueza nacional.

Por um lado, a viabilidade econômica dos campos, recentemente leiloados, do Pré-Sal é enorme, uma vez que seus custos competem com as do shale norte-americano, estando ambos entre as novas áreas de exploração com menor break even. Assim, a despeito de elevados custos iniciais, de capital e tecnologia, para colocar os campos em produção, a taxa de retorno será atrativa, o que provavelmente fará com que as majors petroleiras efetivem seus planos de investimentos no Brasil.

Contudo, esse boom energético exigirá uma relação de trade off mais ajustada com a estratégia de desenvolvimento econômico. A abundância energética poderá servir de vetor para a consolidação de um setor industrial de P&G que aporte ao domínio de tecnologias emergentes, que são a base da Quarta Revolução Industrial. Também deverá aportar uma maior competitividade à Industria, em espacial através da oferta de gás natural.

Uma segunda questão, refere-se ao ritmo da transição energética. Antes da crise, havia uma enorme pressão, sobretudo nos países desenvolvidos, por uma descarbonização de suas economias. A Comissão Europeia, havia anunciado um plano de centenas de bilhões de Euros para acelerar essa transição, contudo, o ritmo da transição energética dependerá do tempo em que os preços do petróleo permaneçam em níveis baixos, o que, por sua vez, está em função da recuperação da demanda, dependente da recuperação da economia mundial. Essa resposta, ainda, é nebulosa no momento em que a crise sanitária ainda não teve seu desfecho. O Brasil, no entanto, está muito bem posicionado nesta transição energética e dela deverá tirar proveito, primeiro pelo nosso potencial em produzir energias renováveis, mas em especial por meio do Renovabio, que é um dos mais ambiciosos programas de sequestro de carbono do mundo, com meta para subtrair 700 milhões de toneladas de CO2 em 10 anos, valoriza as externalidades positivas da produção de biocombustíveis, incentiva a geração de emprego e renda no nosso país, contribui para o cumprimento dos compromissos assumidos no Acordo de Paris, incentiva a expansão dos biocombustíveis, com ênfase na previsibilidade e regularidade do abastecimento de combustíveis; induzindo ganhos de eficiência energética e de redução de emissões de gases causadores do efeito estufa na produção, comercialização e uso de biocombustíveis, com início em 2020 cria um sistema de certificação de eficiência energética-ambiental, ao estabelecer metas de redução da intensidade de carbono para o setor de combustíveis de transportes, podendo colocar, estrategicamente, o Brasil no centro desse debate.

*Diretor da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) até março de 2020.
** Professor de geopolítica da Escola Superior de Guerra (ESG) e organizador do livro “Geopolítica e Energia” (Editora Synergia, 2020).