Especialista em Economia da Cultura e Desenvolvimento Econômico Local, Luiz Carlos Prestes Filho, analisou em live da Roda de Conversa, mediada pelo jornalista Osvaldo Bertolino, a cultura como patrimônio econômico e o modo como o Brasil se apropria de sua cultura para fortalecer o soft power (influência sem uso da força) da nação fora de suas fronteiras.

Pioneiro nos estudos sobre o assunto, Prestes Filho cresceu na ex-União Soviética e contou que se perguntava por que a cultura brasileira não tem um peso tão grande fora de suas fronteiras nacionais. Foi isso que o levou a estudar economia da cultura, e publicar sobre a cadeia produtiva da música e do carnaval, assim como do artesanato e do design.

Ele é autor dos livros “Economia da Cultura – a força da indústria cultural do Rio de Janeiro (2002), “Cadeia Produtiva da Economia da Música” (2005), “Cadeia Produtiva da Economia do Carnaval” (2010), “O Maior Espetáculo da Terra – 30 anos do Sambódromo” (2016) e “A Teoria das Probabilidades no Jogo, na Ciência e nas Políticas Públicas” (2017). Com isso, acabou sendo responsável pela criação de cursos de gestão cultural na universidade Cândido Mendes e o primeiro MBA de gestão cultural.

Ao estudar o tema, Prestes passou a entender a cultura como força para o desenvolvimento local. Ele cita um exemplo que acompanhou de perto para sua pesquisa, que foi a cadeia produtiva da música na cidade de Conservatória (RJ), em que o turista vai exclusivamente para ouvir serenata. “Uma localidade com um quadro muito positivo econômico e social, baseado na economia da música”, observa.

Déficit na balança de exportações

A partir de suas análises, ele constata que a balança comercial brasileira não tem nenhum produto cultural, livro, imagens, música, cinema ou novela como commodity de relevância. “A cultura brasileira não tem impacto na balança comercial do país, não representa nada como commodity, enquanto a cultura dos EUA tem um peso de quase 15%, algo da proporção do agrobusiness brasileiro. Nossa visão cultural é muito periférica”, comparou.

Continuando a comparação, ele menciona como o cinema, a música e a tecnologia americana compõem um patrimônio para o soft power daquele país no mundo. “Tudo que estamos usando para nos comunicar nessa live tem sua base em outros países. Muito disso licenciado nos EUA”, citou.

Para que essa influência da cultura ocorra na balança de exportações do Brasil, é preciso que o tema da cadeia produtiva deste segmento produtivo esteja na ordem do dia para o governo. “Não temos isso na ordem do dia, nem no Ministério do Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio, nem do Turismo, da Cultura, da Fazenda, muito menos do Itamaraty, que cortou todas as verbas de manutenção das políticas para divulgação da cultura brasileira no exterior”, lamentou. Até a Agência Brasileira de Promoção das Exportações (Apex-BR), segundo ele, ignora o tema.

 

Carnaval Rio 2020 – Sambódromo – Viradouro – Sábado das Campeãs – Ronaldo Nina | Riotur

Pobreza estrutural

Mas, na visão do pesquisador, o problema é estrutural, na medida em que “nenhum governo, independente das matrizes ideológicas, teve visão estratégica da cultura, nesses 30 anos de democracia no Brasil”. “Nenhum deles conseguiu entender a importância do soft power brasileiro”, afirmou o professor.

“Você pode ir a qualquer lugar do mundo, que se sabe que o Brasil tem carnaval e futebol”, diz. Ele ressalta, no entanto, que isso não é mérito de nenhum desses novos presidentes, “mas vem lá de trás, dos anos 1940, que consolidou essa visão do Brasil como país do futebol e do carnaval”.

Prestes Filho destaca que os brasileiros não se apropriam da sua cultura para fazê-la ferramenta para melhorar as condições econômicas e sociais de vida da população. “A exportação de novelas representa 40 milhões de dólares, o que não é nada. Quando a novela é exportada para outro país, a primeira coisa que a importadora faz é tirar todo o conteúdo musical brasileiro da novela”, conta ele.

Compreender a cadeia para melhorar

Prestes Filho sugere que um programa mínimo de incentivo do BNDES, para manter somente o conteúdo nacional nessas plataformas (as novelas), poderia levar a música brasileira para mais de cem países. “Imagina o impacto disso do ponto de vista de arrecadação dos direitos autorais. Quem sabe trabalhar bem com isso são os americanos e europeus”, explica ele.

Quando começou essa abordagem econômica da cultura, ele admite que estava realmente um tanto sozinho, porque era comum questionar “a mercantilização da cultura”. Mas, hoje, já existem cursos com especialistas na PUC-RS e UFF, na PUC-RJ, na economia da UFRJ. “O tema ganhou bastante espaço com muitos estudos. Acho que foi muito importante a implantação no Ministério da Cultura do Departamento de Economia da Cultura, durante a gestão do Gilberto Gil”, declarou.

Ele também comenta como esse tema é importante para a ONU, para a Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento, para a Organização Mundial de Propriedade Intelectual, além de ser um tema estruturante para o desenvolvimento nacional, grande gerador de trabalho e renda. “Na RecNov, a fábrica de novelas da Record, trabalham duas mil pessoas. No Projac, são cinco mil pessoas”, contabiliza.

Ele também menciona o parque gráfico do Rio de Janeiro, que já foi o primeiro e agora está atrás de São Paulo e Paraná. Assim, a produção de livros, jornais e revistas também é considerada produção nessa economia da cultura. “As maiores gráficas do Rio de Janeiro, hoje, são a da Globo e da Igreja Universal do Reino de Deus. Por trás de cada livro, espetáculo, novela, show, tem milhares de pessoas trabalhando. Quando o operário está trabalhando o artista está descansando e quando o operário está descansando o artista está trabalhando”, parafraseou.

Por isso, ele considera que o estudo que fez sobre cadeias produtivas da cultura é importante. “Temos que ter uma visão sistêmica da cultura. Eu as estudei de forma a saber onde melhorar a cadeia para beneficiar esses trabalhadores e microempreendedores”, justificou.

Os estudos sobre cadeias produtivas ocorreram nos anos 1990 e tiveram muita importância, inclusive para o agrobusiness brasileiro. A cadeia produtiva tem que ter o elo de produção, de distribuição, de comercialização, e o consumo que vai reabastecer a estrutura de produção. “Somente entendendo esse processo produtivo, podemos melhorar e propor políticas de respeito ao meio ambiente, respeito aos direitos humanos e tornar o sistema mais justo para o trabalhador”.

A conversa completa com Osvaldo Bertolino, Jorge Gregory e Luiz Manfredini, ainda discutiu o papel do Partido Comunista na cultura e nas artes da União Soviética e do Brasil, entre outras reflexões sobre cultura. Assista abaixo: